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sábado, 28 de junho de 2025

AGOSTINHO E O DISPENSACIONALISMO


1. Por séculos prevaleceu entre os cristãos a percepção de que os judeus eram perseguidos porque carregavam uma espécie de culpa por terem assassinado Jesus Cristo. Essa culpa explicaria as perseguições na Europa Medieval, no período da Reforma, na Alemanha nazista, etc. Mas, no século XVIII nasceu o “restauracionismo”, a crença no cumprimento literal das profecias do Antigo Testamento, que incluía o retorno dos judeus à Eretz Israel, à Terra Prometida. Aqui estão as raízes do sionismo cristão.

2. No século XIX essa crença ganhou um modelo sofisticado, conhecido como dispensacionalismo. Para os dispensacionalistas, a história da humanidade, desde Adão, deve ser dividida em sete estágios ou eras, sendo a primeira a “era da inocência” (Adão e Eva) e a última a “era do milênio” (o reinado de Cristo na terra). O mundo atual estaria vivenciando a sexta era, o “tempo da graça”, com início na morte e ressureição de Cristo. A batalha escatológica entre Israel e seus inimigos já estaria acontecendo (O Irã seria "Magog").

3. Mas de onde teria vindo essa ideia de dividir a história do mundo em sete eras? Bem, nesta semana comecei a ler o "Comentário ao Gênesis", escrito por Agostinho de Hipona, famoso teólogo cristão do século IV/V. Para minha surpresa Agostinho já associava os sete dias da criação a “sete idades do mundo”, também começando com Adão e Eva e terminando com o retorno triunfal de Cristo nos céus. Fico pensando se os dispensacionalistas não se inspiraram nas interpretações alegóricas de Agostinho.

4. Você encontra a exposição agostiniana a respeito das sete eras do mundo em “Sobre o Gênesis, Contra os maniqueus”, Livro I, cap XXIII.



Jones F. Mendonça

sábado, 21 de junho de 2025

AGOSTINHO E A MULHER ÚTERO-SERVIL


1. Em seu Comentário ao Gênesis, Agostinho de Hipona oferece respostas a muitas perguntas que provavelmente inquietavam os teólogos de seu tempo. Por exemplo: “por que Adão nomeou aves e animais terrestres, mas não nomeou os peixes?” (Livro IX, capítulo XI). Como se vê, trata-se de uma pergunta ex-tre-ma-men-te, relevante. Bem, Agostinho foi fruto do seu tempo. Coisa da época. Deixemos o teólogo africano em paz. Mas o que preocupava Agostinho de verdade era o papel da mulher na criação. Por que Deus não optou por criar outro homem? Não teria sido (segundo ele, não eu) muito mais útil, muito mais sensato e racional? Não. Ele explica.

2. Agostinho apresenta duas boas razões para Deus ter criado uma mulher, e não um homem, para lhe fazer companhia. Vamos lá. Resposta número 1: a mulher foi criada para gerar filhos, ou, como ele diz, “para ajudá-lo a semear o gênero humano”. Para ajudar o primeiro homem a cultivar o jardim o melhor teria sido um homem, mas para “espalhar sementes”, uma mulher seria mais apropriada. Resposta número 2: Caso Deus tivesse criado outro homem, em igual nível de autoridade, estaria promovendo a discórdia. Era preciso criar uma mulher, submissa ao homem, de forma que pudesse cumprir suas ordens com obediência exemplar.

3. A mulher, para Agostinho, é um "útero-servil".



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

A APOSTASIA, O AMOR E A DOR EM AGOSTINHO DE HIPONA


1. Um provérbio popular muito repetido no universo evangélico é “se [a conversão religiosa] não for pelo amor, será pela dor”. Mas de onde veio esta sentença? Minha hipótese é que nasceu a partir da leitura um tanto quanto livre do livro bíblico de Provérbios feita por Agostinho de Hipona, teólogo e filósofo do V século.

