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sábado, 3 de outubro de 2015

JESUS EM CINCO FASES (FASE III)

Falei aqui e aqui a respeito da primeira e da segunda fase da pesquisa sobre o Jesus histórico a partir da proposta de Gerd Theissen (a pronúncia é "Guertáissen"), que divide a pesquisa em cinco fases (“O Jesus histórico, um manual”, Loyola, 2004, 651 páginas). No post de hoje falarei um pouco sobre a terceira fase.

O otimismo em reconstruir a personalidade legitimadora de Jesus e de sua história, marca da segunda fase, deu lugar ao que Theissen chama de “colapso da pesquisa sobre a vida de Jesus” (p. 24). O autor apresenta três estudiosos que contribuíram para o fim desse otimismo:

1. Albert Schweitzer (1875-1965), teólogo e médico que deu nome a um conhecido hospital no Rio de Janeiro, desvelou o “caráter projetivo das imagens das vidas de Jesus”, demonstrando que cada imagem do Jesus da teologia liberal revelava não sua face genuína, mas um ideal ético considerado mais digno de almejar (leia aqui a obra "The quest of historical Jesus", escrita por Schweitzer).

2. Wilhelm Wrede (1856-1906), em sua obra “O segredo messiânico e o Evangelho de Marcos” (1901), apontou o caráter tendencioso das fontes mais antigas existentes sobre a vida de Jesus. Para ele o Evangelho de Marcos seria expressão da dogmática da comunidade pós-pascal projetada sobre a vida intrinsecamente não-messiânica de Jesus (as fontes teriam interesse teológico e catequético). O “segredo messiânico” (cf. 1,34; 1,44; 3,12; 5,43; 7,36; 8,26) seria um recurso literário de Marcos com o objetivo de explicar à comunidade cristã primitiva por que Jesus só foi reconhecido como messias após sua crucificação. Com isso desaba a confiança na possibilidade de distinguir a partir de duas fontes entre a história de Jesus e a imagem do Cristo pós-pascal (leia uma crítica à teoria de Wrede aqui).

3. Karl Ludwig Schmidt (1891-1956) demonstrou o “caráter fragmentário dos evangelhos” ao argumentar que a tradição de Jesus consiste em “pequenas unidades” e que o quadro cronológico e geográfico “da história de Jesus” foi criado secundariamente pelo evangelista Marcos. Dessa forma a busca pela reconstrução da personalidade de Jesus a partir da sequência das perícopes revelou-se impossível. Mesmo as pequenas unidades, apontava a história das formas, são determinadas primariamente por necessidades da comunidade e apenas em segundo plano por recordações históricas.

Uma solução para o pessimismo quanto à possiblidade de reconstruir a figura de Jesus, sem que isso comprometesse os dogmas de fé centrais do cristianismo, foi apresentado por Rudolf Bultmann (1884-1976). Na opinião de Bultmann, mais importante exegeta da teologia dialética, o fator decisivo não era o que Jesus havia feito e dito, mas o que Deus tinha feito e dito na cruz e na ressurreição. A mensagem dessa ação de Deus, o “querigma” neotestamentário, não tem por objeto o Jesus histórico, mas o “Cristo querigmático”, ou seja, o Cristo anunciado pela igreja cristã primitiva.   



Jones F. Mendonça

sexta-feira, 5 de junho de 2015

JESUS EM CINCO FASES (FASE II)

Como prometido aqui, continuo postando um resumo da obra “O Jesus histórico, um manual”, de Gerd Theissen (Loyola, 2004, 651 páginas). A ideia é fazer um resumo acrescentando informações de outras obras e links que facilitem a assimilação do assunto. No primeiro post dei destaque ao que Theissen considera como “primeira fase na pesquisa sobre a vida de Jesus” (Reimarus e Strauss). No post de hoje volto-me para a “segunda fase” (Heinrich Julius Holtzmann, 1832-1910), caracterizada pelo “otimismo da pesquisa liberal sobre a vida de Jesus”:

