sábado, 31 de agosto de 2013

O DEUS EXILADO: BREVE HISTÓRIA DE UMA HERESIA

Um pouco mais sobre a comunidade de seguidores de João Batista (mandeanos ou sabeus) pode ser encontrado no livro "O Deus exilado: breve história de uma heresia", escrito pela historiadora da USP, Marília Fiorillo. Também vale conferir uma entrevista concedida pela autora ao programa Millenium - Globo News. 


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

JOÃO BATISTA E OS MANDEANOS NO "THE BIBLE AND INTERPRETATION"

Aos interessados no cristianismo primitivo, gnosticismo e movimentos sectários do primeiro século, vale conferir o artigo escrito por James F. McGrath no The Bible and Interpretation (ago/2013): "Revisitando o mandeísmo e o Novo Testamento". 

Os mandeanos (de mandeu=conhecimento, citados no Corão como sabianos) constituem um grupo religioso formado - ao que parece - por herdeiros dos antigos seguidores de João Batista. Reverenciam o Batista como o grande profeta e rejeitam Jesus, tido como usurpador do movimento legítimo. Grupos de mandeanos podem ser encontrados em algumas regiões do Irã e do Iraque.  


Jones F. Mendonça

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

PROVOCAÇÕES

Aos católicos:
Ortodoxia é a heresia dos que venceram.
Heresia é uma ortodoxia que capitulou.
Dulia é latria de máscara e salto alto.  

Aos místicos
Deus é tudo e é nada.
É luz e é treva.
É dor, é prazer?

Aos reformados:
Predestinação é a doutrina dos eleitos.
Galardão, prêmio celeste aos que não merecem.
Réprobos são sempre os outros.

Aos fundamentalistas:
A Escritura é a palavra de Deus.
É Deus em palavras.
É o divino reduzido à letra.

Aos ateus:
Ateísmo é a fé no não-Deus. 
É a fé na negação.
Afirmação de uma piedade ao avesso.

A você:
Belo é o canto do Uirapuru.
Doces são os lábios da donzela.
Impiedosos são os laços do sheol.



Jones F. Mendonça

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A MÁSCARA DO PALHAÇO

Lá vai João, perdido em sonhos sob a tenda encantada.
Lá vai Funâmbulo, caminhando faceiro sobre o fio estendido.
Lá vai Faquista, dispensando setas com muita atenção.
Lá vai Palhaço, rindo aos montes da sua própria desgraça.

Querer sonhar,
Querer enfrentar,
Querer superar.
Querer disfarçar as dores e ocultar as mazelas com a face enfeitada.

Pobre Palhaço!


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

GADARA, GERASA, OS PORCOS E A LEGIO FRETENSIS

LXF=Legio X Fretensis
Evangelho de Marcos, capítulo 5, verso 1: Jesus atravessa o Mar da Galileia e chega à terra dos gerasenos (Gerasa). Mateus, capítulo 8, verso 28: Jesus navega pelo Mar da Galileia e desembarca na terra dos gadarenos (Gadara). Mas Gerasa (Marcos= 50Km a sudeste do Mar da Galileia) e Gadara (Mateus= a 12Km do mesmo lago) são cidades diferentes. Ambas são citadas por Plínio como pertencendo a uma liga de dez cidades romanas (Decápolis) fundadas em 64 a.C.

Diante da dificuldade quanto à distância que teria que ser percorrida pelos dois mil porcos até se precipitarem no mar, surgiram várias soluções: a) Orígenes sugeriu a cidade de Gersesa (sem nenhum fundamento), b) porcos endemoniados têm força sobrenatural (!), c) pouco importa, pois o relato não possui caráter histórico, mas consiste numa espécie de midrash do capítulo 14 do Êxodo (a exegese rabínica via sentidos velados no texto da Tanak). Quanto a esta última posição, vale comparar Êxodo com Marcos:
Ex 14,28 As águas, tornando, cobriram os carros e os cavaleiros, todo o exército de Faraó, que atrás deles havia entrado no mar; não ficou nem sequer um deles.


Mc 5,13 Saindo, então, os espíritos imundos, entraram nos porcos; e precipitou-se a manada, que era de uns dois mil, pelo despenhadeiro no mar, onde todos se afogaram.
O paralelo seria o seguinte: no Êxodo as tropas de Faraó foram destruídas pelo mar sob a liderança de Moisés. Marcos estaria insinuando que tropas romanas (legião) também seriam destruídas pelas águas, agora sob a liderança de Jesus (na parousia?), entendido como uma espécie de Messias político. A tese parece ganhar força quando vem à tona um importante detalhe: A Legio fretensis (legião romana), cujo símbolo era um javali (porco selvagem), estava situada na Síria desde o ano 6 d.C. (também usavam o javali como símbolo a Legio I Italica; XX Valeria-Vitrix e II Adiuntrix). Com a revolta judaica em Jerusalém na década de 60 d.C. a legião foi deslocada da Síria para a capital religiosa dos judeus (participou do cerco/destruição e passou a vigiar suas ruínas da cidade).

Caso esta seja a interpretação correta, a passagem jamais deveria ser utilizada para legitimizar atividades missionárias em terras estrangeiras, como geralmente se faz (tanto Gadara como Gerasa são cidades gentílicas e Jesus teria operado milagres em alguma delas). O texto seria uma crítica à ocupação das tropas romanas, instaladas no local desde 63 a.C. sob a liderança de Pompeu. Mas mesmo que esta última interpretação seja tomada como certa, fica a pergunta: por que Marcos escolheu uma cidade tão longe do mar da Galileia (Mt parece querer aproximar)? Mesmo que o relato não seja histórico seria de se esperar certa preocupação com os aspectos geográficos da região. Ou o autor do segundo Evangelho não conhecia bem a região da Galileia? 

O tema merece uma investigação melhor.