2. Atormentado pela insubmissão dos donatistas, grupo cristão cujas doutrinas foram consideradas cismáticas e heréticas, Agostinho entendeu que era preciso tomar medidas mais duras a fim de preservar a comunhão e o respeito às lei imperiais. Em uma carta endereçada a Bonifácio, o teólogo africano saiu-se com essa:
3. A inspiração vem de Pv 23,14: “Quanto a ti, deves bater-lhe com a vara, para salvar-lhe a vida do inferno”[1]. (Na vulgata: tu virga percuties eum et animam eius de inferno liberabis). Mas na verdade o texto hebraico não fala de “inferno”, nem tem como objetivo dirigir-se àqueles que se distanciaram da “reta doutrina”.

4. O texto de provérbios é dirigido aos “meninos” (na’ar), instruídos na arte da sabedoria, dos bons modos e dos bons pensamentos. A "vara" era um instrumento antigo de educação. A violência como forma de disciplina também era praticada pelos mestres da Babilônia, que recorriam ao método com a finalidade de corrigir seus discípulos.

Nota: [1] No texto hebraico “sheol” é mundo dos mortos e não inferno. A mensagem do provérbio é clara: “a vara não mata” (v. 13), mas, pelo contrário, “livra a néfesh (=vida) do sheol” (=da morte, cf. v. 14)”. Trocando em miúdos: “a vara da disciplina fere a carne, mas livra da morte"


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 5 de abril de 2019

SUBMISSÃO E MODÉSTIA EM PAULO E ROMA

Em 1Tm 2,9-15 Paulo dá a Timóteo algumas recomendações relativas às mulheres (vestuário e submissão ao homem) que estão bem de acordo com a cultura predominante na Antiga Roma.

O discurso (misógino) abaixo, proferido por Marco Catão em 195 d.C., foi uma resposta a um protesto de mulheres contra uma lei que impunha a elas restrições ao vestuário e uso de joias. Os temas são os mesmos:

“Nenhuma proibição dos maridos podia retê-las em casa. [...] Do jeito que as coisas estão, nossa liberdade, derrubada em casa pela indisciplina feminina, está sendo esmagada e pisada também aqui, no Fórum. [...] as mulheres tinham de estar sob o controle de pais, irmãos e maridos” (BURROW, John. Uma história das histórias, 2013, p. 135).



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 27 de março de 2019

JÚNIA, A “APÓSTOLA” DE JOÃO CRISÓSTOMO

João Crisóstomo, arcebispo de Constantinopla, sabia que Junia, nome mencionado em Rm 16,7, é substantivo próprio feminino. Chega a lhe fazer um ditoso elogio: “quão grande sabedoria esta mulher deve ter tido para que tenha sido considerada digna do título de apóstolo!”. Isso no século IV!

No século XIII bateu aquele incômodo. Então começaram a surgir tentativas de transformar “Junia” em nome de homem (vejam que mudança de sexo é coisa antiga!). Lutero, por exemplo, arrumou um jeito de eliminar qualquer dúvida e traduziu o texto assim: “saudai a Andrônico e o Junias”. Inventou um artigo que não existe.

Alguns "doutores", na maior cara de pau, trataram de copiar o texto de modo diferente, mudando a acentuação. Trocaram Iounían (feminino) por Iouniân (masculino). Outros, após noites de sono perdidas, inventaram que Junia é forma abreviada do substantivo próprio masculino Junianus. Eu fico rindo disso tudo. Não há limites para a desonestidade intelectual.


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

CLEMENTE E AS SAIAS ESPARTANAS

Clemente de Alexandria, teólogo do século II, não tendo o que fazer, resolveu definir o tamanho das saias da mulheres. Seu argumento:
Não é conveniente ter o vestido acima dos joelhos, como, segundo dizem, fazem as moças de Esparta. Pois não é decoroso que a mulher descubra determinadas partes de seu corpo (Pedagogo, Livro II, 11).
Tal modo de se vestir - dizia Clemente - poderia despertar elogios embaraçosos, tais como “suas coxas são bonitas”. Para o teólogo o rosto também precisava estar coberto com um véu, mas nunca de cor roxa, tonalidade que na opinião do teólogo “inflama os desejos”. 


