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quinta-feira, 21 de agosto de 2025

O ÁGAPE COMO AMOR CARNAL EM CÂNTICO DOS CÂNTICOS


1. No Livro de Cântico dos Cânticos, capítulo 7, verso 6, lemos assim: “como és bela, como és formosa, que AMOR delicioso!”. E por que este amor é tão delicioso? Ora, por causa dos cachos, dos seios, do umbigo, do quadril, da boca que se derrama, “molhando-me lábios e dentes” (7,9). O texto fala de um amor “caliente”, claro. Muita gente vive repetindo por aí que na Bíblia esse tipo de amor é indicado pela palavra grega “eros”, que se diferencia de “ágape” (amor incondicional, divino) e de “fileo” (amor entre humanos, entre amigos). Mas isso está errado. Muito errado.

2. Veja que na versão grega do texto de Cântico dos Cânticos (chamada de Septuaginta), traduzida por judeus versados no idioma grego, a palavra “ágape” foi a escolhida para traduzir esse amor humano, carnal, entre homem e mulher: “ί ὡραιώθης καὶ τί ἡδύνθης, ἀγάπη, ἐν τρυφαῖς σου” (7,9). Sabe o que isso significa? Significa que uma diferenciação considerável entre “ágape” e “fileo” talvez tenha até existido entre os gregos antigos em alguma época específica, mas na Bíblia ela simplesmente inexiste. Inventaram essa classificação tripartida do amor.

3. Trata-se de uma ideia fixa, cristalizada, protegida por uma casca sólida, polida e preservada na mesma caixa em que se guardam os sonhos. Alguém poderá argumentar que o amor que se desenvolve entre os amantes em Cântico dos Cânticos é “ágape”, incondicional, divino, porque na verdade reflete o amor de Deus por Israel (é o que dizem os alegoristas). Se é assim, como explicar o uso de ágape em 1Rs 11,2, que declara com todas as letras que Salomão se ligou a muitas mulheres estrangeiras por “AMOR” (ágape!!!). Ora, o texto não deveria registrar “eros”?

4. Conclusão: na versão grega do Antigo Testamento a palavra “eros” jamais é usada, mesmo quando claramente indica amor carnal, mesmo quando enfatiza a atração pela derme nua, pelos beijos, pelos afagos ardentes. Por outro lado, “ágape” e “fileo” são empregadas de forma intercambiável, servindo para se referir ao amor da divindade pelos humanos, ao amor dos humanos pela divindade, ao amor dos homens pelas mulheres e até mesmo o amor de homens e mulheres pelas coisas mais vis.


Jones F. Mendonça

ÁGAPE E O TAL DO "AMOR INCONDICIONAL"


1. Há um mito sobre o significado da palavra grega “ágape” que se perpetua e que inclusive é repetido por linguistas e tradutores renomados, cujo nome terei o cuidado de não mencionar aqui. Eles repetem, sem qualquer cuidado, que “ágape”, na Bíblia, sempre indica o amor divino, incondicional, o amor de Jesus, etc. Mas isso não é verdade! No Novo Testamento “ágape” e “fileo” são empregados de forma intercambiável.

2. Um exemplo: “Pois Demas me abandonou por amor (ágape) ao mundo presente” (2Tm 4,10). Veja que “ágape”, aqui, não tem nada a ver com amor divino, incondicional, ou algo semelhante. Outro exemplo, desta vez expondo o emprego de “fileo” como amor divino: “pois o próprio Pai vos ama” (fileo, Jo 16,27). Por que não foi usado “ágape” aqui, se ele preserva – como dizem – o sentido de um “amor incondicional”?

3. Em Jo 5,20 lemos o seguinte: "ὁ γὰρ πατὴρ φιλεῖ τὸν υἱὸν", ou seja, "porque o pai ama [fileo] o filho". Os mitos ganham pernas, patins, turbinas… e correm na velocidade dos cometas.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 15 de julho de 2025

POR QUE HÁ TANTAS TRADUÇÕES DIFERENTES DA BÍBLIA?