Jones F. Mendonça

Em tempo: Flávio Souza Cruz, do Ad Cummulus, acabou lendo meu texto e sugeriu uma resposta ao problema da distância entre Gadara/Gerasa ao "mar". Estou convencido de que ele matou a charada. Leia aqui um texto seu escrito em 2008. 

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

TEMPLOS, RITUAL E SIMBOLISMO CÓSMICO NO MUNDO ANTIGO [E-BOOK GRÁTIS]

Acabo de saber pelo Paleobable que o Instituto Oriental da Universidade da Chicago está disponibilizando gratuitamente o livro: "Heaven on Earth: Temples, Ritual, and Cosmic Symbolism in the Ancient World", editado por Deena Ragavan. O livro é ricamente ilustrado. 

Baixe aqui (clique na seta ao lado de "termos de uso"). 

Mais livros grátis no site aqui e aqui  


Jones F. Mendonça

LUTERO: “O DIABO É O DIABO DE DEUS”

Na perspectiva cristã há três personagens no Éden: Deus, o diabo e o ser humano. O humanismo eleva o homem. O dualismo maniqueísta eleva o diabo. A Reforma eleva Deus. É preciso estar atento: quando qualquer um dos três cresce, uma sombra cresce junto.

Se atribuirmos a Deus absoluta soberania (tudo o que ocorre é um desdobramento de seus decretos infalíveis) e o status de sumo bem (nele não há mal algum), o que resta ao diabo e ao humano?

Ora, se em Deus não há mal algum (não possui natureza dual), é preciso colocá-lo na conta do diabo. Mas Deus não é absolutamente soberano? Como o diabo poderia agir fora de seus decretos? Os reformadores admitem uma antinomia: tanto o diabo como o homem agem de acordo com Seus decretos, todavia são responsáveis pelo mal que praticam.

Com tal solução o diabo torna-se “o diabo de Deus” (frase de Lutero), uma espécie de “capitão-do-mato” dos céus. O homem torna-se um mero ser cuja vontade é “como um jumento, montada ou por Deus ou pelo diabo” (outra frase do reformador alemão). Deus usa o diabo para uma "obra alheia” (opus alienum), mas que ao mesmo tempo é sua “obra própria” (opus proprium). Confuso? Voltemos ao Éden.

Enquanto passeavam pelo jardim, homem e mulher cometeram uma infração. Mas a queda, segundo Calvino, já havia sido decretada por Deus. O diabo, travestido de serpente falante, foi um instrumento divino para que este propósito fosse cumprido. Deus é a mão, o diabo a lança, o homem a carne ferida.

A ferida infecciona. Calvino dispara: culpa do homem! Até há remédio, ele diz, mas só para os eleitos.


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

SEJA BÍBLICO, SEJA TRADIÇÃO![?]

Dica para encontrar o verdadeiro sentido das Escrituras segundo um escritor cristão: compare as versões e seja bíblico! Hummm, será?

O primeiro problema está na comparação entre as versões. Ora, comparar versões em busca da melhor tradução é como buscar a mais fiel reprodução artística de um rosto por meio da comparação entre as telas. O mais óbvio não seria comparar as reproduções com o rosto real? No caso do texto, seria preciso conhecer o “rosto original” (texto original, o autógrafo). Vale lembrar que neste caso não existe um “rosto original”, mas “cópias embaçadas do rosto original”. Tal tarefa, como se vê, é bem mais árdua.

O segundo problema está no imperativo “seja bíblico”. Ora, se o que o leitor está buscando é exatamente o sentido do texto bíblico, como ele poderá assumir uma postura bíblica antes mesmo de ter acesso ao texto?  Um argumento circular ingênuo. 

Os católicos ao menos são honestos. Sabem (e admitem) que no final das contas quem manda é a tradição. 


Jones F. Mendonça

sábado, 10 de agosto de 2013

DÉFENSEUR DU TEMPS




"O Defensor do Tempo", fantástico relógio autômato criado pelo artista Jacques Monestier em 1979. Infelizmente está parado por falta de manutenção. Mais informações aqui.


Jones F. Mendonça

terça-feira, 6 de agosto de 2013

ECCE HOMO

Homo sapiens que pensa, reflete, arrazoa. Animal que se distingue dos demais. Fala, expõe ideias, transmite cultura. Face inversa do homo demens da guerra, da barbárie, da crueldade e da cegueira. Homem, tumulto ambulante hospedando uma luta incessante entre racionalidade e a demência.

Homo ludens, que com seus brinquedos se diverte, expõe os dentes, ri. Histrião que articula a realidade com a fantasia. Que se lança ao jogo que fascina, que alegra, que faz esquecer as desilusões.  Dimensão humana que contempla o júbilo, a criatividade e a exultação, mas também transgressão, trapaça e ilusão. É homem em estado de festa, é homo festivus.

Homo faber, que com a ajuda do intelecto fabrica, constrói, manipula a natureza a seu favor por meio da técnica. Faz fogo, faz roda, faz anzol, faz choupana, faz livro, faz deuses, faz-se a si mesmo com seu espírito inventivo.

Homo viator, que caminha, peregrina, que é itinerante. Ser insaciável que explora o ar, a terra e o mar. Homem pleno de expectativas, que vê diante de si um futuro aberto, cheio de novidades e possibilidades. Pensa a respeito da vida e da morte, do finito e do infinito, do eterno e do fugaz. Quer ir mais longe (quer ir longe demais?). Que transcender...

Homo religiosus, cheio de fé, de ritos, de mitos, de esperanças. Homem que se curva diante do Mistério. Que geme em suas súplicas. Que se entorpece na cantoria. Que almeja o infinito. Que eleva os olhos para os céus em busca de redenção.

Homem, o que tu és e qual o teu destino?

