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segunda-feira, 6 de junho de 2016

TIAMAT E OS MONSTROS DO CAOS

A imagem, reprodução de uma placa datada para o terceiro milênio a.C. mostra a serpente Musmahhu sendo derrotada por Ninurta (que parece ter inspirado a figura bíblica de Nimrod). Na mitologia babilônica o monstro reaparece. Tiamat, divindade associada ao oceano, dá a luz a onze criaturas, dentre elas o monstro serpente de sete cabeças.  

A luta entre divindades e monstros deixou reflexos no livro do profeta Isaías: “Desperta como nos dias antigos [...]. Por acaso não és tu aquele que despedaçou Raab, que trespassou o Tannaiyn?” (Is 51,9). Ou ainda: “Naquele dia, punirá Iahweh [...] a Leviatã, serpente escorregadia, a Leviatã, serpente tortuosa, e matará o monstro [tanniym] que habita o mar.

A imagem e maiores informações sobre o monstro Masmahhu aparecem na obra:
BLACK, Jeremy; GREEN, Anthony. An illustrated dictionary: Gods, Demons and Symbols of Ancient Mesopotamia. London, British Museum Press, 2004, p. 196.





Jones F. Mendonça

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

JAVÉ E OS DRAGÕES

Quando um fiel inserido no ambiente judaico cristão quer ler o relato de como mundo se formou certamente abrirá sua Bíblia nos primeiros capítulos do Gênesis. Em Gn 1,1-2,4a lerá o relato que destaca a criação do universo (cosmogonia) e em Gn 2,4b-25 outro relato destacando a criação do homem e da mulher (antropogonia). Mas estes não são os únicos relatos da criação presentes na Bíblia hebraica.

Salmos, Isaías e Jó contém resquícios de relatos da criação conhecidos pelos hebreus antes da redação do Gênesis, oriundos do ambiente cananeu. Vejamos: 
Sl 74,12-17 Tu porém, ó Elohim, [...] 13 dividiste o mar com teu poder, quebraste as cabeças dos monstros das águas; 14 tu esmagaste as cabeças do Leviatã dando-o como alimento às feras selvagens; 15 Tu abriste fontes e torrentes, tu fizeste secar rios inesgotáveis; 16 o dia te pertence, e a noite é tua, tu firmaste a luz e o sol, 17 tu puseste todos os limites da terra, tu formaste o verão e o inverno.
Textos descobertos no século XX em Ugarit, Síria, revelaram que este texto do Salmo é um resumo de um mito da criação cananeu que descreve Baal, deus da tempestade, derrotando Yam, o deus do mar e seus ajudantes.

Em Is 27,1 e Jó 26,12-13 a luta entre o deus de Israel e os monstros mitológicos (“Leviatan, serpente escorregadia”; “Leviatan, serpente tortuosa”, o “Monstro que habita o mar”, “Rahav” e “Yam”) inquietam leitores desavisados:

Is 27,1 Naquele dia, punirá Javé, com a sua espada dura, grande e forte, a Leviatã, serpente escorregadia (Leviatan nahash bariah), a Leviatã, serpente tortuosa (Leviatan nahash aqalaton), e matará o monstro que habita o mar (hataniyn ’asher bayam). 
Jó  26,12-13 Com seu poder aquietou o Mar (Yam), com sua destreza aniquilou Rahav. 13 O seu sopro clareou os Céus e sua mão traspassou a Serpente escorregadia (nahash bariah).
Descrições semelhantes podem ser encontradas nos mitos ugaríticos: 
Quando você matou Litan, a serpente fugitiva, aniquilou a serpente sinuosa, o potentado de sete cabeças (SMITH, Mark S. The origins of monotheism, p. 33).
O relato de Gênesis, ao invés de se inspirar no mito cananeu, busca na Mesopotâmia elementos para a elaboração de seu relato da criação. O redator israelita atua como uma espécie de C. S Lewis, usando mitologia estrangeira para incutir teologia israelita na mente do povo (C. S. Lewis usou mitologia nórdica em seu “As crônicas de Nárnia” para incutir teologia cristã).

A luta entre divindades e monstros não se restringe aos cananeus (Baal versus serpentes marinhas) ou babilônios (Marduk versus Tiamat). Na mitologia grega, Zeus mata Typhon; na mitologia nórdica Thor mata Jörmungandr; na mitologia hindu, Indra mata Vrtra; na mitologia eslava, Perun mata Veles; e na mitologia hitita; Tarhunt mata Illuyanka.

