quinta-feira, 4 de julho de 2019

O VERBO BARA' E A CREATIO EX NIHILO: DE MACABEUS A AGOSTINHO

As primeiras linhas do Gênesis dizem que “No princípio Deus criou os céus e a terra”. O verbo traduzido por “criou” neste verso é bara’. Mas qual o seu significado? Ele realmente indica “criar do nada” (creatio ex nihilo), como insistem alguns teólogos?

Além do Gênesis, o verbo reaparece, por exemplo, no segundo livro de Samuel. Quando o filho que Davi teve com Betsabeia adoeceu, o rei permaneceu prostrado e “não comeu com eles” (2Sm 12,17). Por mais estranho que possa parecer, o verbo traduzido por “comeu” neste verso é o mesmo de Gn 1,1: bara’. Está confuso?

Bem, o sentido mais primitivo de bara’ é “cortar” ("cortar" também tem o sentido de "comer" em Is 9,20). Por desdobramento: “esculpir” (“cortando” a madeira, a pedra, etc.), “criar”. O verbo também era utilizado para indicar o corte da gordura, do alimento. Uma versão bem literal de 2Sm 12,17 seria algo como: “Davi não cortou (o alimento) com eles”, ou seja, “não comeu”. Em nenhum texto do Antigo Testamento bara’ é “criar do nada”. A creatio ex nihilo não nasceu da exegese.

Há muitas controvérsias a respeito da origem da doutrina da creatio ex nihilo: Obras deuterocanônicas (Sb 11,17; 2Mc 7,28), Fílon de Alexandria, Irineu (Adversus Haeresis, II, 2,5; 10,4), Agostinho (Confissões,XII, 7), etc. Talvez com exceção dos deuterocanônicos, todas surgem pela influência da filosofia grega. No caso de Irineu, foi elaborada para combater cosmologias professadas pelo dualismo gnóstico. Agostinho pretende distinguir o Criador da criatura: “Tu criaste o céu e a terra, não de ti mesmo, pois então eles seriam iguais ao teu unigênito [...] portanto, a partir do nada tu criaste o céu e a terra”.


Jones F. Mendonça

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