Jones F. Mendonça


PS: As mulheres que me perdoem, mas na busca por uma melhor fluidez do texto vi-me forçado a empregar a palavra homem como sinônimo de humano. 


domingo, 4 de agosto de 2013

CAECA SOMNIA

Em 15 de junho de 1520 Lutero foi ameaçado de excomunhão. A bula Exsurge Domini condenou 41 de suas 95 teses. Como o monge agostiniano não se retratou, em 03 de janeiro de 1521, por meio da bula Decet Romanum Pontificem, o papa Leão X o excomungou. Lutero rebelou-se contra os “ungidos do Senhor”. Nascia a igreja protestante.

A grande ironia disso tudo? Pregadores televisivos, filhos bastardos da Reforma, me aparecem ameaçando fies que denunciam atos ilícitos cometidos por pastores, os novos “ungidos do Senhor”. E as ovelhas cegas, já sem pelo, totalmente tosquiadas pelos pastores pilantras, dizem amém!


Jones F. Mendonça






quarta-feira, 31 de julho de 2013

CAMBULHADA DA FÉ

Liturgia convoca os fiéis. Karisma grita aleluia. Ortopraxis faz caridade. Doxa acende uma vela. Teofania usa um véu. Sacramento eleva o cálice. Metanoia se dissolve em lágrimas.

Hamartia lava as mãos numa bacia. Escatologia olha para o céu. Heresia faz preces a um santo torto. Apologética torce o nariz. Dogma franze a testa. Excomunhão faz ameaça. Inquisição põe-se de pé.

Cisma discute com Ecclesia. Dialética faz perguntas. Homilia prepara um esboço. Teodiceia cria alvoroço. Exegese consulta um livro. Sistemática procura Doutrina. Antinomia provoca Teologia. Cúria entra em polvorosa.

Piedade reza um terço. Ladainha acompanha Beata. Devoção faz o sinal da cruz. Koinonia abraça Filia. Encarnação segura um crucifixo. Katarsis entre em êxtase.

Divina, no dorso de um querubim, apenas sorri.


Jones F. Mendonça

terça-feira, 30 de julho de 2013

O PAPA, OS GAYS E AS MULHERES

Numa conversa com jornalistas durante seu retorno ao Vaticano, o papa Francisco falou, dentre outras coisas, sobre o papel das mulheres na igreja e sobre o lobby gay. A entrevista, compilada por Jamil Chade e publicada no Estado de São Paulo (29/07/13), pode ser lida no site da IHU Unisinos.  


Jones F. Mendonça

quinta-feira, 25 de julho de 2013

ENCONTRADA A CASA DO PROFETA ELISEU [SERÁ?]

A CNN anunciou que o arqueólogo israelense, Amihai Mazar (primo de Eilat Mazar), encontrou uma casa onde pode ter morado o profeta Eliseu. Durante as escavações, em Tel Rehov, no Vale do Jordão, foi achado um vaso quebrado com uma inscrição que alguns sugerem ser o nome "Eliseu" (em hebraico: 'eliysha'), datado para o século IX a.C.

Está desconfiado como eu?

Algumas considerações importantes aqui


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 19 de julho de 2013

PALÁCIO DE DAVI DESCOBERTO: VERDADE OU FICÇÃO?

Segue trecho de um artigo sobre o anúncio da descoberta do palácio de Davi em 2005 publicado originalmente no The New York Times, e divulgado pela Folha de São Paulo:  
Uma arqueóloga israelense [trata-se de Eilat Mazar] diz ter descoberto em Jerusalém Oriental o lendário palácio do rei bíblico Davi. Seu trabalho foi apoiado por um instituto de pesquisa conservador de Israel e financiado por um banqueiro judeu americano [trata-se de Roger Hertog] que gostaria de provar que Jerusalém foi mesmo a capital de um poderoso reino na época de Davi, como diz a Bíblia.  
Confesso que achei a matéria tendenciosa (parece querer desacreditar a alegada descoberta). A ênfase no financiamento por parte de um judeu rico de Nova York e a expressão "instituto de pesquisa conservador" chamaram minha atenção. O fato é que tanto arqueólogos da chamada “escola minimalista” (Israel Finkelstein) como da “escola maximalista” (Yoseph Garfinkel) discordam da interpretação dada por Mazar. Quanto a este último é preciso dizer algo mais.

Garfinkel acaba de anunciar (18/07/13) a descoberta de ruínas do que teria sido o palácio de Davi, construído em Khirbet Qeiyafa, no vale de Elah (um palácio alternativo ao de Jerusalém, reservado para momentos de crise). Seu palácio real edificado na capital de Judá ainda estaria sob os escombros. O anúncio foi feito no último dia de escavação. Na opinião de Joseph Lauer tudo não passa de uma manobra para captar novos recursos. Será?

Conheço Garfinkel e Mazar de longa data e sei que a imparcialidade não é uma de suas virtudes. Escavam com a Bíblia numa mão e a picareta na outra. Tivessem achado um vaso com a inscrição MLK DWD (rei Davi) teria sido mais fácil sustentar a teoria.

Vale lembrar que a existência de um líder carismático chamado Davi raramente é contestada por quem estuda a história de Israel (a descoberta da estela de Tel Dan, com a inscrição BYT DWD – casa de Davi –, parece confirmar a existência de tal personagem). O que se discute é se essa figura realmente governou uma monarquia unida no século X a.C. 

Também nunca é demais destacar que as escavações em Israel geralmente ocorrem sob pressão política (legitimação de Jerusalém como capital de um antigo reino israelita unificado), religiosa (busca de provas que atestem a veracidade dos relatos bíblicos) e econômica (financiamento de pesquisas).

Texto editado em 22 de julho de 2013.