Jones F. Mendonça


domingo, 18 de novembro de 2018

SEGUNDA-FEIRA

Detalhe bem conhecido: no relato bíblico da criação (Gn 1,1-2,4a) Deus louva todos os dias com a frase “viu que era bom”. Mas sendo mais preciso, no segundo dia, que é segunda-feira, a expressão não aparece. Tá, você nunca notou? Então aqui vai a explicação.

Os teólogos medievais - tendo pouco o que fazer - perderam noites tentando desvendar o mistério e chegaram à seguinte conclusão: a “Antiga serpente”, o Satanás, o Zarapelho, teria sido criado no segundo dia, na segunda-feira. Daí que não seria adequado dizer “viu que era bom”.

Então quando você acordar na segunda-feira com um areia nos olhos, sucumbido, descorçoado, amorrinhado, lembre-se: este abatimento sobrenatural talvez venha mesmo dos infernos...



Jones F. Mendonça

sábado, 10 de novembro de 2018

VOCÊ CONHECE OS "CRISTÃOS ADAMITAS"?

Cada um, seja homem ou mulher, despe-se do lado de fora [da caverna], entrando com seus corpos inteiramente nus como no dia em que nasceram. E seus líderes e mestres sentam-se completamente nus, alguns em frente e alguns em volta, aqui e ali, sem qualquer ordem particular [...]. Eles consideram sua igreja como Paraíso, e eles próprios como Adão e Eva. (Panarion, seção IV).
Esta descrição, feita por Epifânio de Salamina (315-403), refere-se a um grupo de cristãos que encontrou um modo bem diferente de restaurar o estado paradisíaco, a inocência original do Éden. É importante destacar que a tal seita entrou na relação de heresias de Epifânio a partir do relado de pessoas que teriam conhecido os "adamitas". Por isso faz a ressalva: "E assim, já que muitos falaram da seita, considero que vale a pena mencionar".



Jones F. Mendonça

O BATISMO NA IGREJA PRIMITIVA

Hipólito de Roma, mais importante teólogo do século III, deixou registrado em sua “Tradição apostólica” diversas orientações acerca do batismo. No início do ritual algo bem estranho era feito: todos retiravam suas roupas, sendo que as mulheres, batizadas por último, ainda tinham que soltar os cabelos e remover todos os ornamentos. Bem, o que vem depois é o seguinte (quem fala é o próprio Hipólito):
Então o presbítero, tomando posse de cada um daqueles que serão batizados, ordenará que renuncie, dizendo: ‘Eu renuncio a ti, Satanás, e todos os teus servos e todas as tuas obras’. Então, depois destas coisas, deverá ser entregue ao presbítero que batiza, estando os candidatos em pé, na água, nus, acompanhados de um diácono, que deverá estar da mesma forma (Tradição apostólica, 21,11).
Hipólito nos conta que logo em seguida os candidatos eram convidados a confessar o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para então se vestirem e seguirem para a igreja. Bem, eu fico pensado se a colocação das mulheres por último não era para impedir que os candidatos homens as vissem nuas. Ou será que a nudez, para eles, não era um problema como é para nós hoje?

Há quem pense (como Morton Smith) que o jovem coberto apenas por um lençol, em Mc 14,51-52, acabou tendo que fugir peladão porque participava de um ritual de batismo ministrado por Jesus no momento de sua prisão. Será?


Jones F. Mendonça

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

OS REFORMADORES E AS MULHERES

Lutero, tudo mundo sabe, abandonou a vida celibatária e casou-se com Catarina von Bora em 1525. Ele mesmo confessou que fez isso não pelo desejo, mas para “agradar seu pai e aborrecer o Papa” [1]. Calvino, alguns anos depois, também decidiu arrumar uma esposa. Pediu ajuda a dois amigos. A recomendação foi a seguinte:
Não sou daqueles amantes loucos que, ao ficarem fascinados pelo belo corpo de uma mulher, aceitam também seus defeitos. Eis apenas um tipo de beleza que me seduz – que ela seja casta, prestimosa, econômica, paciente e que zele pela minha saúde[2].
Ambos se esforçaram para mostrar que não se casaram atraídos pelo desejo, pela carne nua, pelo sexo. Herdeiros da teologia dos primeiros padres, que ensinavam que “o casamento é o desejo da procriação e não a ejaculação desordenada do esperma que, aliás, é contrária tanto à lei quanto à razão”[3].

