sábado, 27 de julho de 2019

CAJADO FLORIDO E NEHUSHTAN: DOIS CONTOS ETIOLÓGICOS

O Dr. Raanan Eichler, em artigo publicado no The Torah, argumenta que o cajado florido de Aarão mencionado em Nm 20,20-25 (com “brotos”, “flores” e “amêndoas”) é na verdade uma Aserá, símbolo de uma divindade representada por uma árvore. Associações entre Aserá e Javé aparecem, por exemplo, em cacos de cerâmica (pithoi) encontrados em Kuntillet Ajrud, na Península do Sinai, datados para o século IX/VIII a.C.: “Javé de Samaria e Aserá”. “Javé de Teman e Aserá”.

O autor explica que as Aserás eram proibidas em textos deuteronomistas (Dt 7,15; 16,21), mas aceitos em textos sacerdotais como símbolo do sacerdócio aarônico. Aproximações de sentido entre a raiz hebraica da palavra “Aserá” (Álef, Sin, Resh) e a palavra “Bênção” (beyt, resh, khaf) seriam outros indícios. Os sacerdotes aarônicos são fontes de bênção (Nm 6,22-27), assim como nas inscrições nas quais Javé aparece ao lado de Aserá:

Bendito é Uriahu por Javé e Aserá”;
“Eu te abençoo por Javé de Samaria e Aserá”;
“Eu te abençoo por Javé de Teman e Aserá; Que ele te abençoe e te guarde”. 

As consoantes de “Aserá” tem um sentido muito próximo de “Bênção”, como no paralelismo do Salmo 72,17:

Nele sejam abençoadas (Beyt, resh, Khaf) as raças todas da terra,
e todas as nações o proclamem bem-aventurado! (Álef, Sin, Resh).  

Assim, o relato presente em Nm 20,20-25 (florescimento do cajado de Aarão) seria um conto etiológico sacerdotal usado para legitimar o sacerdócio aarônico e justificar a presença de um símbolo associado à idolatria.

A história seria uma contrapartida do relato não-sacerdotal da serpente de bronze (Nm 21,4-9), que é uma etiologia da serpente de cobre Nehushtan destruída por Ezequias (2Rs 18, 4), e que atribui os poderes de reavivamento desse objeto à vontade de Javé, conforme realizado por meio da autoridade exclusiva de Moisés.


Jones F. Mendonça

Um comentário:

  1. Nehushtan é minha dissertação de mestrado. Defendi - e defendo - que a serpente de bronze (um saraf) era a representação icônica das divindades serafim, que têm a função de proteger a santidade de Yahweh. Assim, em Isaías 6, enquanto há uma imagem de uma saraf (Nm 21,8) no templo em que Isaías entra, no "céu" (mundo dos deuses) se encontra a hipóstase teológica dessa imagem, os serafins.

    Saraf era considerada uma cobra alada (Is 30,6; 14,29).

    São 400 páginas. Não dá pra resumir tudo aqui...

    Saudades daquela dissertação.

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