No domingo último uma multidão de fiéis das mais diversas religiões se reuniu num protesto contra a intolerância religiosa (leia a notícia abaixo). Fiquei pensando em algumas questões: será que todos os participantes tinham o mesmo propósito? O que motivou a organização do evento? E mais: O que é intolerância religiosa?
É de conhecimento público que a Rede Globo trava uma batalha contra a Igreja Universal, famosa por seus ataques diretos às religiões de origem africana. Seria o evento uma artimanha sutil da Globo para tirar a força da igreja de Macedo? Para mim pouco importa. Ainda que o evento tenha o “dedo” da Globo, a questão levantada pelo evento foi legítima. Não é raro ouvir sermões de evangélicos que ultrapassam os limites do bom senso.
Adeptos do candomblé, umbanda e quimbanda não agüentam mais ser tratados como religiosos de segunda classe. No meio “gospel” (que diferencio do termo “cristão”) os adeptos de religiões vindas da África são considerados adoradores dos demônios que fazem “trabalhos” para prejudicar outras pessoas. Essa é uma visão preconceituosa. Quando ouço alguém dizer que todas as religiões evangélicas são iguais sinto-me ofendido (e esse foi um motivo justo para que os evangélicos participassem do evento). Certa vez eu tentava explicar para algumas pessoas na igreja que há diferenças significativas entre a umbanda, candomblé e quimbanda. A resposta que obtive? “é tudo farinha dos mesmo saco!”. Confesso que minha convicção religiosa está em desacordo com muitos pontos dessas religiões, mas preciso respeitá-las.
Vez por outra encontro algum pastor reclamando por ter sido discriminado. Alguns relatam terem sofrido discriminação em tribunais, em estabelecimentos comerciais, na rua e até mesmo nas próprias igrejas. É isso o que acontece quando tratamos todos como se fossem “farinha do mesmo saco”. Se não queremos isso para nós porque tratar os outros assim?
Li um comentário de um leitor de jornal que dizia que o verdadeiro interesse da presença secretária de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, no evento, foi o de chamar atenção para a proibição da realização de culto evangélicos nos trens. Não tenho condições de avaliar a verdadeira intenção da secretária. Mas caso isso seja verdade, seria tal proibição um ato de intolerância? Se quisermos realizar cultos nos vagões precisamos permitir que outros também o façam. Acho que seria bem desagradável viajar em vagões superlotados com batuques, pandeiros, gritos de aleluias, axés, incensos e velas perfumadas. A maioria dos passageiros dos trens está indo para o trabalho, acorda cedo e deseja um pouco de sossego até chegar ao seu destino.
Entendo que o primeiro passo para a tolerância religiosa é buscar compreender melhor as religiões que nos cercam, lembrando que compreender não é o mesmo que concordar. O segundo passo é buscar dialogar com essas religiões. Só não dialoga aquele que se acha o único portador da verdade. Se já temos a verdade porque ouvir outras opiniões? Se já temos a verdade em que outra pessoa pode nos acrescentar?
Na época de Jesus os intolerantes eram os fariseus, saduceus, escribas, anciãos e sacerdotes, que na sua arrogância religiosa levaram para a cruz alguém que enxergava virtudes em pessoas julgadas impuras e desprezadas. Assim foi com a mulher sírio-fenícia, uma pagã que achava que só pela graça divina podia ser ouvida nas suas aflições. Assim foi com o centurião romano, que apesar de pagão manifestou uma fé que nem em todo o Israel Jesus encontrou.
Efatá!
Crédito da imagem:
BELLINI, Giovanni
Crucificação
1501-03
Oléo sobre tela, 81 x 49 cm
Coleção privada
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