[1] LINDBERG, Carter. As reformas na Europa, 2001, p. 126. 
[2] DURANT, Will. A Reforma, p. 392. 
[3] Clemente de Alexandria, O Pedagogo, II, 10.


Jones F. Mendonça

terça-feira, 19 de junho de 2018

FÍLON DE ALEXANDRIA: A MULHER É O CAMPO, O HOMEM O SEMEADOR

Leio os escritos de Fílon de Alexandria, judeu helenista do primeiro século a.C. Interessam-me suas considerações a respeito da Lei judaica no que concerne à licitude de certas práticas sexuais.

Em Leis III, 32, o sábio judeu aconselha o marido a vigiar o corpo de sua mulher assim como o lavrador habilidoso vigia o campo no qual depositará sua semente. Explica que ele deve abster-se de semear quando o “campo” (a vagina) está “inundado” (pelo sangue da menstruação). Mas por que todo esse cuidado para não “desperdiçar a semente”? Simples: é que Fílon entende (como os filósofos estoicos) que o sexo tem como finalidade única a reprodução: “o prazer sexual não foi dado ao homem para o gozo ou a fruição, mas para a propagação da espécie” (Sêneca em “Consolação à Hélvia”).

Isso explica sua condenação aos homens que se casam com mulheres estéreis mesmo sabendo de sua condição (34). Neste caso o ato sexual seria um inaceitável “desperdício de semente”, algo que ele classifica como “contra a natureza” (pecado da luxúria). Igual condenação ele estende aos jovens que “encaracolam os cabelos”, “maquiam o rosto” e “delineiam os olhos”, “mudando o seu caráter viril” (efeminados). Tal prática, explica Fílon, consiste num “desperdício do poder de propagar a espécie” (39), permitindo que “terras férteis e produtivas permaneçam em repouso”, provocando a “desolação das cidades”.

Entre os primeiros cristãos a visão do sexo como prática restrita à procriação reaparece, por exemplo, em Clemente de Alexandria: “O casamento é o desejo da procriação e não a ejaculação desordenada do esperma que, aliás, é contrária tanto à lei quanto à razão” (Pédagoge, II, 10). Jerônimo chega a dizer (citando Xystus) que “aquele que é muito ardente com sua própria esposa é adúltero” (Contra Joviniano, I, 49). Quando Levy Fidelix, num debate presidencial em 2014, condenou a homossexualidade masculina argumentando que “aparelho excretor não reproduz”, repetiu a velha condenação estoica ao “desperdício de esperma”, repetida pelos judeus helenistas, pelos cristãos dos primeiros séculos e pelo catolicismo moderno.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 2 de agosto de 2016

DECÊNCIA FEMININA NO CRISTIANISMO PRIMITIVO

Clemente de Alexandria (150-215), num tratado sobre as vestimentas das mulheres cristãs (Pedagogo, Livro II, 11), recomenda que se evitem apetrechos “supérfluos”, afinal, ele diz, “a Escritura declara que os supérfluos são do diabo”. Tingimento de cabelos, coloração dos olhos, da boca e da face, são alguns dos “supérfluos” citados pelo teólogo.

A prática do tingimento de roupas também recebe dura crítica: “o uso das cores não é benéfico, afinal não são úteis contra o frio”. O ideal, ele continua, “são as roupas brancas e simples”. As vestes, ele explica, servem unicamente para cobrir o corpo, jamais para serem admiradas. A base para tal ensinamento viria do profeta Daniel: “o Ancião sentou-se. Suas vestes eram brancas como a neve” (Dn 7,9). E finaliza: “as roupas que são como flores devem ser abandonadas”.

Por fim Clemente se debruça sobre o tamanho das saias das mulheres: “Não é conveniente ter o vestido acima dos joelhos, como, segundo dizem, fazem as moças de Esparta. Pois não é decoroso que a mulher descubra determinadas partes de seu corpo”. Tal modo de se vestir poderia despertar elogios embaraçosos, tais como “suas coxas são bonitas”. O rosto também precisa estar coberto com um véu, mas nunca de cor roxa, tonalidade que na opinião do teólogo “inflama os desejos”.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 5 de julho de 2016

TERTULIANO E A BELEZA FEMININA

Num sermão do segundo século, Tertuliano tenta convencer as mulheres (chamadas de “portão do diabo”) a não se preocuparem tanto com a beleza física. Ele explica: “seus maridos [cristãos] não são atraídos pelas mesmas graças que os gentios” (Do vestuário feminino, Livro II, IV).