1. É possível apresentar ao menos três razões para explicar as diferenças – por vezes gritantes – entre as versões da Bíblia disponíveis no mercado. A primeira delas aparece relacionada ao manuscrito utilizado como base para a tradução. Ao contrário do que muita gente imagina, as cópias do texto bíblico do AT e do NT, produzidas manualmente durante séculos, possuem muitas diferenças entre si, ocasionadas por diversas razões, tanto intencionais como não intencionais. É tarefa da Crítica Textual comparar essas cópias na tentativa de reconstruir aquele que seria o texto mais antigo. Este trabalho envolve uma série de complexidades que não cabem em um post do Facebook.

2. A segunda razão toca em uma questão que afeta qualquer tipo de tradução. As palavras de um determinado idioma não equivalem exatamente às palavras de outro idioma, exigindo do tradutor um exercício nem sempre fácil: escolher palavras do idioma de destino que melhor correspondam às palavras do idioma original. Esse exercício se torna ainda mais complexo quando o texto que está sendo traduzido foi redigido de forma poética (como os Salmos), ou estruturado em pequenas sentenças (como o Livro de Provérbios). Nem todos compreendem do mesmo modo as metáforas, os jogos de palavras, as sutilezas do idioma original. E é preciso acrescentar: sequer sabemos o significado de algumas palavras.

3. A terceira razão diz respeito ao método de tradução: equivalência formal ou equivalência dinâmica? Os tradutores que optam pelo método de equivalência formal se esforçam para manter a estrutura original do texto. Um exemplo: “vaidade das vaidades, diz o pregador...”. Neste caso, o tradutor buscou seguir exatamente a estrutura do texto hebraico: “havel havalim ‘amar qohélet”. As versões que adotam o método de equivalência dinâmica, entendendo que a repetição de uma mesma palavra, no singular e no plural (“havel havalim” = “vaidade das vaidades”), funciona como superlativo, optam por sintetizar a ideia de maneira mais simples. Isso explica a opção feita pela NVI: “Que grande inutilidade!”.

4. É interessante notar que o exemplo acima, tomado de Eclesiastes 1,2, exigiu do tradutor duas habilidades: 1) Escolher uma palavra em nosso idioma que melhor corresponde ao hebraico “havel”, que significa “névoa” (daí “vaidade”, do latim “vanus” = “vazio”, ou, como preferiu a NVI, “inutilidade”); 2) Escolher se mantém a estrutura original do texto (equivalência formal) ou se tenta capturar a ideia que o texto quer comunicar (equivalência dinâmica). Caso o texto de Eclesiastes em questão tivesse sido registrado de maneiras diferentes nos manuscritos disponíveis, ainda seria necessário decidir qual deles reproduz melhor o texto mais antigo. Veja como não é fácil o trabalho do tradutor.


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 14 de julho de 2025

AS OVELHAS GORDAS DE EZEQUIEL


1. O capítulo 34 do Livro do Profeta Ezequiel faz uma dura crítica aos “pastores” ( = a liderança de Judá), acusados de abandonar as “ovelhas” ( = o povo), dispersadas “por toda a terra” (34,6). Distantes da sua terra natal, essas “ovelhas” são retratadas como “abandonadas, feridas e fraturadas”, carentes do cuidado divino. Diante de tal abandono, Yahweh declara no v. 11: “certamente eu mesmo cuidarei do meu rebanho e o procurarei”.

2. O texto se torna confuso no v. 16, ao incluir um segundo grupo de ovelhas na profecia. Elas não são descritas como “abandonadas, feridas ou fraturadas”, mas como fortes e saudáveis. Um detalhe que causa dúvida nos tradutores é o seguinte: Essas ovelhas são objeto de juízo ou de salvação? Elas estão sendo “guardadas” ou “destruídas” por Yahweh? Compare você mesmo a tradução do mesmo verso na Bíblia de Jerusalém e na NVI:

“(A) Quanto à GORDA e VIGOROSA, (B) GUARDÁ-LA-EI” (BJ).
“(A’) a REBELDE e FORTE, eu a (B’) DESTRUIREI” (NVI).

