O beijo de Judas (1300-50) - Italian Unknown Master |
Diante da recente polêmica em torno do fragmento copta que sugere uma relação amorosa entre Jesus e uma mulher desconhecida, apresento abaixo alguns textos de cunho gnóstico que insinuam que a relação de Jesus com Maria Madalena tinha um caráter singular. Tais documentos não constituem prova ou evidência de que Jesus foi casado, mas refletem crenças e costumes de uma comunidade cristã que rivalizava com o “cristianismo ortodoxo”. Tal rivalidade é bem expressa no Apocalipse de Pedro, que chama os bispos e diáconos de “canais sem água”.
As citações vêm da
seguinte obra:
PROENÇA,
Eduardo de (Org.). Apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia. São Paulo: Fonte
Editorial, 2005.
Informações técnicas:
OTERO,
Aurelio de Santos. Los Evangelios apócrifos. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 2005.
VIELHAUER,
Philipp. Introducción al Nuevo Testamento, los apócrifos y los padres
apostólicos. Salamanca, Ediciones Sígueme, 1991.
1. O Evangelho de Felipe:
Informações técnicas
Escrito
esotérico para iniciados na Gnose de corrente valentiana - Códice II de Nag
Hammadi, fls. 51-86 - datado para o IV século, com origem no final
do século II e início do século III (Otero, 2005, p. 387). Foi descoberto em
Nag Hammadi, Egito, ao lado de outras obras autodenominadas “Evangelho”: o
“Evangelho segundo Tomé”, o “Evangelho dos Egípcios” e o “Evangelho da Verdade”
(VIELHAUER, 1991, p. 272).
Trecho:
[O Senhor amava Maria] mais do que a todos os discípulos [e] a beijou na [boca repetidas] vezes. Os demais [...] lhe disseram: “Por que a queres mais do que a todos nós”? O Salvador respondeu e lhes disse: “A que se deve isso, que não vos quero tanto quanto a ela”?
2. O Evangelho de Maria
Madalena
Informações técnicas
Escrito
gnóstico que considera Maria Madalena como depositária privilegiada das
confidências de Jesus. Em diversos escritos gnósticos Madalena é a
personificação terrena da gnose que se une ao masculino (Jesus). Os papiros de
que dispomos, escritos em grego (fragmentos) e em copta (maior parte), são do
século III, mas remontam a textos produzidos no século II (Otero, 2005, p. 39).
Trecho:
Depois de ter dito isto [revelações feitas por Jesus], Maria Madalena se calou, pois até aqui o Salvador lhe tinha falado. Mas André respondeu e disse aos irmãos: “Dizei o que tendes para dizer sobre o que ela falou. Eu, de minha parte, não acredito que o Salvador tenha dito isso. Pois esses ensinamentos carregam ideias estranhas”. Pedro respondeu e falou sobre as mesmas coisas. Ele os inquiriu sobre o Salvador: “Será que ele realmente conversou em particular com uma mulher e não abertamente conosco? Devemos mudar de opinião e ouvirmos ela? Ele a preferiu a nós? Então Maria Madalena se lamentou e disse a Pedro: “Pedro, meu irmão, o que estás pensando? Achas que inventei tudo isso no meu coração ou que estou mentindo sobre o Salvador?” Levi respondeu a Pedro: “Pedro, sempre foste exaltado. Agora te vejo competindo com uma mulher como adversário. Mas se o Senhor a fez merecedora, quem és tu para rejeitá-la? Certamente o Salvador a conhece bem. Daí tê-la amado mais do que a nós”.
Jones
F. Mendonça
"Daí tê-la amado mais do que a nós”.
ResponderExcluirInteressante o contraste com o evangelho de João, que repetidas vezes se afirma como o discípulo que Jesus mais amava.
Fico pensando no bem que teria feito às igrejas e ao mundo se um texto como o segundo fosse considerado canônico: o machismo e patriarcalismo poderiam ter sido bem menores ou até já desaparecido dos países de maioria cristã. Quem sabe não houvesse polêmica sobre sacerdócio feminino nas igrejas tradicionais... E haveria um belo contraste entre esse texto os as cartas de Paulo, que não são lá tão simpáticas às mulheres.
Ricardo
Ricardo,
ResponderExcluirPois é. Argumenta-se que o gnosticismo incorporou ensinamentos estranhos aos anunciados por Jesus nos Evangelhos. Mas e o que dizer de Paulo, que chega a justificar teologicamente a posição inferior da mulher?
Não tenho certeza se o triunfo do "cristianismo gnóstico" daria origem a um cristianismo "melhor". Mas ele seria, com certeza, menos sexista e mais tolerante.
Grande abraço!