Até hoje a luta entre heróis e monstros poderosos que ameaçam a ordem fazem sucesso hipnotizando multidões. O tema é muito bem explorado, por exemplo, nas trilogias de J. R. R. Tolkien (“O senhor dos anéis” e “Hobbit”). Quem não se lembra da batalha travada entre o mago Gandalf e o demônio Balrog na ponte Khazad dûn? Ou do confronto entre Bard e o dragão Smaug, morto com uma flecha negra após um certeiro disparo feito de uma torre prestes a ruir?



Jones F. Mendonça 

sábado, 16 de março de 2013

AS SETE TÁBUAS DA CRIAÇÃO NO PROJETO GUTENBERG

Da Biblioteca de Ashur-bani-pal em Kouyunjik (Nínive): agora no Museu Britânico

Trecho tomado do mito sumeriano presente nas "Sete Tábuas da Criação":  

Marduk (filho de Ea) estabeleceu uma cana sobre a face das águas,
Ele formou o pó e o derramou ao lado da cana...
Ele formou a humanidade 
(LW King, p. 129). 


Leia mais (texto ilustrado) no Projeto Gutenberg


Jones F. Mendonça

quinta-feira, 14 de março de 2013

OS MITOS AINDA PULSAM


El, supremo deus do panteão cananeu, tornou-se um deus fraco, idoso, sem vitalidade. Baal (que não é nome próprio, mas título), associado com as tempestades e, portanto, à fertilidade do solo, ganhou popularidade entre os cananeus (e entre alguns israelitas). Numa das mãos ele carrega um raio. Na outra, uma clava.

Num grande complexo de épicos ugaríticos (de Ugarir, na Síria) do século XV a.C., Baal derrota as forças caóticas de Yam, deus do mar (numa outra versão Baal derrota Lotan, um dragão de sete cabeças que se tornou Leviatan entre os hebreus) mas depois é derrotado por Mot, deus da morte. Surpreendentemente Baal ressurge do mundo dos mortos com a ajuda de Anath, sua esposa-irmã. 

Mitos que narram a derrota de forças caóticas por algum deus já se faziam presentes na Mesopotâmia. Tiamat (águas salgadas, representando as forças caóticas) é derrotado por Marduk no Enuma Elish. Num outro texto mesopotâmico extremamente antigo Innana ressurge do mundo subterrâneo após ser socorrida por Enlil e Enki. Desordem e morte, elementos que atormentam o ser humano desde os primórdios. Tais mitos se originaram em sociedades agrárias, assoladas por inundações, secas, pragas, infertilidade do solo, etc. 

Hoje vivemos em cidades. Muitos sequer têm a oportunidade de sentir o cheiro molhado da terra. Algumas crianças dificilmente tocarão num pé de alface, ou de agrião ou de cebolinha fincados no solo. Mundo digital, midiático e virtual.

Século XXI e a força dos antigos mitos ainda pulsa sem cessar. Até quando?


Jones F. Mendonça

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O MITO E A MORTE

A Ilha da Morte (1880), Arnold Böcklin
Tenho colecionado mitos mundiais que lidam com temas como a ressurreição, o juízo divino, o messianismo, a era de ouro, a origem do mal e da morte. Abaixo alguns relatos que buscam explicar a origem da morte. Começo com um mito kadiwéu registrado e preservado por Darcy Ribeiro:

Brasil
Num mito difundido entre os índios Kadiwéu, no Pantanal mato-grossense, o Criador, chamado de Go-noêno-hôdi, tinha a intenção de criar um “mundo bom, uma vida fácil para os homens e assim fez”. Mas Caracará não se agradou dessa ordem e o convenceu de que isso não estava certo, pois desse modo não poderia julgar qual a mulher trabalhadeira e a mulher preguiçosa, nem o bom caçador do mau caçador. Convencido pelo Caracará, Go-noêno-hôdi transformou aquela ordem idílica na atual. Caracará também convenceu Go-noêno-hôdi de que o homem não poderia viver para sempre, afinal não haveria no futuro espaço para tanta gente (RIBEIRO, Darcy. Os kadiweu: ensaios etnológicos sobre o saber, o azar e a beleza, 1980, p. 56.).

