O
livro deuterocanônico de Tobias na versão de Jerônimo (Vulgata Latina) possui
uma passagem muito curiosa a respeito da primeira noite de núpcias de Tobias e
Sara. Temendo o demônio Asmodeu, que sempre tira a vida dos pretendentes de
Sara, Tobias põe o coração de um peixe sobre a brasa do defumador (seguindo o
conselho do anjo Rafael, seu protetor) e ora ao Senhor pedindo-lhe misericórdia
e salvação. Após três dias de oração Tobias declara: “vós sabeis, ó Senhor, que
não é para satisfazer minha paixão que recebo minha prima como esposa, mas
unicamente com o desejo de suscitar uma posteridade”. Só então a união é
consumada. No final da história Tobias sobrevive à noite de núpcias derrotando
o demônio Asmodeu. Essa declaração, que não aparece em códices gregos do século
IV, foi inserida por Jerônimo (347-420 d.C.) com o propósito de fazer apologia à
continência sexual.
Mas
afinal, que medida tomada por Tobias foi capaz de livrá-lo das garras de
Asmodeu: 1) O coração do peixe queimado sobre a brasa do defumador? 2) A oração
piedosa? 3) a continência sexual que durou três dias?
Jerônimo, que chegou a dizer (citando Xystus) que “aquele que é muito ardente com sua própria esposa é adúltero” (Contra Joviniano, I, 49), certamente escolheria a terceira opção. Um manual católico do século XIX, seguindo a interpretação dada por Jerônimo, diz claramente que o livramento na noite de núpcias deu-se “por causa da continência dos recém-casados” (Kirchen-Lexicon, 1899). Justino Mártir (100-165 d.C.), bem antes de Jerônimo, já aconselhava: “Nós, ou nos casamos desde o princípio para a única finalidade de gerar filhos, ou renunciamos ao matrimônio, permanecendo absolutamente castos” (Apologia I, 29).
Jerônimo, que chegou a dizer (citando Xystus) que “aquele que é muito ardente com sua própria esposa é adúltero” (Contra Joviniano, I, 49), certamente escolheria a terceira opção. Um manual católico do século XIX, seguindo a interpretação dada por Jerônimo, diz claramente que o livramento na noite de núpcias deu-se “por causa da continência dos recém-casados” (Kirchen-Lexicon, 1899). Justino Mártir (100-165 d.C.), bem antes de Jerônimo, já aconselhava: “Nós, ou nos casamos desde o princípio para a única finalidade de gerar filhos, ou renunciamos ao matrimônio, permanecendo absolutamente castos” (Apologia I, 29).
Mas
é um erro pensar que os cristãos foram os pioneiros na valorização da abstinência
sexual. Musonius Rufos (ou Musônio Rufo), professor de filosofia estoica de
muitos legisladores romanos, declarava que “o ato sexual tem que ser um ato de
procriação” (Sobre a indulgência sexual, Discurso XII). Nesse mesmo texto
Musonius também condena a relação sexual entre homens, tida por ele como “coisa
monstruosa e contrária à natureza” (o texto lembra Rm 1,26!). Sêneca, outro estoico,
escrevendo a sua mãe Hélvia, assim se pronunciou em relação ao prazer sexual: “se
refletires que o prazer sexual não foi dado ao homem para o gozo ou a fruição,
mas para a propagação da espécie, então a luxúria não te tocou com seu sopro
envenenado, aquele outro desejo também passará por ti sem te tocar” (Consolação a Hélvia).
Ao
que parece, Paulo e os Pais da igreja, fortemente influenciados pelo ideal de
pureza herdado dos filósofos gregos (particularmente dos estoicos), foram os
grandes responsáveis pela visão negativa a respeito da atividade sexual no
imaginário religioso medieval. Oração e abstinência – pensavam alguns dos
primeiros líderes cristãos - são armas poderosas na luta contra os dardos
inflamados do diabo. Mas o “remédio” tem efeitos colaterais. Efeitos, aliás,
que ainda pipocam com muito vigor no seio da cristandade.
Jones
F. Mendonça
Fala dos efeitos colaterais, Jones Mendonça. A minha curiosidade foi despertada.
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