quarta-feira, 14 de setembro de 2022

O GÊNESIS E O TELEFONE DA CRIAÇÃO



1. A origem do nome do serviço de combate ao crime chamado “Disque denúncia” precisa ser situada no tempo em que os aparelhos telefônicos faziam ligação por meio de um disco numérico giratório. Foi graças a um modelo de telefone específico que “discar” passou a ser usado como sinônimo de “fazer uma ligação telefônica”. Com o tempo é provável que pouca gente se dê conta de como foi estabelecida a relação entre “discar” e “telefonar”.

2. Recorrendo ao processo descrito acima é possível descobrir a origem de alguns verbos hebraicos. Um exemplo é o verbo bara’ (ברא), geralmente traduzido por “criar”. Em alguns casos bara’ indica a ação de cortar árvores (cf. Js 15,17-18), ou de golpear com uma espada (cf. Ez 23,47). Mas que tipo de relação haveria entre “criar” e “golpear” (com espada, com machado)? A resposta pode ser encontrada na atividade de um artesão escultor.

3. Note que a atividade do escultor envolve a ação de cortar/desbastar/esculpir entalhes, dando forma ao objeto que se deseja CRIAR. Com o tempo, “cortar/desbastar” passou a ser usado como “criar”, na medida em que o processo de criação envolve o corte/desbaste do material utilizado como matéria prima. O hebraico é um idioma muito visual, característica que proporciona muita beleza ao texto, sobretudo à poesia.

4. Vale dizer que bara’ nunca indica “criar do nada”, como sugerem alguns dicionários. Esta é uma dedução que aparece relacionada à teologia, não à semântica.


Jones F. Mendonça

A GRÁVIDA E O FETO NA BÍBLIA HEBRAICA

1. Quando traduzido literalmente, Eclesiastes 11,15 fica desse jeito: “Assim como não conheces o caminho do vento ou dos OSSOS (עצם) no ventre da CHEIA (מלא), também não conheces a obra de Deus”. Ficou confusa a tradução?

2. Tendo em mente que os “ossos” são uma referência aos ossos do “embrião” e o “cheia” faz um apelo visual à aparência da “grávida”, tudo se esclarece. Assim, temos: “...ou do EMBRIÃO no ventre da GRÁVIDA”.

3. A palavra “embrião” (גלם) reaparece em algumas Bíblias em português no Sl 139,16. Veja:
Teus olhos viam o meu EMBRIÃO. No teu livro estão todos inscritos os dias que foram fixados e cada um deles nele figura (Sl 139,16).
4. Neste caso, a palavra hebraica traduzida por embrião é outra, “golem”, termo de tradução difícil, porque só aparece uma única vez na Bíblia Hebraica (trata-se de um hápax legomenon).

5. “Golem” vem da raiz verbal “galam”, cujo sentido é “dobrar”, “enrolar”. O feto aqui é chamado de “enrolado/enrugado”. Mais uma vez o apelo é visual, talvez obtido pela observação de fetos abortados ou removidos do ventre materno pela violência (Cf. 2Rs 8,12).



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

O SOGRO, O GENRO E O "ÚTERO" NA BÍBLIA HEBRAICA

1. Em nosso idioma usamos “sogro” para designar o pai da mulher com quem o “noivo” se casou (ele é "genro"). No hebraico bíblico – por mais estranho que possa parecer – um só substantivo servia para indicar “sogro” e “noivo”: חתן (hatan). Como explicar isso? Em minha opinião o termo tinha essa dupla função porque era usado para indicar qualquer uma das partes envolvidas no acordo de casamento: o pai da noiva e o noivo. Como cheguei a essa conclusão?

2. Bem, além do substantivo hatan, o hebraico possui um verbo de mesma raiz, hatan, cuja finalidade é indicar a relação entre genro e noivo. Veja: “Hatan (Aliai-vos) a nós: vós nos dareis vossas filhas e tomareis as nossas para vós” (Gn 34,9). Aqui tudo se esclarece: o verbo indica a aliança de casamento entre as famílias; o substantivo as partes que selam o acordo (sogro e noivo). A noiva, coitada, era tratada apenas como mercadoria, como útero (cf. Jz 5,30).



Jones F. Mendonça

SOBRE COCHONILHAS, VERMES E CORANTES


1. Na Bíblia a palavra hebraica תולע (tola') é traduzida ora por “verme” (cf. Ex 16,20; Is 41,14) ora por “carmesim/escarlate” (vermelho vivo, cf. Lm 4,5). Com explicar isso?

2. Bem, é que o vermelho utilizado para tingir roupas vinha da cochonilha-do-carmim, um pequeno inseto que se alimenta parasitando cactos.

3. Assim, תולע (tola') designa tanto uma cor como um “bichinho”. É como fazemos hoje com o “laranja”, simultaneamente nome de cor e de fruta.

4. No livro das Lamentações (4,5) fica muito claro que o termo deve ser traduzido por cor, não por "bichinho". Veja:
"os que se criaram no תולע (ou seja, no "vermelho", cor da nobreza), agora apertam-se no lixo".


Jones F. Mendonça