No capítulo seis do livro de Josué toda a cidade de Jericó é declarada “herem”, exceto Raabe, livrada
da morte por ter acolhido os mensageiros israelitas. Na história Acã (Akan) acaba
punido por ter subtraído alguns objetos incluídos no herem. Tal atitude implicou na extensão do herem a todo o arraial de Israel (cf. 6,18), perturbando-o (hb.
akar). A solução encontrada para que a ordem fosse restabelecida foi a morte da Acã. Há quem
traduza a palavra hebraica herem por “maldito” ou “condenado”, ou “destruído”
ou ainda “anátema”. Dada a carga negativa que tais palavras trazem esse texto
geralmente tem sido mal interpretado.
De acordo com o texto Acã apanhou, além de uma capa
babilônica, “duzentos siclos de prata, e uma cunha de ouro do peso de cinqüenta
siclos”, objetos declarados herem que
deveriam ser “consagrados” (hb. qodesh) a Yahweh (cf. 6,19). Um leitor atendo sente-se confuso: como tais objetos poderiam ser ao mesmo tempo “condenados” (herem) e “santos” (qodesh)? Compare:
O
herem-qodesh - Js 6,19 e toda a prata,
e o ouro, e os vasos de bronze e de ferro, são santos
(qodesh) a Yahweh; irão para o tesouro de
Yahweh.
O pecado - Js 7,1 Mas os filhos de
Israel cometeram uma transgressão no tocante ao anátema (herem), pois Acã [...]
tomou do anátema (herem); e a ira do Senhor se acendeu contra os filhos de
Israel.
A
confissão - 7,21
quando vi entre os despojos uma boa capa babilônica, e duzentos siclos
de prata, e uma cunha de ouro do peso de cinqüenta siclos,
cobicei-os e tomei-os
Ocorre que “anátema”, “coisa condenada”, “destruída” ou
“maldita” não traduzem bem o termo hebraico. Herem é coisa isolada, interditada
para um propósito específico. Não é sem razão que em alguns textos herem é
traduzido por rede (como em Ez 32,3, Hab 1,15). A semelhança de herem com harém (palavra árabe) não é coincidência. Harém
é lugar fechado só para mulheres (de um soberano). Herem é lugar sagrado, espaço interditado aos humanos.
Neste caso específico (aparentemente único, compare com 1Sm
15) além do herem que deveria ser destruído, uma parte precisava ser levada para o santuário, tais como
a prata o ouro e outros objetos valiosos. Acã tocou no herem - coisa isolada
para propósitos específicos conforme determinação de Yahweh - daí sua culpa. Se
tivesse salvado outra pessoa além de Raabe (livrada do herem) também teria sido
declarado culpado (cf. Lv 27,29). A mensagem do texto é clara: No herem, seja
ele reservado ao templo ou à destruição, não se toca (cf. Dt 13,17).
Apalavra herem como coisa separada para um propósito específico também
aparece em Lv 27,21:
“Mas o campo, quando sair livre no ano do jubileu, será santo (qodesh) ao Senhor, como campo consagrado (herem); a possessão dele será do sacerdote".
Em outros casos o termo “destruição”
cabe bem como tradução para herem, como neste texto de Ml 4,6:
“e ele converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha, e fira a terra com maldição (herem)”.
A narrativa presente nos capítulos 6 e 7 do livro de Josué tem claro caráter etiológico e visa explicar o porquê do vale ter recebido o nome de Acor (atormentado) e qual a origem de um amontoado
de pedras. Em 1Cr 2,7 o nome de Acan é mudado para Acar, dada sua semelhança
com Ocar, que significa perturbador. No jogo de palavras presente no texto
figuram: Acan e Acar (duplo nome atribuído ao personagem, cf. Js e Cr), Ocar
(=perturbador: predicado do personagem), Acor (=atormentado: nome do vale) e
finalmente Yahweh. Diz ao final Josué: “Por que nos perturbaste (Akartanu)?
hoje o Senhor te perturbará
(yakarkha) a ti”.
Mais que isso, o texto busca inculcar na cabeça do povo que não
se deve tocar nas coisas de Yahweh (que na verdade são dos sacerdotes).
Jones F. Mendonça
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