Sob o impulso do florescimento do liberalismo teológico, cuja base metodológica é a exploração crítico literária das fontes mais antigas sobre Jesus (fontes = documentos escritos que serviram de base para a redação dos evangelhos), Holtzmann contribuiu para tornar duradoura a teoria das duas fontes (desenvolvida por Wilke e Weisse). Mas o que diz a “teoria das duas fontes"? Bem, para os defensores dessa teoria, duas foram as fontes escritas usadas como base na redação de Mt e Lc: Fonte 1) evangelho de Marcos (o mais antigo dos sinóticos); Fonte 2) documento hipotético, conhecido por Mt e Lc (com toda a certeza não por Marcos) do qual não sobreviveu nenhuma cópia, chamada de Quelle (palavra alemã para “fonte”), representada pela letra Q.

Não entendeu? Vou explicar melhor. Entre os anos de 30-60 teriam se cristalizado pequenas coleções de sentenças de Jesus e suas atividades, sobretudo milagres. Este material (fonte Q) está presente em Mt e Lc, mas não em Marcos. Por volta de 65-70 Marcos, desconhecedor de Q,  teria redigido uma tradição narrativa sobre Jesus, dando origem ao primeiro evangelho. Por volta de 80, depois da destruição do Templo, Mt e Lc teriam escrito seus evangelhos, independentemente um do outro, usando tanto Marcos como Q. Numa ordem cronológica:

1. Entre 30-60: surgimento de pequenas coleções de ditos = Quelle (Q) ou Logienquelle (fonte dos ditos);

2. Entre 65-70: surgimento do evangelho de Marcos;

3. Por volta de 80: nascimento dos evangelhos de Mt e Lc (inspirados em Mc e Q).

Do evangelho de Marcos Holtzmann retirou o esboço da vida de Jesus, lendo nele uma evolução biográfica com o ponto crucial em Mc 8: na Galileia formou-se a consciência messiânica de Jesus, em Cesareia de Felipe ele se revelou aos discípulos como Messias. Ao quadro biográfico derivado de Marcos Holtzmann adicionou as “palavras autênticas” de Jesus tomadas de Q.

Com essa base metodológica os liberais esperavam reconstruir a personalidade legitimadora de Jesus e de sua história. Mas na virada do século XIX para o XX esse otimismo entrará em colapso. 

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Jones F. Mendonça

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

JESUS EM CINCO FASES

Leio pacientemente “O Jesus histórico, um manual”, de Gerd Theissen (Loyola, 2004, 651 páginas). Passarei a postar a partir de hoje um pequeno resumo, sempre acrescentando informações tomadas de outras obras. Quando possível, um link conduzindo o leitor a um texto clássico será inserido. Como o professor de Heidelberg distingue cinco fases na pesquisa sobre a vida de Jesus, seguirei sua metodologia:

Primeira fase: Herman Samuel Reimarus (1694-1768) e Daniel Friedrich Strauss (1808-1874).

Reimarus foi o primeiro a fazer distinção entre o que Jesus disse e ensinou e a pregação dos seus seguidores expressa nos evangelhos e demais escritos neotestamentários: “Considero uma grande causa separar totalmente o que os apóstolos apresentam em seus escritos daquilo que Jesus de fato disse e ensinou em sua vida”. Para Reimarus, o centro da pregação de Jesus está na iminência do reino dos Céus (que é terreno) e no consequente chamado à penitência. Jesus seria então uma figura judaica profético-apocalíptica, e o cristianismo uma invenção dos apóstolos, que teriam roubado o corpo do Nazareno e inventado a ressurreição para dissimular o malogro do mestre (teoria da fraude objetiva).  Os escritos de Reimarus foram publicados após sua morte por iniciativa de Gotthold Ephaim Lessing (Fragmentos anônimos, 1774-79).

