Ano de 2016. Os responsáveis pela elaboração das provas do
ENEM encontram-se diante de um grave dilema. Sentem-se desconfortáveis em inserir
citações de Karl Marx nas provas após os protestos nas redes sociais. Tudo
porque o filósofo teria traído sua esposa com a empregada, vivido às custas de
um burguês e perdido três de seus filhos para o suicídio. Deram-se conta de que
boa parte do povo não consegue distinguir a vida acadêmica da vida pessoal. Uma
pena.
Depois dos protestos de Bolsonaro e Feliciano, a filósofa
francesa Simone de Beauvoir também acabou banida. Em sua ficha constam muitas imoralidades,
tal como o triângulo amoroso com Sartre e Olga Kosakiewicz. Simone também é
acusada de delitos graves como roer unhas, faltar às missas e, o pior: só tomar
banho aos sábados. Um absurdo!
Após pequeno burburinho alguém sugeriu o nome de Martinho Lutero,
mas foi imediatamente advertido de que - apesar de sua posição firme (e até “virtuosamente
violenta”) contra os camponeses insurgentes de 1524 – o reformador foi um
rebelde! Sua ousadia ao desafiar o papa, maior autoridade religiosa da época,
pode ser um estímulo à indisciplina dos jovens. Há ainda aquele texto de 1543
incentivando a queima de sinagogas... “Um perigo esse Lutero!”, gritariam os fundamentalistas milenaristas pró-Israel.
Um jovem professor negro anunciou com entusiasmo o nome de
Luther King. A indicação, infelizmente, logo perdeu força. Gravações feitas pelo FBI – explicou um jovem doutor - revelaram que o líder batista teve amantes. Além
do mais, como Lutero, pode ser visto como má influência para a juventude, pois sua
trajetória é marcada pela rebelião contra as leis do Estado.
Um professor de cabelos grisalhos propôs um personagem que
teria uma ficha totalmente limpa: Jesus Cristo. Mas o nome também trazia
problemas. Sua mãe casou-se grávida (Jesus não se enquadra no padrão familiar
proposto pela bancada evangélica, já que teve pai ilegítimo), andava na
companhia de gente considerada a “escória da sociedade” (como os sírios e
haitianos de Bolsonaro) e foi definido como subversivo pelas autoridades
religiosas (“subversivo” não é adjetivo adequado às pessoas de boa família). Para
piorar, é bem conhecida sua condenação num tribunal presidido por Pôncio Pilatos,
autoridade divinamente constituída.
O ENEM 2016 acabou cancelado por falta de santos.
Jones F. Mendonça
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