1.
No dia 31 de outubro de 1517, ou seja, há exatos 500 anos, um monge católico
escreveu 95 teses - pequenas declarações - criticando uma série de abusos
cometidos por sacerdotes mal-intencionados. No título das teses vinha a
seguinte declaração: “Por amor à verdade e no empenho de elucidá-la, será discutido o seguinte...”.
2.
Embora não haja certeza de que essas teses tenham sido pregadas na porta de uma
igreja de Wittenberg (atual Alemanha), certo mesmo é que caíram na boca do
povo. Mais que isso, o conteúdo do texto era tão bombástico que acabou chegando
nas mãos do papa e de seus auxiliares. E eles não ficaram nem um pouco
contentes com o que leram.
3.
E olha que Lutero não pretendia criticar o Papa, mas apenas os chamados
vendedores de indulgências, pessoas que vendiam títulos supostamente capazes de
eliminar os pecados dos fiéis. Em sua tese 65 Lutero denunciou o uso das
indulgências como “redes para pescar a riqueza dos homens” (Redes que aliás
ainda “pescam riquezas” de fiéis nos dias de hoje!).
4.
A prática da venda de indulgências era tão escandalosa que Lutero chegou a
dizer, em sua tese 81, que estava ficando difícil, até para os homens doutos,
defender a dignidade do papa contra calúnias ou perguntas, sem dúvida difíceis
de responder, feitas pelos leigos. Lutero esperava uma reação enérgica do papa
ao tomar conhecimento de suas denúncias.
5.
Bem, mas não foi bem isso o que aconteceu. O monge rebelde foi chamado pelo
Papa para dar explicações no ano seguinte. E como se manteve firme em suas
posições, sofreu uma ameaça de excomunhão em 1520, num documento que condenava
41 de suas teses (bula Exsurge Domini). Lutero queimou publicamente a bula
papal e não arredou o pé.
6.
Em janeiro de 1521, diante de sua recusa em negar tudo aquilo que havia
declarado, veio a excomunhão (bula Decet Romanum Pontificem). Lutero só
não acabou preso porque recebeu apoio de diversas pessoas, inclusive de algumas
muito poderosas, como o príncipe Frederico da Saxônia. Para sua sorte, Frederico
tinha um bom plano.
7.
Lutero foi levado em segredo a um castelo e mantido sob proteção por quase um
ano. Em março de 1522 regressou à cidade onde havia divulgado as 95 teses que se
tornaram tão famosas. Ao questionar (e enfraquecer) a autoridade do papa,
Lutero acabou favorecendo a florescimento de novos grupos, com queixas e
demandas diferentes.
8.
Exigindo o fim da servidão – em nome da liberdade de Cristo - surgiram os
reformistas radicais, como os anabatistas. Enfatizando a dimensão absoluta da soberana
de Deus destacavam-se os calvinistas. Na Inglaterra, no desejo de se libertar
da influência do papa em seus assuntos pessoais (ou seja, dinheiro, poder e
mulher), o rei Henrique VIII criou a sua própria igreja, a igreja anglicana.
9.
Seria um exagero dizer que a liberdade de culto e a tolerância religiosa são
conquistas devidas à Reforma. Os reformadores não eram pessoas tolerantes como
por vezes se diz por aí (Miquel de Serveto e Sebastian Castellio que o
digam...). Mas o movimento deu impulso a uma série de transformações culturais,
políticas, econômicas e sociais que de forma alguma podem ser negadas. Não
fazia parte do projeto inicial de Lutero romper com a Igreja. Queria apenas reformá-la por dentro. Hoje a Reforma é vista como um marco na história da civilização ocidental. Lutero mirou um pato, acertou um avião.
Jones
F. Mendonça
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