quinta-feira, 10 de setembro de 2020

DIVAGAÇÕES

1. Em setembro de 1517 Lutero escrevia as pouco conhecidas 99 teses contra a escolástica. Suas principais críticas dirigiam-se a filosofia de Aristóteles, acolhida pela teologia do final da era medieval como fundamento da doutrina da Igreja. Os escolásticos giravam ao redor de Aristóteles como mariposas hipnotizadas pela luz. O tal do Aristóteles, caso nunca tenha ouvido falar dele, foi um filósofo do século IV a.C. Aliás, um baita de um filósofo. Lutero – debochado que era – tratava-o como “enganador de inteligências”. Duas eram as razões: 

2. A primeira: os teólogos escolásticos usavam a lógica de Aristóteles para expor os dogmas de fé da Igreja. A doutrina da trindade, esbravejava o monge indignado, não pode ser exposta nos termos da lógica. Lutero, neste ponto, era um fideísta, ou seja, via a lógica como uma mosca na sopa da teologia. Mas a implicância de Lutero não se dirigia apenas à lógica de Aristóteles. Sua teologia da depravação total entrava em choque direto com a ética de Aristóteles, tão na moda. Esta é a segunda razão. Explico. 

3. Embora não gostasse de Aristóteles, Lutero tinha muita afinidade com a filosofia de Platão, mestre de Aristóteles (Pois é, a filosofia sempre agiu como uma espécie de chiclete nos sapatos dos teólogos). Bem, Lutero propôs uma visão muito pessimista do ser humano, visto, em seu estado natural, como “cavalo de Satanás”. Os escolásticos, tão criticados por ele, vislumbravam uma antropologia mais otimista. Achavam que essa teologia de depravação total era um exagero, coisa meio mórbida, de mau gosto

4. Outro teólogo que não engoliu a filosofia aristotélica foi Nicolau de Cusa. Nicolau achava que a lógica de Aristóteles não subsistia em questões divinas. Não entendeu? Dou um exemplo: de acordo com a lógica de Aristóteles – que a gente ainda usa na escola – duas realidades contrárias não podem coincidir: “dia” não pode ser simultaneamente “noite”. Parece óbvio, não? Mas Nicolau dizia que Deus está cima de qualquer oposição e que, portanto, deve ser tratado como “coincidentia oppositorum” (coincidência dos opostos). Sim, esses caras “viajavam” muito. 

5. Mas doidão mesmo era Calvino. O teólogo tinha grande apreço pela ideia da Providência divina, coisa que, ao que parece, foi tomada dos estoicos, grupo de filósofos que fez muito sucesso no primeiro século (você já deve ter notado até aqui que os teólogos não deixam os filósofos em paz). Calvino dizia, vejam só, que Adão e Eva pecaram porque Deus determinou por sua Providência que pescassem. Ao mesmo tempo insistia em afirmar que eles pecaram por sua própria culpa. É ou não uma teologia muito louca? 



Jones F. Mendonça

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