terça-feira, 15 de setembro de 2020

INVOLUÇÃO COGNITIVA

1. O ser humano, desde os tempos mais remotos, faz indagações a respeito das origens. A religião sempre se inquietou com essas questões e tentou, a seu modo, explicar as origens dos deuses (como na teogonia de Hesíodo), do mundo (como o Enuma Elish mesopotâmico), da humanidade (como no relato do Gênesis), do mal (teodiceia), etc.

2. Na Antiga Grécia, buscando respostas fundamentadas na razão, os primeiros filósofos dedicaram-se a localizar um princípio originário único capaz de explicar do mundo. A partir dessa nova orientação investigativa nasceu a ciência moderna: a astronomia, a zoologia, a química, a biologia, etc. Mas a sede, a busca incessante pelas origens não parou por aí.

3. O psicólogo canadense Merlin Donald propôs recentemente uma interessante teoria para explicar a origem do sistema cognitivo humano. Ele diz que o desenvolvimento da capacidade de externalização da memória, pela escrita, age diretamente em nosso sistema cognitivo, promovendo uma relação dialética entre cérebro e cultura.

4. Focando nessa “externalização da memória”, podemos pensar em três grandes revoluções dos nossos sistemas culturais para armazenar conhecimento: a) a invenção da escrita; b) da prensa tipográfica, e c) das novas tecnologias digitais. Eis aqui o grande paradoxo.

5. Ao mesmo tempo em que apontam para o avanço do sistema cognitivo humano e grande capacidade de desenvolvimento tecnológico, as tecnologias digitais têm sido usadas para disseminar o terraplanismo, teorias conspiracionistas, ideologias antivacina, fundamentalismos religiosos e obscurantismos científicos.

6. Se a gente não segurar esse pessoal, em breve estaremos de volta à Idade da Pedra.

 

Jones F. Mendonça

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

OS LÁBIOS NA BÍBLIA

1. A palavra hebraica traduzida por “lábio” (safhah) possui campo semântico bastante amplo na Bíblia Hebraica. Seu sentido primário, como parte carnuda que delineia a boca, aparece, por exemplo, em Cantares 4,11: “teus LÁBIOS (saphah) são como o fio de escarlata”.

2. Dependendo do contexto, pode indicar a fala, o idioma: “em toda a terra havia um só LÁBIO” (ou seja, uma só fala, cf. Gn 11,1). "Lábio" também indica linguagem em Gn 11,7: "desçamos e confundamos os lábios deles...". 

3. Em alguns casos "saphah" serve para indicar a margem de um rio: “largou-o no LÁBIO do rio” (ou seja, na linha d’água que margeia o rio, cf. Ex 2,3). O livro de Provérbios classifica certas pessoas como tendo “lábios ardentes” (Pv 26,23). O que seria isso? 

4. Alguns tradutores, sem saber exatamente o que significa “lábio ardente”, traduzem a expressão como “lábios amorosos”. Outros por “lábios amistosos”. E outros ainda por “palavras fingidas”. Bem, pessoalmente estou mais inclinado a pensar que a expressão indica o "caluniador", o "fofoqueiro" ("nirgan", cf. v. 22). 



Jones F. Mendonça

DIVAGAÇÕES

1. Em setembro de 1517 Lutero escrevia as pouco conhecidas 99 teses contra a escolástica. Suas principais críticas dirigiam-se a filosofia de Aristóteles, acolhida pela teologia do final da era medieval como fundamento da doutrina da Igreja. Os escolásticos giravam ao redor de Aristóteles como mariposas hipnotizadas pela luz. O tal do Aristóteles, caso nunca tenha ouvido falar dele, foi um filósofo do século IV a.C. Aliás, um baita de um filósofo. Lutero – debochado que era – tratava-o como “enganador de inteligências”. Duas eram as razões: 

2. A primeira: os teólogos escolásticos usavam a lógica de Aristóteles para expor os dogmas de fé da Igreja. A doutrina da trindade, esbravejava o monge indignado, não pode ser exposta nos termos da lógica. Lutero, neste ponto, era um fideísta, ou seja, via a lógica como uma mosca na sopa da teologia. Mas a implicância de Lutero não se dirigia apenas à lógica de Aristóteles. Sua teologia da depravação total entrava em choque direto com a ética de Aristóteles, tão na moda. Esta é a segunda razão. Explico. 