3. Há dois contrastes visíveis entre essas duas traduções. Na BJ a ovelha é “gorda”; na NVI é “rebelde. Na BJ ela será “guardada”; na VNI ela será “destruída”. Quanta diferença! Pessoalmente não tenho dúvidas de que a tradução de “shamen” (שמן) por “gorda” é a mais acertada. Ponto para a BJ. Mas não acho que essas ovelhas serão “guardadas” como sugere a BJ. A NVI está correta, elas serão “destruídas”. Qual a razão disso?

4. Inicialmente é preciso dizer que tradução grega registra “guardar” (φυλασσω) e a versão hebraica “destruir” (שמד), daí a diferença*. Os tradutores da BJ tomaram como certa a versão grega, conhecida como Septuaginta. Guarde isso. Prossigamos. Note o leitor que os vv. 17 a 22 falam a respeito do julgamento das ovelhas, que serão punidas juntamente com os pastores. Mas por que as ovelhas “gordas e vigorosas” seriam punidas?

5. Isso ainda não está muito claro para mim. Talvez indique um grupo de pessoas ricas que permaneceu na terra após a destruição de Jerusalém em 587 a.C. Assim, eles apareceriam em oposição às ovelhas “abandonadas, feridas e fraturadas” do exílio. Esta oposição também aparece registrada no Livro do Profeta Jeremias, que opõe os “figos bons” (judeus do exílio) aos figos “podres” (judeus que permaneceram na terra ou fugiram para o Egito).

* As palavras hebraicas "destruir" e "guardar" são parecidas no hebraico: shamar (שמר) = guardar; shamad (שמד) = destruir. Os tradutores da BJ supõem que a versão grega preservou o sentido correto do texto: "guardar".


Jones F. Mendonça

terça-feira, 10 de junho de 2025

LUCAS E O POBRE

1. Logo na abertura do Evangelho de Lucas o leitor é informado a respeito do nome do destinatário do texto: “excelentíssimo Teófilo” (1,3). A palavra grega traduzida por “excelentíssimo” é o superlativo de “κρατος” (kratos), que significa “poderoso”. Assim, esse tal Teófilo, seja quem for, é alguém “poderosíssimo”, ou, como dizemos hoje, “excelentíssimo” ou “ilustre”. Em suma: uma pessoa importante. Só recebem este tratamento no Novo Testamento o governador Félix e seu sucessor, Festo (At 23,26; 24,3; 26,25).

2. “Lucas” escreve para Teófilo, o “excelentíssimo”, com objetivos claros: “narrar os fatos que se cumpriram entre nós [os seguidores do Crucificado], desde o princípio”, “de modo ordenado”, “após acurada investigação” (Lc 1,1-3). O autor do texto acrescenta que a composição do relato foi feita com a ajuda de “testemunhas oculares e ministros da palavra”. Assim, este autor – que não sabemos sequer se é Lucas, “o médico” de Col 4,14 – indica que pretende contar a Teófilo a história de Jesus, tal como havia recebido de outras pessoas.

3. Em “Lucas” Jesus é o defensor dos humildes, dos famintos, constantemente oprimidos pelos “homens de coração orgulhoso”, pelos “ricos” (Lc 1,51-53). Em "Lucas" Jesus veio “evangelizar os pobres” e “libertar os oprimidos” (4,18). Em “Lucas” são “bem-aventurados os pobres” e malditos os “ricos” (6,20.24). Em “Lucas” o pobre “coberto de úlceras”, que se alimenta da mesa do rico, é conduzido ao “seio de Abraão” e o rico às chamas (16,19-26). Lucas apresenta um reino de ponta a cabeça. Segue uma tradição antiga, expressa na oração de Ana:

“Os que viviam na fartura se empregam por comida,
e os que tinham fome não precisam trabalhar.
A mulher estéril dá à luz sete vezes,
e a mãe de muitos filhos se exaure”

"É Iahweh quem empobrece e enriquece,
quem humilha e quem exalta"

"Levanta do pó o fraco
e do monturo o indigente" ( 1Sm 2,5.7.8 ).