Jones F. Mendonça



quinta-feira, 18 de julho de 2013

LEITURA DIÁRIA

Todos os dias, enquanto tomo o café da manhã, visito uma série de sites que me mantém informado a respeito dos mais diversos assuntos. Minha leitura diária inclui os seguintes sites:  

Teologia:
Peroratio, Observatório Bíblico, RevistaBrasileira de História das Religiões, Oracula, Radio Vaticano, Biblical Archaeology Review, Israel Antiquities Authority, The Journal Hebrew Scriptures, Paleojudaica, Rollston Epigraphy, Biblical Studies and Technological Tools, Bible Places, Leon’s Message Board, Ferrel Jenkins, ASOR Blog, The Bible and Interpretation, Tabor Blog, Ritmeyer archaeological design, The Jewish Daily Forward, Tablet Magazine, Religion Dispatches, BBC Religion & Etics. 

Notícia:
Carta Capital, Opera Mundi, IHU Unisinos, OutrasPalavras, Haaretz (jornal israelense de esquerda), J Post (jornal israelense de direita), Arutz Sheva, Al Jazeera, Al Akhbar (jornal turco), Russia Today, Desert Peace, Mondoweiss, Guga Chacra.

Não será difícil achar os sites não “linkados” copiando e colando os títulos inseridos acima na barra de busca do Google.



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 15 de julho de 2013

MANIQUEU E O FACEBOOK EM PRETO E BRANCO

Juca Izquierdo posta uma imagem de Fernando Henrique Cardoso vestindo roupa listrada de presidiário com os dizeres: “o homem que vendeu o Brasil”. Zé Mania e mais um milhão de pessoas que aprenderam que privatizar é um verbo transitivo inventado e conjugado pelo diabo, compartilham e divulgam a campanha de repúdio ao ex-presidente simplesmente porque o “homem do Blog” disse que devem odiá-lo.

Zeca Conspira produz, com a ajuda do Photoshop, outra imagem onde aparecem Lula ao lado de Hitler, Mussolini, Stalin, Fidel Castro e o maníaco do parque. Em letras ensanguentadas os dizeres: “Foro de São Paulo prepara golpe comunista em toda a América Latina”. João Fantoche e mais dois milhões de pessoas que sequer conhecem as diferenças elementares entre os projetos da esquerda e da direita (o “filósofo do YouTube” disse que a esquerda está sob a égide do capeta e isso basta) compartilham a imagem.

E assim o Facebook vai servindo para propagar a crença num mundo reduzido a dois pólos apenas: o bem e o só mal; o certo e o errado; o justo e o injusto; o capaz e o incapaz; o Fernando e o Luiz (ou o Luiz e o Fernando).

Universo binário. Mundo em preto e branco. Medonha retórica bipolar de Maniqueu. 



Jones F. Mendonça

FOI-SE A POSTAGEM NÚMERO MIL

Acabei notando só agora que minha postagem anterior foi a de número 1000. Puxa, como escrevi ao longo desses quatro anos. 

Vez por outra penso em fazer uma revisão no Blog. Confesso que apagaria umas cem postagens (das mais antigas). Desde maio de 2009 muita coisa aconteceu. Colhi coisas novas, abandonei coisas velhas, embrenhei-me em temas diferentes, etc. Mas como daria muito trabalho revisar todas essas mil postagens, fica do jeito que está. 

Agradeço aos leitores pela fidelidade e pelos comentários (críticas, elogios, sugestões, etc.), que tem se mantido na média de 01 por postagem . Não é lá grande coisa quando comparado aos Blog mais populares, apesar disso sinto-me satisfeito. 


Jones F. Mendonça

sábado, 13 de julho de 2013

ALMA CANSADA

Um velho, cansado da vida, olha pela janela e vê alguns jovens fazendo um protesto. Diz: "jovens ingênuos, acham que podem mudar o mundo". Mal sabe a pobre alma cansada que se debruça sobre a janela que algumas vezes a ingenuidade é virtude.


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 12 de julho de 2013

FUNDAMENTALISMO II

Willian Pane Crash, famoso apologista cristão, doutor em filosofia pela faculdade de Westflubsxbzy sobe ao púlpito. Faz breves apresentações e diz que é possível apresentar argumentos racionais que justifiquem a presença de uma serpente falante no Éden. A plateia está ansiosa, afinal é muito elegante possuir argumentos racionais para a fé. Enfim, ninguém quer ser taxado de ignorante.

Crash começa seu discurso dizendo que tanto a ciência quanto a religião têm pressupostos nos quais se assentam. A ciência - enfatiza o doutor - observa, analisa, experimenta. Os cientistas crêem (ele enfatiza o “crêem”) que as observações, análises e experimentos científicos podem descrever a realidade. A religião, ele diz, crê (ele enfatiza o "crê") que um Deus Todo-Poderoso existe e que, portanto, pode fazer uma serpente falar. Partindo desse princípio, ele conclui: não é irracional dizer que uma serpente falou. Ah, tá...

PS: Meu amigo, se você crê que uma serpente falou no Éden, que árvores ardem sem queimar ou que machados flutuam, tudo bem, não se sinta envergonhado.  Todo mundo (ou pelo menos a grande maioria das pessoas) possui crenças que extrapolam os limites da razão. Agora para com essa conversa de “argumentos racionais”. Negócio doentio.



Jones F. Mendonça

FUNDAMENTALISMO I

Fila no banco. Atrás de você um sujeito puxa assunto. Abre o jornal e mostra uma matéria falando a respeito do engavetamento do chamado projeto de “cura gay”. Reclama que homossexualidade sempre foi considerada uma doença, mas de uma hora para a outra um grupo de psicólogos simplesmente resolveu “mudar as coisas”. Acha um absurdo. Você respira fundo. Faz uma pausa. Comete o primeiro erro: dá conversa.