Bobinho...



Jones F. Mendonça

DA POLIGAMIA FEMININA EM AGOSTINHO DE HIPONA

Agostinho de Hipona, no século IV/V, achava – como muitos outros de seu tempo – que o único propósito do casamento é a procriação. Com isso em mente ele explica a tolerância divina para com a poligamia masculina e a rejeição da poligamia feminina no AT (dito com minhas palavras):

O homem que se une a várias mulheres (=vários úteros) pode gerar muitos filhos; a mulher (um único útero) que se une a diversos homens não aumenta sua capacidade de gerar filhos. No primeiro caso: procriação. No segundo caso: apenas prazer sexual, concupiscência (Do casamento e da concupiscência, Livro I, X).

Criativo (e astuto) esse Agostinho...



Jones F. Mendonça

sexta-feira, 29 de abril de 2016

DEUS E O TEMPO EM AGOSTINHO E FÍLON

Geralmente se atribui a Agostinho (354-430 d.C.) a ideia de que o tempo só passou a existir a partir da Criação. Assim, não faria sentido perguntar pelo que Deus fazia ANTES de criar o mundo. Mas o judeu Fílon de Alexandria (Interpretação alegórica I, I, 2) já dizia isso no início do primeiro século. Veja: 
É preciso confessar que o tempo é uma coisa posterior ao mundo. Por isso, seria dito corretamente que o mundo não foi criado no tempo, mas esse tempo teve a sua existência em consequência do mundo.
Leia "Interpretação alegórica I", de Fílon, aqui:



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

AGOSTINHO AOS DONATISTAS: SE NÃO VÊM PELO AMOR, VIRÃO PELA DOR

Deparei-me hoje com uma carta de Agostinho de Hipona escrita no início do 5º século. Atormentado pela insubmissão dos donatistas (seita cismática fundada por Donato, bispo da Numídia), Agostinho acaba concluindo que medidas mais duras devem ser tomadas no combate à heresia: 
Na verdade, é melhor que os homens sejam levados a adorar a Deus através do ensino que por medo da punição ou da dor. Mas [...] muitos só são alcançados quando compelidos inicialmente pelo medo ou pela dor, para depois serem influenciados pelo ensino (Carta 185,6,21). 
A inspiração vem de Pv 23,14, citado na carta logo a seguir: 
“Quanto a ti, deves bater-lhe com a vara, para salvar-lhe a vida do inferno”[1].
(Na vulgata: tu virga percuties eum et animam eius de inferno liberabis)
Teria vindo dessa carta de Agostinho o famoso provérbio popular: “Quem não vai a Deus pelo amor, vai pela dor?”

Nota: [1] No texto hebraico “sheol” é mundo dos mortos e não inferno. A mensagem do provérbio é clara: “a vara não mata” (v. 13), mas, pelo contrário, “livra a néfesh (=vida) do sheol” (=da morte, cf. v. 14)”.  



Jones F. Mendonça

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

AS SEMENTES DA INQUISIÇÃO

O cristianismo era uma religião conhecida por seu pacifismo e por seus mártires entregues às feras no Coliseu de Roma. No século IV, com Constantino, ganhou o status de religio licita. Teodósio I, sucessor de Constantino, deu-lhe ainda maior dignidade: religião oficial.

Um Édito promulgado por Teodósio, em 392, punia com o confisco de bens aqueles que fossem surpreendidos oferecendo libações aos antigos deuses romanos. Em 408, já embalado pela relação amorosa entre religião e Estado, Agostinho (354-430) recorreu aos “reis religiosos e fiéis” em sua luta contra os hereges donatistas (norte da África):
Moral da história 1: as ideias radicais da inquisição (séc. XII) não nasceram de uma hora para outra. 

