1. Uma perspectiva de leitura [sincrônica] interessante do Gênesis é focar na questão do solo, da adamah (אדמה), que é apresentado inicialmente como ideal e, depois, cada vez mais corrompido. Repare que do solo brotam vegetais (2,9), animais (2,19) e também o homem, o adam (2,7), nome que não por acaso preserva afinidade com o adamah, o solo. Guarde isso e vamos prosseguir.
2. A decisão de comer o fruto proibido gera uma série de consequências, inclusive no solo. Ele se torna menos fértil, dificultando o trabalho de tirar dele o seu fruto (3,17). O solo também se converte em sepulcro do homem: “Pois tu és pó e ao pó tornarás” (3,19). Expulso do jardim irrigado, o homem recebe a dura tarefa de arar o solo (3,23). A mensagem é clara: o solo, fonte de vida, também sofre as consequências da iniquidade.
3. No capítulo quatro o leitor é apresentado a Caim, um “trabalhador do solo” (4,2). Acontece que Caim mata seu irmão e por isso sofre uma pena que mais uma vez está relacionada ao solo: “Ouço o sangue de teu irmão, do solo, clamar para mim, agora, és maldito e expulso do solo fértil” (4,10-11). Para Adão, o solo resiste, mas ainda é arável. Para Caim, o solo se torna completamente inacessível.
4. Impossibilitado de tirar do solo seu sustento, Caim precisou encontrar outra maneira de sobreviver. O texto diz que seu filho tornou-se um construtor de cidades (4,17). Outros de seus descendentes passaram a viver da criação de gado (4,20) e outros se tornaram ferreiros, como Tubalcaim (4,22). O leitor atento percebe nas entrelinhas que cidade é apresentada como lugar hostil.
6. O aumento da iniquidade ganha uma dimensão jamais vista no tempo de Noé, único homem considerado justo em sua geração. A terra é assolada por um dilúvio e assim que as águas baixam Noé constrói um altar e oferece a Yahweh um sacrifício (8,20), que é aceito com boa vontade. Então Yahweh diz a si mesmo: “Eu não amaldiçoarei nunca mais o solo por causa do homem” (8,21).
7. No capítulo doze um novo personagem ganha destaque: Abrão. A palavra divina dirigida a Abrão não apenas reafirma o compromisso de jamais amaldiçoar o solo. Há uma bênção para os "clãs do solo". Veja: “Abençoarei os que te abençoarem, amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Por ti serão benditos todos os clãs do solo” (12,3). Será por meio dessa aliança que o solo voltará a ser fonte de bênçãos, fonte de vida.
Jones F. Mendonça