Pacientemente você diz a ele que até o início do século XVI todos pensavam que a terra era o centro do universo. A partir de Copérnico a coisa mudou. Não é que a terra deixou de ser o centro do universo. Ela nunca foi. Apenas descobriram que a coisa não era assim. Talvez  com o homossexualismo tenha acontecido o mesmo. O sujeito fica indignado: “Então você compactua com esses psicólogos pós-modernos, neo-ateus e também nega que a homossexualidade seja uma doença?”. “Veja”, você responde, “não quero entrar no mérito da questão, só estou dizendo que seu argumento é falho, afinal nossas opiniões sobre as coisas mudam, e...”. Ele interrompe: “Mas está na Bíblia!”. Você faz uma nova pausa. Respira fundo. Comete o segundo erro: alimenta a conversa. 

A fila está bastante longa. Ainda há muito que esperar. Você é (como eu) uma daquelas pessoas (ingênuas?) que acha que sempre é possível dialogar com outro ser humano. Encontra um novo ânimo: “Atente para o seguinte, você não conhece minha religião, logo não pode usar a Bíblia para me convencer do que quer que seja”. O sujeito não perde tempo: “Ah, eu sabia. Então além de gay, você é ateu!”.

Moral da história: nunca, jamais, em hipótese alguma, discuta com um fundamentalista.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 11 de julho de 2013

INDULGÊNCIA PLENÁRIA: REMISSÃO DAS PENAS, NÃO DOS PECADOS

O site Genizah publicou artigo originalmente divulgado pela France Press, via G1, dizendo que o Papa Francisco concederá indulgência plenária aos fiéis que participarem da Jornada Mundial da Juventude. Há um erro no título do artigo publicado no site (e também no corpo do texto do artigo original). Diz o título: “Vaticano concede remissão dos pecados a participantes da Jornada Mundial da Juventude”. Ops, não é bem isso.

No entendimento dos católicos a indulgência plenária não tem poder de perdoar pecados, mas apenas suprimir as penas devidas pelos pecados, requeridas como compensação pela falta cometida (can. 993). Eu explico. O sacramento da penitência envolve três momentos distintos: a contrição (arrependimento), a confissão (ao padre) e a satisfação (reparação pela falta por meio de uma penitência , como rezas, peregrinações, boas obras, etc.). A indulgência plenária tem objetivo absolver o fiel da penitência exigida para que ocorra a satisfação.

No século XVI Lutero se impôs contras a venda de indulgências, ou seja, criticou a substituição das penitências públicas pelo pagamento em dinheiro (uma prática aparentemente oriunda do direito germânico). Entre o povo acabou sendo difundida a ideia - sob influência de alguns padres aproveitadores e a “vista grossa” do Papa – de que as indulgências perdoavam pecados. Lutero, imaginando que o Papa fosse ouvir suas denúncias (conf. art. 50: “se o Papa soubesse...”), escreveu, nos artigos 33 e 34:
33 Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é reconciliada com Deus.

34 Pois aquelas graças das indulgências se referem somente às penas de satisfação sacramental, determinadas por seres humanos.
Ao autor do post publicado no Genizah caberia corrigir o título: “Vaticano concede remissão dos pecados...” por “Vaticano concede remissão das penas devidas pelos pecados...”. Caberia ainda aos editores do site alertar os leitores do equívoco cometido pelo autor original do artigo (France Press). Fiz a sugestão aos editores do site, mas não parecem dispostos a corrigir a falha.

Apontar falhas na doutrina católica (e em qualquer outra) faz parte do jogo. O que não vale é criticar uma coisa que não existe. 

Leia o Decreto promulgado pelo Papa Francisco e publicado na Rádio Vaticano aqui

Jones F. Mendonça

quarta-feira, 10 de julho de 2013

PAPA DE TINTA: VERDADE EM GUACHE

O sujeito fica inconformado com o número absurdo de interpretações diferentes dadas a um mesmo texto bíblico. Ele pensa: “ora, o texto deve ter um sentido apenas. Devo me empenhar em descobrir seu sentido original, verdadeiro”. Então ele acaba conhecendo dois métodos de interpretação que o acaso lhe põe às portas: o método histórico-gramatical e o histórico-crítico. Abre parêntesis: há um grupo de exegetas que acha que o texto tem vida própria, fala o que der na telha dependendo do momento e do lugar. É como massinha de criança, ou boneco de ventríloquo, brinquedo maleável nas mãos do pequeno infante. Serve para divertir, não para interpretar. Desses nem vale a pena falar. Fecha parêntesis.

No âmbito protestante os que adotam o método histórico-gramatical possuem pressupostos metodológicos ancorados no dogma, verdade que nasceu do voto "inequívoco" dos antigos. O texto parece dizer “A”, mas na cartilha rota do dogma a orientação é que o texto diga “B”. Para estes não há o que discutir, o dogma tem sempre razão. Trata-se de um método bem parecido com o dos católicos. Entre eles se diz: Roma locuta, causa finita. No meio protestante, há os pequenos “papas de tinta”. São, como os de lá, “infalíveis”.  A diferença? Falam pela boca dos líderes denominacionais.

Os que adotam o método histórico-crítico buscam desnudar o dogma. Recusam-se a usar as lentes da tradição viciadas pelo uso. Querem lentes novas e límpidas, capazes de ver os pequenos fios entrelaçados que formam o texto. Desmontam, decompõem, fragmentam o texto em mil pedaços. Sugerem que ele possui muitas texturas, rica gama de cores, miríades de fios diferentes tecidos por uma centena de teares manipulados por hábeis mãos que atravessaram séculos no exercício da arte de fiar. O que descobrem geralmente não agrada os que foram iniciados no ofício de repetir, copiar e manter. A sombra do dogma lhes obscurece a vista. Onde parecia haver um camelo, vê-se que há um mosquito. Onde parecia haver um mosquito, vê-se que há um camelo.   Papa de tinta, verdade em guache.