América do Norte
Entre os índios americanos o “Velho Homem” fez do barro uma mulher e uma criança. Após saber que viveria para sempre a mulher protestou indignada ao Criador: “Como é isso? Vamos viver sempre, não haverá fim?”. E ele respondeu: “Jamais pensei nisso. Temos que decidir. Pegarei este pedaço seco de estrume de búfalo e o jogarei no rio. Se ele flutuar, as pessoas morrerão, mas em quatro dias voltarão a viver novamente; elas morrerão apenas por quatro dias. Mas se ele afundar, haverá um fim para as pessoas”. Ele lançou o pedaço de estrume no rio e o estrume ficou boiando. A mulher pegou uma pedra e disse: “Não, não deve ser assim. Vou atirar esta pedra na água e se ela boiar, viveremos para sempre, mas se afundar, as pessoas terão que morrer para que elas possam ter pena umas das outras e umas lamentarem as outras”. A mulher atirou a pedra na água e a pedra afundou. “Muito bem!”, disse o Velho Homem: “Você escolheu! E assim será!" (CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus, 1992, p. 224).

África:

Entre os lamba: “Os Lamba, da Zâmbia, afirma que o primeiro homem enviou um pedido ao Ser Supremo de algumas sementes, que foram logo entregues aos seus mensageiros em pequenos pacotes, com a instrução de que um deles não devia ser aberto. Mas os mensageiros sentiram curiosidade e abriram o dito pacote, do qual saiu a morte...” (PIAZZA, Waldomiro. Religiões da humanidade. São Paulo: Loyola, 1991, p. 64). 

Entre os kono: “Os kono, da Sierra Leona dizem que o Ser Supremo enviou peles novas para os homens e que as confiou a um cachorro. Mas quando este ia de caminho para a terra, abandonou o embrulho para tomar parte de uma festa. Explicou aos companheiros que tinha de levar peles novas aos homens, e a serpente, que tudo ouviu, saiu deslizando e roubou as peles, as quais repartiu entre os seus parentes. Desde então, as serpentes mudam de pele, são imortais, enquanto os homens tem de morrer...” (PIAZZA, Waldomiro. Religiões da humanidade. São Paulo: Loyola, 1991, p. 64).

Encontrei o final da história em outra obra:

“Desde então, o Homem guardou rancor pela serpente e ensaia, sempre, matá-la, em todas as ocasiões que a percebe. A serpente, por sua vez, evita o Homem e vive só. Justamente por ter guardado as peles, por Deus destinadas ao Homem, ela podia quando quisesse livrar-se de sua própria pele” (M. CAREY, 1970, PP. 18-19 apud MAZRUI, Ali A. (Edit.). História geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010, p. 798).


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 18 de maio de 2012

GOG E MAGOG COMO ANTÍTESE DA CRIAÇÃO EM EZEQUIEL 38-39

Com download gratuito para países com baixa renda per capita (como o Brasil), o livro: "The Disarmament of God: Ezekiel 38-39 in Its Mythic Context" pode ser baixado aqui (site da SBL, em inglês). Abaixo a descrição completa do livro: 
Fitzpatrick, Paul E., SM, The Disarmament of God: Ezekiel 38-39 in Its Mythic Context. Catholic Biblical Quarterly Monograph Series, 37. Washington, The Catholic Biblical Association of America, 2004.
O autor defende que os capítulos 38 e 39 do livro de Ezequiel contém um substrato mítico. Considerações sobre o significado de Gog e Magog na página 82. 

Jones F. Mendonça

sábado, 21 de maio de 2011

O PENSAMENTO MÍTICO NA FORMAÇÃO DA NOSSA REALIDADE (VÍDEO)

O site do CPFL Cultura disponibiliza excelentes vídeos sobre os mais diversos temas. Este abaixo é sobre o papel do mito na sociedade moderna. Refletem sobre o tema Antonio Medina Rodrigues, Demétrio Magnoli e José de Paula Ramos Jr. Para assistir ao vídeo, clique aqui

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O MITO DE INNANA

O mitólogo Joseph Campbell cita a descida da deusa Inanna ao mundo inferior para assistir o funeral de Gugalanna, marido de sua irmã mais velha Ereshkigal. A história se desenrola assim:


Após atravessar os sete portões que davam acesso ao mundo inferior, Inanna chega diante sua irmã completamente despida de sua majestade, já que fora obrigada a deixar uma peça do seu vestuário em cada portão que atravessava. Ao lado dos sete juízes, os Anunnaki, Ereshkigal pronunciou um julgamento sobre Inanna. Transcrevo abaixo o texto original citado por Campbell:


A pura Ereshkigal sentou-se em seu trono,

Os Anunnaki, os sete juízes, pronunciaram julgamento diante dela,

Eles fixaram seus olhos sobre ela, os olhos da morte;

E quando pronunciaram a palavra, a palavra que tortura o espírito,

A mulher pesarosa foi transformada num cadáver,

E o cadáver foi pendurado em uma estaca [1].