A polêmica teoria da fraude objetiva foi abandonada por Strauss, que interpretou a ressurreição como um processo inconsciente de imaginação mítica dos primeiros seguidores de Jesus, formado a partir de lendas messiânicas do Antigo Testamento (A vida de Jesus, 1835). A narrativa sobre os malfeitores crucificados ao lado de Jesus, por exemplo, teriam sido elaboradas sob influência de Is 53,12: “ele foi contado entre os pecadores”. Strauss também deve ser lembrado como o primeiro a reconhecer que o Evangelho de João foi estruturado a partir de premissas teológicas e é historicamente menos confiável que os sinóticos. Por outro defendeu uma teoria quase não mais aceita, que atribui a Mateus e Lucas uma data mais antiga que Marcos, que seria um enxerto de ambos (hipótese de Griessbach).

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Jones F. Mendonça

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A VIDA DE JESUS, DE DAVID FRIEDRICH STRAUSS

Leio trechos (aqui e aqui) da obra “A vida de Jesus analisada criticamente” (1835), do exegeta e teólogo alemão David Friedrich Strauss. A principal tese de Strauss: "os evangelhos são a historização do mito Jesus". Strauss foi o primeiro (depois da publicação dos fragmentos de Reimarus) a distinguir o Jesus da fé do Jesus do histórico. A publicação do livro, com sua ênfase no esvaziamento do conteúdo sobrenatural dos evangelhos, foi um escândalo na Alemanha do século XIX. A perspectiva racionalista de Strauss foi adotada mais tarde por Ernest Renan, em seu famoso e não menos polêmico “A vida de Jesus”.  Ecos dos trabalhos de Strauss e Renan podem ser percebidos nos escritos de Nietzsche (1844-1900) e em diversos teólogos modernos que adotam o método histórico-crítico na análise das Escrituras. Abaixo alguns trechos selecionados por mim (fiz uma tradução livre a partir do inglês): 
QUANTO ÀS GENEALOGIAS DE MATEUS E LUCAS: “Jesus, por si mesmo ou por meio de seus discípulos, atuando sobre mentes fortemente dotadas de noções e expectativas judaicas, deixou entre seus seguidores uma convicção tão forte de sua messianidade que não hesitaram em lhe atribuir uma natureza profética de ascendência davídica [...] a fim de, por meio de uma árvore genealógica [...], justificar o seu reconhecimento como Messias”. 
QUANTO A SEU NASCIMENTO EM BELÉM: “Em nenhum outro lugar no Novo Testamento é mencionado o nascimento de Jesus em Belém. Em nenhuma parte a cidade aparece relacionada com seu suposto local de nascimento. Jesus sequer concede a Belém a honra de sua visita [...]. Em nenhuma parte ele apela à sua origem belemita como prova de sua messianidade, embora tivesse bons motivos para fazê-lo, considerando a repulsa que o epíteto “galileu” causava nas pessoas”. [...] a suposição de que Jesus nasceu em Belém é incompatível: [...] Jesus nasceu, não em Belém, mas, [...] com toda a probabilidade, em Nazaré”. 
QUANTO À SUA RELAÇÃO COM JOÃO BATISTA: “Assim, há boas chances de ser histórico: Jesus, atraído pela fama do Batista, colocou-se sob a tutela desse pregador, tendo permanecido algum tempo entre os seus seguidores, sendo iniciado em suas idéias sobre o reino messiânico que se aproximava”.   
QUANTO À SEU BATISMO NO JORDÃO: “a voz celestial e o Espírito Divino pairando sobre Jesus como uma pomba originaram-se a partir das idéias judaicas contemporâneas, tornando-se parte integrante da lenda cristã sobre as circunstâncias do batismo de Jesus. [...] os supostos elementos milagrosos do batismo de Jesus tem apenas valor mítico”.
Quanto a este último ponto, Strauss destaca a ligação feita pelos evangelistas entre a ruah de Javé agitando-se sobre as águas em Gn 1,2 e a bomba que sobrevoa as águas do dilúvio com um ramo de oliveira no bico em Gn 8,11. Estas duas passagens, relacionadas com uma interpretação judaica do Sl 52,2 (Davi é um ramo de oliveira, o Messias é a folha desse ramo), teria servido como pano de fundo para a criação do relato do batismo (pomba-Espírito/águas/renovação do mundo).


Jones F. Mendonça