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O ANTIGO TESTAMENTO EM POUCAS LINHAS

Clique para ampliar. Resolução: 1066 x 798

Trata-se de uma narrativa simples, sem qualquer tipo de observação crítica. O objetivo é apresentar um panorama da história de Israel (conf. Bíblia hebraica) com o auxílio de um mapa.  

Pentateuco - Abraão sai de Ur dos caldeus[1] e migra para Canaã, na costa oriental do Mediterrâneo (cap. 12 do Gênesis). Seu pai morre em Harã[2] e o patriarca prossegue viagem até que chega a seu destino[3]. Por causa da fome os descendentes de Abraão (Isaque > Jacó > 12 filhos) migram para o Egito[4]. Alguns séculos depois os descendentes de Abraão, Isaque e Jacó seguem para Canaã sob a liderança de Moisés (Êxodo). Ele atravessa o Mar Vermelho [5], recebe a Lei no Sinai [6] e peregrina pelo deserto (Levítico, Números) por cerca de 40 anos[7]. Ao fim desse período Moisés morre no Monte Nebo[8] (Deuteronômio).

Livros históricos - Josué, seu auxiliar, atravessa o Jordão [9] e destrói Jericó, Ai e outras cidades do do sul (como Hebrom) e do norte (como Hazor). Segue-se um período de batalhas lideradas por heróis regionais carismáticos chamados de juízes. Samuel, o último juiz (que também é sacerdote e profeta), inaugura a monarquia em Israel ungindo Saul. Antes que Saul morra Davi é ungido rei em Hebrom[10] pelo mesmo Samuel. Salomão, filho de Davi reina em seu lugar (início do livro dos Reis), mas por causa dos altos impostos o reino de Israel acaba se dividindo entre Roboão (seu filho), ao Sul, e Jeroboão (um líder carismático exilado por Salomão no Egito), ao Norte. Samaria[11] se consagra como capital do reino do Norte (sob o governo de Omri). Em 722 é destruída pela Assíria [12]. Jerusalém, que se firmara como a capital do Sul[13], é tomada pelos babilônios[14] em 586. Babilônia cai nas mãos de Ciro, o persa, em 537. O povo exilado recebe autorização do monarca para retornar à Judá (final do livro de Crônicas) e o templo é reconstruído em 515 (Esdras e Neemias).

Ah, o mapa foi feito no Power Point. 

Jones F. Mendonça

terça-feira, 2 de julho de 2013

PERPÉTUO DEVIR

Ponta de lança, escudo feroz, cheiro de guerra no ar.
Dentes risonhos, taças de vinho, tempo de paz no reino de luz.
Mar bravio, velas sem rumo, Netuno que agita o abismo sem fim.
Espelho d’água, lago sereno, dorso da noite sob o luar.

Flechas que mancham.
Salpicos da vide.
Reino de nobres, guerreiros, servos, bufões, donzelas de delicada tez,
todos a rir e a chorar ante o inexorável e difuso fluxo do devir.


Jones F. Mendonça


quarta-feira, 26 de junho de 2013

A DIALÉTICA EM HERÁCLITO, PLATÃO, ARISTÓTELES, HEGEL, MARX E BARTH

Compreender termos teológicos ou filosóficos a partir de obras especializadas geralmente é uma tarefa espinhosa para quem está iniciando os estudos nessas áreas. Sempre correndo o risco de simplificar demais o trabalho filosófico dos grandes pensadores, resolvi escrever um pequeno ensaio sobre a dialética, buscando explicar o termo da maneira mais simples e didática possível no âmbito das diversas escolas filosóficas. Apesar de ter consultado muitas obras optei por não citá-las a fim de tornar o texto mais fluido. Espero que ajude.

Um bom ponto de partida para compreender o que vem a ser dialética (dia=um para o outro + legein=dizer, explicar) é conhecer as ideias de Heráclito.

Heráclito (540-476 a.C.): Atribui-se a Heráclito de Éfeso a criação de uma nova forma de ver o mundo, a dialética (ainda que o termo só tenha sido empregado mais tarde, por Platão). Discordando dos eleatas, filósofos da cidade de Eleia que defendiam um universo de estado imutável, Heráclito dizia que a natureza está sujeita a uma única lei: a lei da mudança. “Ninguém pode se banhar duas vezes no mesmo rio, porque o rio não é mais o mesmo”, dizia o filósofo. Para Heráclito tudo está em constante transformação, “tudo flui” (gr. panta rei), e não há nada que seja perpétuo, exceto o constante devir (ou vir-a-ser). “O que se opõe coopera, e da luta dos contrários procede a mais bela harmonia”, insistia o filósofo de Éfeso.

Platão (424-347 a.C.): Platão é bem conhecido por ter sido discípulo de Sócrates e de ter fundado a Academia, uma escola dedicada à ciência e à filosofia que se reunia no jardim de Academo. Para Platão é por meio do diálogo e da conseqüente confrontação de ideias que os equívocos são eliminados e a verdade aparece. Em Platão a dialética é um instrumento de busca da verdade. É importante compreender que para Platão “aprender não é outra coisa senão recordar”. Para ele o conhecimento racional jaz dormente na alma e precisa ser despertado. E como se acorda esse “conhecimento latente”? Por meio da dialética, responderia o filósofo. Assim, a dialética de Platão pressupõe a pré-existência da alma e o inatismo das ideias. A dialética platônica se expressa nos diálogos escritos pelo filósofo, particularmente nos chamados “diálogos da maturidade”, tais como o Menon, o Fédon e a República.  

Aristóteles (384-322 a.C.): Aluno de Platão e filho de um médico, Aristóteles se tornou mestre de Alexandre, o Grande. Em Aristóteles a dialética constitui a parte da lógica que estuda os raciocínios prováveis. Não trazem certeza nem descobrem a verdade como em Platão, mas opinião ou probabilidade. No pensamento do filósofo a dialética declina em favor do método analítico (silogismo demonstrativo ou científico), ganhando um sentido negativo ou até mesmo pejorativo. A relação entre dialética e analítica é tratada no Organon. A diferença entre esses termos diz respeito, acima de tudo, às premissas: a analítica decompõe silogismos e demonstrações científicas (fundamentos seguros); a dialética tem a ver com o ato retórico de persuasão (premissas não isentas de dúvidas).