Jones F. Mendonça

terça-feira, 13 de maio de 2025

CONEXÕES ENTRE O JARDIM E O APRISCO NO EVANGELHO DE JOÃO


1. O ambiente que compõe o cenário da prisão de Jesus, tal como registrado no capítulo 18 do evangelho de João, é um jardim localizado no Monte das Oliveiras. De acordo com o evangelista, Jesus entra nele com seus discípulos e logo é assaltado por um destacamento de guardas armados, conduzidos por Judas (18,3). Jesus não foge deles. Pelo contrário, ele os enfrenta, revela sua identidade e pede para que não importunem seus discípulos (18,8). Pedro tenta reagir violentamente contra os algozes, mas Jesus o detém. A razão alegada: "deixarei eu de beber o cálice que o Pai me deu?" (18,11).

2. James Resseguie percebeu uma notável semelhança entre o que acontece em Jo 18 e a parábola preservada no capítulo 10 de João. Na parábola Jesus se coloca com o “bom pastor”, como aquele que “enfrenta o lobo” (10,12), como aquele que “dá a vida por suas ovelhas” (10,11). Não é, portanto, como o “ladrão”, o “assaltante”, o “mercenário” (10,1; 10,12). O ladrão – ele enfatiza – veio para “roubar, matar e destruir” (10,10). Seu objetivo é assaltar as ovelhas e dispersá-las (10,12). Não se importa com elas.

3. James Resseguie supõe que o jardim de Jo 18 está de alguma maneira conectado ao aprisco de Jo 10. No jardim, acompanhado de seus discípulos, Jesus “enfrenta os lobos”, os “ladrões”, os “mercenários”. Não foge, não se acovarda, não permite que suas ovelhas sejam feridas, devoradas, dispersadas. Judas, os fariseus e os guardas desejam entrar pela “porta do jardim”, mas são detidos por Jesus, que avança para proteger suas ovelhas. O jardim de Jo 18 funciona como um aprisco. Jesus é o bom pastor, seus discípulos as ovelhas, Judas o líder dos lobos-ladrões-mercenários (Judas é chamado de “ladrão” – κλεπτης – em 12,6).

4. A leitura desatenta de Jo 10 converteu o “ladrão”, o “mercenário”, o “lobo”, ou seja, aquele que “veio para roubar, matar e destruir”, em “diabo”. Mas não se trata disso. O texto na verdade fala de “falsos pastores”, de líderes que “apascentam a si mesmos” (Ez 34,8), que abandonam suas ovelhas em “dias de nuvem e de escuridão” (Ez 34,12). O episódio narrado em Jo 18 está conectado a Jo 10, que por sua vez se conecta a Ez 34. A Bíblia, em sua forma final, acabada, canonizada, é o resultado de um processo contínuo de leitura, releitura e ressignificação.

5. Quem estiver interessado neste tipo análise textual deve se debruçar sobre os trabalhos de James Resseguie (NT), Robert Alter (AT) e tantos outros dedicados à chamada “leitura atenta”, “narratologia”, “interpretação bíblica formalista” ou “neocrítica”.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 1 de maio de 2025

PRECISAMOS FALAR SOBRE O TAMANHO DE GOLIAS


1. Eu poderia citar ao menos duas tretas envolvendo o embate entre Davi e Golias tal como preservado no livro bíblico de I Samuel. A primeira diz respeito ao tamanho do “gigante” filisteu. A versão da história contada em hebraico registra o seguinte: Golias tinha a altura de “seis côvados e um zeret (זרת)” (1Sm 17,4). Bem, ninguém tem certeza sobre o significado de “zeret”, mas sabemos que o termo foi traduzido por “palmo” (σπιθαμης) nas versões gregas do texto hebraico. Se isto for certo, Golias teria “seis côvados e um palmo”. Fazendo as contas: 6 côvados de 45cm + 1 palmo de 23cm = 2,93 metros (*).

2. Acontece que na versão grega do texto hebraico, conhecida como Septuaginta ou LXX, a altura de Golias foi registrada de maneira diferente. Golias teria “quatro” (τεσσαρων) côvados e um palmo e não “seis” côvados e um palmo. Somando os quatro côvados de 45 centímetros + um palmo de 23cm = aproximadamente 2 metros (cerca de 1/3 menor que na versão hebraica). Caso você leia com atenção, vai perceber que em nenhum lugar o texto trata Golias como “gigante”. Apenas enfatiza que ele era forte e extremamente hábil na arte da guerra.

