As primeiras
linhas do Gênesis dizem que “No princípio Deus criou os céus e a terra”. O
verbo traduzido por “criou” neste verso é bara’.
Mas qual o seu significado? Ele realmente indica “criar do nada” (creatio ex nihilo), como insistem alguns
teólogos?
Além do
Gênesis, o verbo reaparece, por exemplo, no segundo livro de Samuel. Quando o
filho que Davi teve com Betsabeia adoeceu, o rei permaneceu prostrado e “não
comeu com eles” (2Sm 12,17). Por mais estranho que possa parecer, o verbo
traduzido por “comeu” neste verso é o mesmo de Gn 1,1: bara’. Está confuso?
Bem, o
sentido mais primitivo de bara’
é “cortar” ("cortar" também tem o sentido de "comer" em Is 9,20). Por desdobramento: “esculpir” (“cortando” a madeira, a pedra,
etc.), “criar”. O verbo também era utilizado para indicar o corte da gordura,
do alimento. Uma versão bem literal de 2Sm 12,17 seria algo como: “Davi não
cortou (o alimento) com eles”, ou seja, “não comeu”. Em nenhum texto do Antigo
Testamento bara’ é “criar do nada”. A
creatio ex nihilo não nasceu da exegese.
Há
muitas controvérsias a respeito da origem da doutrina da creatio ex nihilo: Obras deuterocanônicas (Sb 11,17; 2Mc 7,28), Fílon
de Alexandria, Irineu (Adversus Haeresis, II, 2,5; 10,4), Agostinho (Confissões,XII, 7),
etc. Talvez com exceção dos deuterocanônicos, todas surgem pela influência da
filosofia grega. No caso de Irineu, foi elaborada para combater cosmologias professadas
pelo dualismo gnóstico. Agostinho pretende distinguir o Criador da criatura: “Tu criaste o céu e a terra, não de ti mesmo, pois então eles seriam iguais ao teu unigênito [...] portanto, a partir do nada tu criaste o céu e a terra”.
Jones
F. Mendonça
Nenhum comentário:
Postar um comentário