Moral da história 2: os campos estão floridos... e as sementes são más.


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

CHEVITARESE NO STBC

Divulgando: amanhã (10/11/15, às 19:00h) o professor e historiador André Chevitarese ministrará palestra no Seminário Teológico Batista Carioca (STBC). O professor é especialista em história antiga grega, romana, judaísmo helenístico e paleocristianismo. A entrada é FRANCA.

O endereço: Rua Ferreira Borges 54 - 1º andar (auditório da PIB de Campo Grande) Próximo à Rodoviária de Campo Grande, RJ.

Aguardo você lá!



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 29 de julho de 2015

CONTOS ETIOLÓGICOS NA BÍBLIA: A INIMIZADE MORTÍFERA EM GN 3,15

Ontem fui interrogado por um aluno a respeito do texto de Gn 3,15, o qual transcrevo abaixo em versos, tal como corretamente dispõe a Bíblia de Jerusalém:
Porei hostilidade entre ti e a mulher,
entre tua linhagem e a linhagem dela.
Ela te esmagará a cabeça
e tu lhe ferirás o calcanhar”.
A pergunta do aluno: “ora, se a descendência da mulher é Cristo, quem é a descendência da serpente?”. Bem, a tradição cristã, desde os segundo século (Irineu, em Contra as Heresias III,23,7), interpreta a inimizade entre a mulher e a serpente como anúncio do “fruto do parto de Maria”. Em suma, Jesus seria a descendência da mulher. Mas e quanto à serpente? Faz algum sentido dizer que a linhagem da serpente é o diabo? E por acaso o diabo é descendente da serpente do Éden? 

Lutero, seguindo Irineu de perto, declarou que “Cristo é o descendente dessa mulher que esmagou a cabeça do diabo, isto é, o pecado” (Prefácio do Novo Testamento, de 1522). Para não cair no absurdo de dizer que o diabo pertence à linhagem da serpente, fez uma observação no final da frase: “isto é, o pecado”. Dito de outro modo: Jesus esmagou a “cabeça” do pecado, representado pela figura do diabo, a antiga serpente. É muito malabarismo exegético para meu gosto. 

Faz muito mais sentido pensar no texto como tendo caráter etiológico, visando explicar quatro fenômenos que davam asas à imaginação dos antigos: 
1. O porquê das serpentes rastejarem (3,14), 
2. A “inimizade” entre os humanos e as serpentes (3,15), 
3. O sofrimento das mulheres durante o parto (3,16), 
4. A submissão das mulheres aos maridos (3,16), 
5. A fadiga proveniente do trabalho no solo árido da Palestina (3,17-19).
Um conto etiológico, para quem não sabe, é uma pequena historieta, criada a partir da imaginação popular, com o intuito de explicar fenômenos que suscitam a curiosidade das pessoas, tais como as estranhas colunas de sal dispostas nas margens de um grande lago (a mulher de Ló, cf. Gn 19,26), um enigmático arco colorido que se estende nos céus (um sinal divino como pacto pela não repetição do dilúvio, cf. Gn 9,13), a diversidade de idiomas (a torre de Babel, cf. Gn 11,1-9), a extrema aridez de uma determinada região (fogo e enxofre sobre Sodoma e Gomorra, cf. Gn 19,24-25) ou as inusitadas pedras amontoadas num vale (o apedrejamento de Acã, cf. Js 7,26), etc.

Contos etiológicos são comuns em diversas culturas. Você pode ler uma pequena coleção deles na seguinte obra: CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus, volume I, mitologia primitiva. São Paulo: Palas Athena, 2010. 




Jones F. Mendonça

quinta-feira, 9 de abril de 2015

AMBRÓSIO E A DANÇA

Ambrósio (340-397), arcebispo de Milão, querendo dissuadir as cristãs a evitarem a dança, citou o seguinte exemplo bíblico:
João, o precursor de Cristo, sendo degolado por vontade de uma dançarina, é um exemplo de que as seduções da dança fazem mais mal do que a loucura de um sacrilégio (Da virgindade, Livro III, capítulo V).
Leia "Da virgindade", de Ambrósio aqui.



Jones F. Mendonça