3. Bem, esta é a primeira treta. Quer saber qual é a segunda? Essa eu não conto. Mas se você quiser ler uma obra crítica sobre as narrativas bíblicas relacionadas a Davi, eu sugiro “Davi: a vida real de um herói bíblico” (Zahar, 2016), escrito por Joel Baden, professor de Yale e especialista no Antigo Testamento. Baden adora uma treta. Eu, não... 

(*) Palmo (σπιθαμης) , em textos gregos, indicava a distância entre o polegar e o dedo mínimo da mão quando estendidos, cerca de 23 cm de envergadura. O côvado era a distância entre o cotovelo e a ponta do dedo médio, aproximadamente 45 cm.


Jones F. Mendonça

sábado, 18 de março de 2023

DOS NOMES


1. Não é difícil encontrar gente dizendo que "nome não se traduz". Assim, argumentam que nomes bíblicos como Abraão, Moisés e Jacó devem ser pronunciados como no hebraico: Avraham, Mosheh e Ya'aqov. Jesus – dizem os mais puristas – deve ser tratado como Yeshua ou Yehoshua. Que canseira...

2. Ocorre que alguns judeus do primeiro século não pareciam ver problemas em ajustar seus nomes à cultura na qual estavam inseridos. O nome judaico de Paulo, por exemplo, é Shaul (Saul; שאול). No mundo grego ficou conhecido como Saulos (σαυλος) e no mundo latino como Paulos (παυλος).

3. Tiago é outro exemplo. Na carta que leva seu nome, o personagem é tratado como Iakobos (Ιακωβος). Mas Iakobos é versão grega do hebraico Ya'aqov (Jacó; יעקב). Na Espanha ficou conhecido como Saint Iago, daí Santiago. Nosso "João" era Yohanan (יוחנן) em hebraico e Iohannes (Ιοαννης) em grego.

4. Na boca do povo os nomes são como foca ensaboada e manteiga escorrendo pelos dedos.


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

ÁGAPE E FILEO NO EVANGELHO DE JOÃO

1. Não poucos manuais de teologia e comentários bíblicos sugerem que o grego do Novo Testamento distingue dois tipos de amores: fileo e ágape. Fileo serviria para indicar o amor entre amigos ou entre irmãos; ágape para sinalizar expressões de amor incondicional, como o amor divino. Mas será que essa hipótese se sustenta?

2. Com a ajuda de um software simples e gratuito como a e-Sword é possível rastrear todas as ocorrências desses dois verbos nos Evangelhos. Em Jo 16,27, por exemplo, lemos assim: “o próprio Pai vos AMA, porque me AMASTES e crestes que vim de Deus”. A palavra grega traduzida por AMA e AMASTES é fileo, não ágape.

3. Repare que neste caso, tanto o amor divino dirigido aos humanos como o amor dos humanos dirigidos a Jesus são indicados pelo verbo fileo. Na verdade, agape e fileo eram usados de forma intercambiável e podiam significar a mesmíssima coisa: AMOR (entre Deus e humanos, entre humanos e Deus, entre humanos e humanos).


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 28 de maio de 2021

FÍLON E A MAMADEIRA FÁLICA

1. Fílon foi um sábio judeu que viveu no primeiro século antes da era cristã, em Alexandria, no Egito. O judaísmo professado por Fílon era fortemente influenciado pela filosofia grega e, de maneira geral, pela cultura dos gregos.

2. Em “Leis III, 31”, Fílon trata, dentre outras coisas, a respeito do comportamento das mulheres em público. Ele diz, por exemplo, que uma mulher jamais deve se meter em uma briga na qual se envolveu seu marido.

3. A razão é a seguinte: imagine – ele diz – que coisa chocante seria, se essa mulher, ao tentar separar os corpos que brigam, agarrasse no órgão genital de um dos homens. Sim, é isto mesmo o que você leu.

4. Quem quiser entender essa obsessão por mamadeiras fálicas, por torres fálicas da Fiocruz, deve começar a cavar por aqui...

