quinta-feira, 21 de novembro de 2019

ISMAEL NÃO RIA DE ISAAC

Gn 21,9 tem sido traduzido de diversas formas. Na NTLH, Sara fica indignada após ver que Ismael, “BRINCAVA com Isaac”. A versão ARA explica que a indignação ocorre porque Ismael “CAÇOAVA de Isaac”. Na NVI consta que Ismael “RIA de Isaque”. Quem traduziu corretamente? Qual a razão da indignação de Sara?

Os tradutores não chegam a um consenso porque o verbo “tzahaq” comporta diversos significados: “rir” (Gn 17,17 – sentido primário), “divertir” (Jz 16,25 – a diversão encontra no riso sua manifestação concreta), "insultar" (Gn 39,17 – riso como deboche) e até “namorar”: “Abimeleque viu que Isaac estava ‘tzahaq’ (rindo) com sua esposa Rebeca” (Gn 26,8). “Rindo”, aqui, é um eufemismo (provavelmente trocavam carícias). Voltemos a Gn 21,9.

O texto hebraico não diz que o filho de Hagar (Ismael) “brincava COM Isaac” (a expressão "com Isaac" só aparece na LXX). Diz simplesmente que Sara “viu que o filho de Hagar ria” (v.9). Mas ria de quê? Bem, o v.8 situa o episódio durante a festa de desmame de seu irmão Isaac. Nesse ambiente festivo Ismael ri (v. 9) e logo em seguida, no v.10, Sara pede a expulsão de Hagar e Ismael.

A raiva de Sara pode ser explicada caso entendamos o gracejo de Ismael como expressão da convicção de que o nascimento de Isaac não representava uma ameaça à sua porção da herança. É como se dissesse: “há, há, e daí que Issac nasceu. Ainda tenho parte na herança!”. O riso debochado explicaria a ira de Sara: “Expulsa esta serva e seu filho, para que o filho desta serva não seja herdeiro com meu filho Isaac” (v.10).

O Targum do Pesudo-Jonathan situa o riso de Ismael no contexto de adoração a um deus estranho: “Sara observou o filho de Hagar, o Mizreitha, a quem ela deu a Abraão, zombando em uma adoração estranha”. Mas esta explicação não pode ser autorizada pelo contexto. Minha tradução do v. 9 ficaria assim: “Ora, Sara percebeu que o filho nascido a Abraão da egípcia Agar, RIA” [da tentativa de aniquilar sua herança gerando outro filho].

Sim, era um riso zombeteiro, mas não dirigido a Isaque.



Jones F. Mendonça

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