A narrativa continua e relata que após três dias na estaca, Papsukkal, o principal mensageiro dos deuses, intercedeu por Inanna junto a Enlil, o deus-ar; Nanna, o deus-lua e finalmente a Enki, o Senhor da Sabedoria. Enki, atendendo ao pedido de Papsukkal, modela do barro duas criaturas assexuadas, dois anjos, que partiram em socorro a Inanna. Os dois seres assexuados cumprem sua missão e a deusa ressurge do mundo dos mortos, fazendo voltar à vida alguns dos que lá estavam.


Nota:

[1] CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus, 1992, p. 336.

Foto: Joseph Campbell

terça-feira, 21 de julho de 2009

UM MITO DA CRIAÇÃO DOS ÍNDIOS NORTE-AMERICANOS

Por Jones Mendonça

Conta uma lenda que o “Velho Homem”, divindade criadora na religião dos índios norte-americanos, decidiu que faria uma mulher e uma criança. Após fazê-los do barro, os dois foram se modificando com o passar dos dias, até que no quarto dia se levantaram e andaram até o rio. Lá o Velho Homem se apresentou aos dois.

Após saber que iria viver para sempre, a mulher, indignada, se dirige ao Criador. Deixarei que o leitor aprecie o mito na forma como foi transcrito por Joseph Campbell:

Enquanto estavam lá à beira do rio, a mulher perguntou ao Velho Homem “Como é isso? Vamos viver sempre, não haverá fim?”. E ele respondeu: “Jamais pensei nisso. Temos que decidir. Pegarei este pedaço seco de estrume de búfalo e o jogarei no rio. Se ele flutuar, as pessoas morrerão, mas em quatro dias voltarão a viver novamente; elas morrerão apenas por quatro dias. Mas se ele afundar, haverá um fim para as pessoas”. Ele lançou o pedaço de estrume no rio e o estrume ficou boiando. A mulher pegou uma pedra e disse: “Não, não deve ser assim. Vou atirar esta pedra na água e se ela boiar, viveremos para sempre, mas se afundar, as pessoas terão que morrer para que elas possam ter pena umas das outras e umas lamentarem as outras”. A mulher atirou a pedra na água e a pedra afundou. “Muito bem!”, disse o Velho Homem: “Você escolheu! E assim será!” [1].

Na continuação da história o Velho Homem ensina os primeiros humanos a escolher as raízes boas para comer, como cozinhar a carne dos animais e até mesmo o segredo para manter o vigor físico, reservando um tempo para dormir.

O mais curioso nessa história é que o Criador (o Velho Homem) é ao mesmo tempo o Trapaceiro. Após deixar a terra, se dirigiu para debaixo da terra, tomando conta do mais inferior dos quatro mundos. O Trapaceiro é um insensato, uma figura ambígua, devasso, cruel, princípio da desordem, mas também o portador da cultura. No relato bíblico da criação, ao contrário, Satã é uma personagem distinta de Yahweh.

Apesar das diferenças nítidas, como a confusão entre Deus/Diabo, há paralelos interessantes nessa história. Como no relato bíblico da criação é a mulher que toma a iniciativa de escolher entre viver eternamente e morrer, já que é ela a primeira a comer o fruto proibido. Também como no relato bíblico homem e mulher são criados a partir do barro.

Há entre os índios Kadiwéu, no Pantanal mato-grossense, um mito que carrega semelhanças com a história dos índios americanos e também com o relato hebraico-cristão da criação. No mito Kadiwéu, o Criador, chamado de Go-noêno-hôdi, tinha a intenção de criar um “mundo bom, uma vida fácil para os homens e assim fez” [2]. Mas Caracará não se agradou dessa ordem e o convenceu de que isso não estava certo, pois desse modo não poderia julgar qual a mulher trabalhadeira e a mulher preguiçosa, nem o bom caçador do mau caçador. Convencido pelo Caracará, Go-noêno-hôdi transformou aquela ordem idílica na atual. Caracará também convenceu Go-noêno-hôdi de que o homem não poderia viver para sempre, afinal não haveria no futuro espaço para tanta gente.

Fico fascinado com essas semelhanças. Como tenho uma coleção de mitos da criação de diversas partes do mundo que carregam semelhanças incríveis entre si, pretendo publicá-los aqui o blog aos poucos. Explicação para isso... Ah, existem muitas. Deixe a sua sugestão.

Notas:

[1] CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus, 1992, p. 224.

[2] RIBEIRO, Darcy. Os kadiweu, ensaios etnológicos sobre o saber, o azar e a beleza, 1980, p. 56.