Leia "Leis Especiais" de Fílon aqui (e divirta-se):


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

O TROPEÇO E O ESCÂNDALO EM MATEUS 18

O capítulo 18 de Mateus, no verso 7, parte b, diz assim: “ai do homem pelo qual o ESCÂNDALO vem”. Embora o termo grego traduzido por “escândalo” seja “skandalon”, do qual vem nossa palavra portuguesa, seu sentido original não é este. O verbo “Skandalizo” significa “fazer tropeçar”, “colocar um obstáculo/armadilha”, “induzir ao erro”, etc. É por isso que algumas versões traduzem (corretamente) o verso assim: “mas ai do homem por quem o TROPEÇO vier!”.

O termo reaparece, por exemplo, em Ap 2,14. O texto diz que Balaão “ensinava Balac a lançar um skandalon aos filhos de Israel”. O erro de Balaão, segundo o texto, era criar armadilhas, pedras de tropeço, nas quais os filhos de Israel poderiam cair. Mt 18,7 está condenando pessoas que fazem as crianças "tropeçarem" (conf. v. 6) e não as pessoas que causam escândalos na igreja. O discurso religioso, tão preocupado com a manutenção dos costumes, acabou distorcendo o sentido original do texto.

Em Mt 18,8-9 temos mais um exemplo. O verso que – segundo dizem, fez Orígenes amputar seu pênis – diz assim: “se tua mão ou teu pé te fazem TROPEÇAR (skandalizo), corta-o e lança-o fora...”. Embora a Bíblia de Jerusalém insista em traduzir Se a tua mão ou o teu pé te escandalizam”, o sentido aqui diz respeito à mão ou ao pé que conduzem ao erro, ou seja, que fazem tropeçar. É verdade que um escândalo pode fazer pessoas tropeçarem, mas nem todo o tropeço é um escândalo. Sejamos honestos com o texto.

Jones F. Mendonça

quinta-feira, 11 de julho de 2019

OCORRÊNCIAS DE “ÁGAPE” NA LITERATURA GREGA ANTIGA

Caso você precise descobrir a quantidade de ocorrências de uma palavra grega antiga (como “ágape”) em obras escritas nesse idioma (como em Platão, Aristóteles, Clemente de Alexandria, etc.), basta acessar o Perseus Digital Library.

Passo 1) Insira a palavra grega (“ágape” deve ser grafada como “aga/ph”, conforme tabela) e depois clique em “go” (ou “vai”, caso esteja utilizando o tradutor do Google).

Passo 2) Na tela aparecerão algumas tabelas com informações sobre a palavra buscada (verbo, substantivo, etc.).

Passo 3) Clique em “word frequency statistics” e pronto: uma tabela com a quantidade de ocorrências da palavra e o nome das obras nas quais aparecem será exibida.

“Ágape” ocorre mais no Novo Testamento e em obras cristãs (como em Clemente de Alexandria). O site também disponibiliza os textos nas quais a palavra aparece em grego em em outros idiomas, como o inglês. 



Jones F. Mendonça

terça-feira, 11 de junho de 2019

ABBA NÃO É “PAIZINHO”, ÁGAPE NÃO É “AMOR INCONDICIONAL” E KAIRÓS NÃO É O “TEMPO DE DEUS”

1. Investigo a origem de interpretações equivocadas do texto bíblico do Novo Testamento. A ideia tão difundida de que o aramaico “abba” significa “paizinho” (Mc 14,36) vem de um livro do renomado e competente teólogo alemão Joachim Jeremias (The prayers of Jesus, 1967). Sua tese foi derrubada por James Barr num artigo publicado em 1988 (“Abba isn’t Daddy”). Aliás, o próprio Jeremias reconheceu seu erro numa edição posterior de sua Teologia do Novo Testamento (Devo essa ao Lucas Fernandes). “Abba” significa simplesmente “pai” como o hebraico “ab”.

2. Apesar do NT não dar um sentido diferenciado ao termo grego “ágape” (amor), não faltam publicações teológicas argumentando que ágape significa, no NT, “amor de Deus” ou “amor incondicional”. A origem dessa confusão talvez venha de outro teólogo alemão: Paul Tillich. Em sua teologia sistemática, Tillich discorreu sobre os diferentes tipos de amor existentes no pensamento grego (ágape, fileo, eros, storge). Meu palpite é o seguinte: leitores apressados talvez tenham atribuído ao “ágape” do NT o mesmo sentido que Tillich quis dar em sua teologia sistemática.