3. Embora não gostasse de Aristóteles, Lutero tinha muita afinidade com a filosofia de Platão, mestre de Aristóteles (Pois é, a filosofia sempre agiu como uma espécie de chiclete nos sapatos dos teólogos). Bem, Lutero propôs uma visão muito pessimista do ser humano, visto, em seu estado natural, como “cavalo de Satanás”. Os escolásticos, tão criticados por ele, vislumbravam uma antropologia mais otimista. Achavam que essa teologia de depravação total era um exagero, coisa meio mórbida, de mau gosto

4. Outro teólogo que não engoliu a filosofia aristotélica foi Nicolau de Cusa. Nicolau achava que a lógica de Aristóteles não subsistia em questões divinas. Não entendeu? Dou um exemplo: de acordo com a lógica de Aristóteles – que a gente ainda usa na escola – duas realidades contrárias não podem coincidir: “dia” não pode ser simultaneamente “noite”. Parece óbvio, não? Mas Nicolau dizia que Deus está cima de qualquer oposição e que, portanto, deve ser tratado como “coincidentia oppositorum” (coincidência dos opostos). Sim, esses caras “viajavam” muito. 

5. Mas doidão mesmo era Calvino. O teólogo tinha grande apreço pela ideia da Providência divina, coisa que, ao que parece, foi tomada dos estoicos, grupo de filósofos que fez muito sucesso no primeiro século (você já deve ter notado até aqui que os teólogos não deixam os filósofos em paz). Calvino dizia, vejam só, que Adão e Eva pecaram porque Deus determinou por sua Providência que pescassem. Ao mesmo tempo insistia em afirmar que eles pecaram por sua própria culpa. É ou não uma teologia muito louca? 



Jones F. Mendonça

LUTERO E CALVINO NAS ONDAS DO HUMANISMO

1. Em 1509, enquanto Lutero conquistava seu diploma de bacharel em Bíblia pela Faculdade de Wittenberg, Erasmo de Roterdã - seu futuro desafeto - debochava do declínio moral do clero inspirado no sarcasmo de Luciano de Samósata, escritor latino do II século. Estava na moda ler os clássicos, que começaram a chegar fresquinhos do Oriente pelas traduções dos árabes muçulmanos. Calvino, por exemplo, chegou a publicar em 1532 um comentário sobre o “de Clementia”, de Sêneca, um filósofo estoico. Voltemos a Erasmo.

2. No texto irônico produzido por Erasmo, intitulado “O elogio da loucura”, o Papa da época (Júlio II) é barrado por São Pedro nas portas do céu e é tratado pelo apóstolo como “Júlio, o imperador que voltou do inferno”. Que ousadia, não! Uma das razões da recusa de Pedro era o gosto de Júlio pela espada, daí sua fala: “Batina de padre, mas armadura ensanguentada por baixo”. Para quem não sabe este Papa aparece no filme “Lutero” (2004, direção de Eric Till). Na cena ele surge todo imponente vestindo uma armadura. Lutero faz cara de quem viu e não gostou.

3. O Renascimento e o humanismo tiveram influência direta sobre a Reforma. Foi a partir dos trabalhos de Lourenzo Valla, um famoso humanista, que Lutero pôde elaborar críticas severas à tradição católica. Bem, mas embora tenha sido instruído a partir de uma formação humanista, nunca foi humanista. Enfim, surfou nas ondas do humanismo, mas não mergulhou em suas águas. Uma pena...

  

Jones F. Mendonça

A MORTE EM SEIS PERSONAGENS BÍBLICOS

1. Sete personagens bíblicos pedem sua própria morte em momentos de grande angústia: 1) Moisés sentindo-se impotente diante da fome do povo 2) Jeremias açoitado pelo sacerdote Pasur (20,14); 3) moribundo, diante de três amigos, após ter perdido tudo (3,3); 4) Elias, à sombra de uma árvore, perseguido pela rainha Jezabel (1Rs 19,4); 5) Tobias humilhado e cego (3,6); e 6) Matatias indignado pela profanação do Templo (1Mac 2,13).

2. O sétimo personagem pede a morte por uma razão bem estranha: “eu sabia que tu és um Deus de piedade e de ternura... é melhor para mim a morte do que a vida” (Jn 4,3). O tema principal de Jonas não é a Providência Divina, que move céus e mares para que seus planos se concretizem. É sobre um religioso, que se via como membro de um povo escolhido, e que não aceitava o perdão divino estendido aos "não eleitos".

 

Jones F. Mendonça

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

COLUNAS DO PERÍODO DO SEGUNDO TEMPLO DESENTERRADAS EM JERUSALÉM

Arqueólogos descobriram em Jerusalém os capiteis de uma construção do século VIII, tempo do reinado de Ezequias. A datação foi feita a partir do modelo arquitetônico proto-eólico das colunas. Até o momento permanece desconhecida a identidade do dono da propriedade e a razão que levou alguém a enterrar cuidadosamente os capiteis. Os motivos curvos esculpidos nas rochas representam uma tamareira, associada à "árvore da vida", símbolo comum no Antigo Oriente Próximo. Leia mais sobre a descoberta aqui. Caso esteja interessado nos capiteis, clique aqui

  

Jones F. Mendonça