Hegel (1770-1831): Há quem considere a filosofia hegeliana como um imenso e elaborado platonismo, mas é importante destacar que Hegel repudia qualquer visão de dois mundos. Para ele as ideias estão nas coisas, como Aristóteles. Como já foi apresentado, a dialética repousa nas contradições internas, ou nos opostos presentes em todas as áreas da vida humana. Para Hegel a dialética é o movimento racional que nos permite superar essas contradições. A dialética de Hegel é concebida em três etapas: tese (afirmação), antítese (negação) e síntese (negação da negação). Tese e antítese são sempre falsas, mas impelem para uma síntese que concilia os opostos que eram excludentes. O conhecimento é considerado como um processo contínuo, histórico e progressivo. A filosofia hegeliana é considerada idealista porque busca explicar a evolução do mundo pela evolução da ideias. Hegel achava que o homem poderia transformar a realidade de acordo com critérios racionais: mudam-se as ideias, mudam-se as coisas. Colocando em outros termos: “A verdade é o movimento da ideia”.

Karl Marx (1818-1883): o filósofo alemão converteu a dialética em um método com a ajuda de Friedrich Engels, seu parceiro na elaboração do Manifesto Comunista. Ele inverteu a dialética hegeliana sugerindo que o mundo material é o fundamento das ideias e não o contrário como anunciava a filosofia idealista de Hegel.  Em suma: “as coisas vão de transformando e as ideias vão atrás”. Em primeiro lugar vem a natureza, que é transformada pela ação humana em meios de produção (relações materiais=infraestrutura). São essas relações materiais, segundo Marx, que sustentam todos as crenças, ideias, teorias e pensamentos da sociedade (ideologia=superestrutura). Em termos mais vulgares: “segundo vive o homem, assim ele pensa”. Ainda que tenha insistido que a superestrutura é reflexo da infraestrutura, Marx acentuou que ambas acabam por se influenciar reciprocamente (repudiando o materialismo mecanicista).

Karl Barth (1886-1968): A teologia de Barth é denominada dialética porque para ele o falar de Deus sempre expressa simultaneamente um sim e um não: está distante, mas também está próximo; sua Revelação, a Bíblia, é simultaneamente palavra de Deus e palavra de homens. Em seu comentário sobre Epístola aos Romanos, de 1919, Barth elaborou a dialética entre tempo e eternidade e entre Deus e o homem. Ora, se o homem e Deus estão numa relação antitética (de oposição), em que medida é possível encontrar uma síntese? Como superar a presença simultânea do “sim” e o “não” que atravessam o homem? Atormentado pelo fantasma de Hegel, Barth saiu em busca de uma resposta. Rejeitando as soluções dadas pela teologia natural (superação da dualidade pela razão humana) e pela teologia mística (superação da dualidade pela contemplação), o teólogo chegou a conclusão de que o homem não pode se livrar de sua “dualidade demoníaca” senão pela redenção, uma revelação exclusivamente vertical (de cima para baixo, como na tradição calvinista). Só ela permite ao homem saber que está numa condição de alienação e de morte. Enfim, o laço da contradição que atormenta o homem só pode ser desfeito por iniciativa divina. No ato da encarnação (visto como um ato de amor) Deus se faz culpado da contradição contra si mesmo. Dado o seu caráter dialético, a teologia Barth também ficou conhecida como “teologia da crise”. Entre os discípulos de Barth que mais se destacaram figuram Emil Brunner e Friedrich Gogarten.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 25 de junho de 2013

CONSPIRAÇÕES FACEBOOKIANAS

A turbulência política pela qual tem passado o país tem impulsionado o surgimento das mais bizarras teorias dispostas a explicar as manifestações populares e seus desdobramentos futuros: golpe militar, conspiração da CIA e do Mossad, plano malévolo da direita para derrubar o governo Dilma, engodo do PT para manipular o povo e se perpetuar no poder, macumba, vodu, invasão alienígena, Godzilla integralista, Pokemon conservador, Gays do Arco-íris-purpurado, Burgueses de Além-mar, Satanás materialista-histórico-dialético, etc., etc.

Mães Dinás, Nostradamus virtuais, engenhosos prognosticadores facebookianos...


Meus Deus! 

Jones F. Mendonça

segunda-feira, 24 de junho de 2013

VÃO AS LEIS COMO QUEREM OS REIS

Século XVI, década de 30. Lutero, escandalizado com as teorias heliocêntricas de Copérnico publicadas em seu Commentariolus, em 1513-14, saiu-se com essa: 

“O povo dá ouvidos a um astrólogo pretensioso que se empenha em mostrar que a terra gira, e não os céus e o firmamento, o sol e a lua... Esse louco quer reverter o esquema inteiro da astronomia; as Santas Escrituras, porém, falam-nos que Josué ordenou ao sol quedar fixo, e não a terra”[1].

Calvino, numa exegese um tanto duvidosa, arrematou com o Salmo 93,1: “Firmou o mundo que não vacila”. E acrescentou: “Quem se aventuraria a colocar a autoridade de Copérnico acima da do Espírito Santo?”[2].

Quinhentos anos se passaram. A Bíblia ainda é um vaso na mão do leitor-oleiro. A interpretação é literal apenas quando e enquanto convém. Vale o ditado latino: “Quae vult rex fieri, sanctae sunt congrua legi” (vão as leis como querem os reis).  