3. Um terceiro grande equívoco ocorre em relação ao termo grego “kairós”. Não faltam citações e sermões que atribuem ao termo um significado que ele jamais teve no NT. O que se diz é: “’chronos’” é o tempo cronológico e ‘kairós’ é o tempo da salvação, tempo de Deus”. Mas a tese não resiste a um exame cuidadoso. É falsa. Oscar Cullmann, em seu “Cristo e o tempo” (1946) refletiu sobre o tempo a partir da obra salvífica de Cristo, dando especial destaque ao termo “kairós” (“chronos” e “aiôn” ganham pouco espaço). Ele jamais definiu “kairós” como “tempo de Deus”, mas sua ênfase na ação divina no “kairós” (tempo) talvez tenha dado origem ao equívoco.



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 3 de abril de 2019

SOBRE O NOME "JOÃO"

De acordo com o evangelho de Lucas, Elisabeth deu a seu filho o nome “João”, mesmo não sendo um nome comum na família (Lc 1,60). “João” é forma portuguesa do grego “Ioannes” (tal como aparece no NT), que por sua vez deriva do hebraico Iohanan, junção de “Io” ou “Yo”(forma abreviada do nome divino) + hanan (gracioso) = “Deus é gracioso” (ver Jr 40,13). Maria, em Lc 1,30, é tratada como “aquela que encontrou graça diante de Deus”. João carrega em seu nome a mesma graça que recaiu sobre a mãe de Jesus.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 12 de março de 2019

COMO "ELISABET" CONVERTEU-SE EM "ISABEL"

Embora o nome da mãe de João Batista seja grafado como ISABEL nas Bíblias em português (Lc 1,7), seu nome em grego é ELISABET. Mas por que o nome foi mudado?

Bem, Elisabet é a forma grega do hebraico Elishebá' (esposa de Arão – Ex 6,23 - significa "meu Deus jurou"). O nome é formado a partir da junção de um substantivo próprio, um pronome possessivo e um verbo. Veja:

El="Deus"
i=sufixo pronominal "meu".
Shebá'="jurou"

Por por algum motivo o substantivo "El" (Deus) foi para o final da palavra. Assim, ELishebá’ converteu-se em IshebaEL (aproximando-se foneticamente de Isabel). 

Não tenho a mínima ideia da razão que provocou a mudança na posição do “El” em nosso idioma. O nome aparece grafado corretamente nas versões inglesa e latina:

“And they had no child, because that ELISABETH...”(KJV).
“et non erat illis filius eo quod esset ELISABETH...”(Vulgata).


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 11 de março de 2019

"ÁGAPE" NÃO É "AMOR INCONDICIONAL"

Alguém inventou que o substantivo grego “ágape” e o verbo “agapao” expressam um tipo de amor singular, incondicional. A coisa vem sendo repetida ao longo dos anos de forma sistemática. A verdade é que o termo ganha sentidos diferentes tanto no Novo Testamento quanto na literatura grega secular. Um exemplo do uso do verbo "agapao" com sentido de apego às coisas terrenas aparece em 1Tm 4,10: “pois Demas, amando (agapao) este mundo, abandonou-me e foi para Tessalônica”. Neste verso, “agapao” não expressa nem um amor divino nem um amor incondicional. Cai o mito.



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 14 de maio de 2018

JOÃO BATISTA, GAFANHOTOS E MEL

Embora o Levítico permita o consumo de gafanhotos (Lv 11,22), há quem ache estranha a dieta de João Batista tal como consta em Mc 1,6: “João... alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre”. Isso porque os ascetas praticavam um estilo de vida estritamente vegetariano. James Tabor sugere “bolo e mel” ao invés de “gafanhoto e mel”. A resposta estaria num costume ebionita (cristãos judaizantes) citado por um cristão do século IV e na semelhança gráfica entre os nomes dos dois alimentos no idioma grego.

Confira o texto completo no Tabor Blog.



