O livro bíblico de Cantares, com sua descrição calorosa da relação carnal entre um homem (Sholomoh?) e uma mulher
(Shulamit), sempre foi visto com reservas pelos doutores do judaísmo e do
cristianismo. Não foram poucas as tentativas feitas para suprimir o embaraço
despertado por sua leitura.
O rabino medieval Rabi Shlomo Yitzaki (1040-1105), por
exemplo, interpretou o saquinho de mirra entre os seios de Sulamita (Ct 1,13),
como sendo uma alusão à shekhinah (presença) de Deus entre os querubins da arca
da aliança. Trocando em miúdos: o saquinho de mirra representaria a presença de
Deus e os seios os dois querubins.
Para Cirilo de Alexandria (378-444 d.C.), os seios
representam, respectivamente, o Antigo e o Novo Testamento, entre os quais está
Cristo. Justo de Urgel, bispo de Valencia (século VI), identificou os seios com
os doutos professores da igreja (!), e o pseudo-Cassiodoro pensou que o
versículo se refere à crucificação de Cristo, que é mantido em eterna lembrança
entre os seios do crente (!). Será?
Bem, deixemos de lado as leituras alegóricas e atentemos
para um detalhe: no v. 13 o amado é comparado a um saquinho de mirra junto ao
corpo da mulher: “entre seus seios”. Seria de se esperar que o “cacho de cipro
florido” (nova metáfora para o amado, v. 14), fosse situado em outra parte do
corpo da mulher, mas o ele é colocado “entre os [ou nos] jardins de Engadi”, um
oásis nas proximidades do Mar Morto.
Então talvez os “jardins” não sejam exatamente jardins...
Jones F. Mendonça
Nenhum comentário:
Postar um comentário