Notas:
[1] Lutero, Table Talk , 69, in Fosdick, Great Voices of the Reformation, XVIII apud DURANT, Will. A Reforma, 2001, p. 724.
[2] In Russel. B, Hy of Western Philosophy, 528 apud id ibid.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 18 de junho de 2013

MONGE REBELDE: ALEMANHA EM CHAMAS

Em outubro de 1517 Lutero divulga suas famosas 95 teses contra as indulgências. Em janeiro de 1521 o reformador é excomungado com a Bula Decet Romanum Pontificem. A Alemanha entra em convulsão. 

Fico imaginando se a revista Veja já existisse naquela ocasião: “LUTERO, O MONGE REBELDE: A ALEMANHA EM CHAMAS!”. Na mesma linha seguiriam Reinaldo Azevedo (o blogueiro mais azedo da Veja) e Olavo de Carvalho (o filósofo super pop das massas). Diriam que a revolta é absurda e que é preciso deter o “padreco rolabosta”.

Talvez você seja católico e diga que a revista e os dois homens têm razão. Tenho outra carta na manga. Em 1525 explode a revolta dos camponeses na Alemanha. Lutero condena os revoltosos e justifica a servidão com um texto da Bíblia. Diz que Abraão tinha servos e que o mundo não sobreviveria sem a existência deles. Em seguida escreve um texto duro contra os camponeses (Contra os ímpios e celerados bandos de camponeses). “Sufoquem no sangue a rebelião!”, grita o reformador. Capa da revista Veja: “LUTERO, BASTIÃO DA JUSTIÇA E DA ORDEM”. Reinaldo e Olavo exaltariam o reformador pela coragem em condenar a rebeldia daqueles “camponeses vagabundos”, gente ignorante e mal educada.

No mundo há pessoas ingênuas o suficiente para pensar que o mundo conhecerá mudanças apenas com o voto, com preces e orações. 



Jones F. Mendonça

terça-feira, 11 de junho de 2013

VERDADES NÔMADES, SENTIDOS ERRANTES

Alguns rabinos estão a discutir a respeito da consoante que inaugura o livro de Bereshit (Gênesis). Querem saber por que o primeiro livro da Torá começa com a segunda letra do alfabeto hebraico (beyt) e não com a primeira (álef). É um belo final de tarde e um raio de luz atravessa a janela da sinagoga. Os talmidim (discípulos) estão ansiosos pelas respostas que serão apresentadas por seus mestres.

Um dos rabinos se levanta e diz: “A letra beyt é a segunda letra do alfabeto e também simboliza o número dois. O que nos ensina que para criar o texto bíblico foram necessárias pelo menos duas pessoas: Deus e o seu parceiro, o ser humano”. Outro rabino se põe de pé e apresenta uma explicação diferente: “O beyt é a letra de bênção (berakhá) e o álef a da maldição (arirá)”. Um terceiro rabino se levanta e apresenta uma explicação baseada no formato da letra beyt. O ferreiro martela a bigorna. Saem faíscas mil. Texto, depósito de infinitos sentidos.

Com um método de leitura desses não há qualquer diferença entre ler o Corão, os Vedas, o Avesta, uma receita de bolo ou uma lista telefônica. O que dirige a leitura é o devaneio criativo do leitor. Texto, caleidoscópio de sentidos. Gaveta de segredos da alma.

Talvez revele algo sobre o leitor. Já em relação ao redator...


Jones F. Mendonça


BRANDON FIELDS - MISTY


sábado, 8 de junho de 2013

quarta-feira, 5 de junho de 2013

UM ENCONTRO COM DEUS

A menina morre e tem um encontro com Deus. Mas para sua surpresa...

Sobra até para o Malafaia. 


SOBRE AS MULHERES E A DOMINAÇÃO MASCULINA

No quesito força física o homem sempre esteve em vantagem em relação à mulher, por isso a dominava. Então veio a Revolução Industrial. As máquinas substituíram a força do braço pela força do carvão, da energia elétrica, etc. Houve um nivelamento. A fêmea, tão hábil e inteligente quanto o macho, passou gradativamente a ocupar o espaço até então dominado pelo sexo oposto. 

E esta é a pequena história de como o homem entrou em crise...


Jones F. Mendonça

terça-feira, 4 de junho de 2013

TEOLOGIA EM BORRA DE CAFÉ

Aula de hebraico. Assim que conhece o alfabeto, o aluno pergunta pelo significado das letras. Quer saber, por exemplo, o significado do álef, primeira das 22 consoantes que compõem o alfabeto hebraico. Digo que essa letra deriva de um antigo pictograma que representa a cabeça de um boi. Explico que a letra, em sua forma primitiva, apareceu pela primeira vez na península do Sinai por volta de 1500 a.C. (há quem pense que foi inventada por garimpeiros a partir de alguns hieróglifos egípcios). Os fenícios, exímios navegadores e comerciantes, difundiram o alfabeto inventado no Sinai. O antigo pictograma foi sendo modificado pelos gregos e romanos até que se converteu no nosso “A” (no hebraico e no fenício o álef é consoante e não vogal).

O aluno diz ter lido num livro que o álef representa “o potencial não realizado” e “o som que existe antes do som”. Ouviu dizer que a mudez da letra (o álef é uma consoante sem som) faz alusão ao silêncio do ser humano diante da imensidão do universo. Por fim afirma ter ouvido de um rabino que os pequenos sinais que aparecem no canto superior direito e inferior esquerdo entre o traço diagonal que forma o álef representam, respectivamente, as águas superiores (alegria por estar perto de Deus) e inferiores (tristeza por estar longe de Deus). Enfim, pensou que a consoante tivesse algum significado especial, profundo. Um código secreto, talvez. Fica decepcionado.

Aconselho-lhe o tarô, a gematria, a kabalah, a adivinhação em borra de café, tripas de ave, runas, bola de cristal, etc. São caminhos diferentes que trabalham com o mesmo elemento: a imaginação criativa do sujeito.



Jones F. Mendonça