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 12 de março de 2018

SOBRE "EROS", "ÁGAPE", "PHILEO" E FIRULAS

Ora, se “ágape” é empregado no NT para expressar o amor mais elevado, incondicional, como muitos insistem, como explicar o uso da palavra neste lamento de Paulo: “Pois Demas me abandonou por amor (ágape) ao mundo presente” (2Tm 4,10). O termo correto não deveria ser “eros”, supostamente - como dizem - “amor egoísta, carnal”?

E se o NT, de fato, faz distinção entre “ágape” (amor incondicional, divino) e “fileo” (amor fraternal, de amigo), como explicar o uso de “fileo” aqui: “pois o próprio Pai vos ama (fileo, Jo 16,27). É verdade que há preferência pelo “ágape” nas relações entre o humano e o divino no NT, mas na prática, “ágape” e “fileo” são intercambiáveis, como no diálogo entre Pedro e Jesus em Jo 21,15-17.

Não há ocorrência do “eros” no NT. Mas a demonização do termo só aparece nos textos dos primeiros padres (nas palavras de Nietzsche, o cristianismo “envenenou o eros”.). Veja o que diz Santo Inácio, por exemplo: “O meu amor (eros) foi crucificado e não há em mim fogo de paixão. [...] Não me atraem o alimento de corrupção e os prazeres desta vida” (Carta aos Romanos, 7,2). Ratzinger acata em parte a crítica nietzschiana em sua “Carta Encíclica Deus Caritas Est”.

Um exercício simples, mas muito útil para desmascarar equívocos cristalizados pela repetição: escolha uma palavra (grega ou hebraica) e localize todas as suas ocorrências no texto bíblico. O contexto vai denunciar a farsa. Não confie em dicionários.


Jones F. Mendonça

quinta-feira, 5 de maio de 2016

BÍBLIA ELETRÔNICA GRATUITA NOS IDIOMAS ORIGINAIS [E-SWORD]

Interessados em uma Bíblia eletrônica GRATUITA (PC/Windows), em português, incluindo o texto hebraico (AT), grego (NT), dicionário de grego e hebraico, mapas, ferramenta de busca de palavras e diversas outras funções, certamente vão gostar de conhecer a e-Sword:

1. Você pode baixá-la aqui:
2. Instale o programa no seu micro (verifique se funciona e feche-o em seguida);
3. Baixe as ferramentas clicando aqui:
4. Cole todos os arquivos baixados na seguinte pasta do seu micro: C:/arquivo de programas/e-Sword.
5. Reabra a e-Sword e coloque sua barra de ferramentas em português (ou outro idioma de sua escolha) clicando em “options” > “language” > “portuguese”. Deu tudo certo? Então sua e-Sword está pronta para uso.

6. Últimas explicações: as Bíblias devem ser selecionadas nas abas superiores (NVI, BHS - hebraica, GNT-grego, NTLH, etc.). Nas abas inferiores estão os dicionários (Strong, VINE, Ravasi, etc.). À esquerda estão os livros bíblicos (inclui os deuterocanônicos). Todas as Bíblias das abas superiores com o símbolo do “+” (como “BJFA+”), incluem “número de strong” nas palavras do texto. Ao clicar nele o significado da palavra (grego ou hebraico ou latim) aparece no dicionário que fica na barra de abas inferiores. A imagem mostra o texto de Ecl 1,2 (português e hebraico) em paralelo. O código da palavra hebraica (H1892) foi clicado, por isso seu significado aparece no “Strong-PT” numa das abas inferiores.

De todas as Bíblias eletrônicas gratuitas, esta é sem dúvida a melhor.  




Jones F. Mendonça

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

JESUS FALAVA GREGO?

Boa parte dos estudiosos aceita o aramaico (língua aparentada com o hebraico) como sendo o idioma falado por Jesus. Mas para G. Scott Gleaves, professor na Universidade Faulkner, Alabama, a língua mais falada e escrita na Palestina do primeiro século era o grego: 
Ao contrário dos estudos atuais, acho que o grego era mais amplamente utilizado, tanto na forma escrita como oral, por Jesus, seus discípulos e os judeus que habitavam Palestina do primeiro século.
 Aos interessados no tema, leiam aqui:



Jones F. Mendonça