terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

SOBRE AS TRADUÇÕES DA BÍBLIA

1. O conjunto de livros que convencionamos chamar de “Antigo Testamento” – ou para usar um termo politicamente correto, “Primeiro Testamento” – foi escrito no idioma hebraico. Das oito mil palavras que aparecem no texto, cerca de 25% são consideradas como hápax legómena, ou seja, só ocorrem uma única vez, por isso são termos difíceis de traduzir.

2. Algumas dessas hapáx derivam claramente de outras palavras hebraicas, característica que facilita a tradução. Mas a coisa se complica bastante quando o tradutor se depara com um hápax absoluto (ocorrem cerca de 400 vezes), item lexical realmente único, cuja tradução não pode ser feita a partir da relação semântica com outro termo hebraico, de mesma raiz. Qual a saída?

3. Bem, quando isso acontece, o tradutor pode recorrer a traduções do texto hebraico para outros idiomas (como a Septuaginta) ou aos chamados “cognatos”, palavras pertencentes a outro idioma (como o acadiano) que provavelmente deram origem ao hápax. Ocorre que esta solução traz grande grau de incerteza, porque a semelhança entre palavras de idiomas diferentes pode ser mera coincidência (falso cognato). Mas caso este termo esteja presente em um texto poético, há outra saída.

4. Tomemos, por exemplo, o Salmo 21,3:
“Concedeste o desejo do seu coração,
não negaste o aresheth de seus lábios” (aresheth só ocorre aqui)
5. Esse tipo de construção textual – uma marca da poesia hebraica – é conhecido como “paralelismo sinonímico”: a linha de baixo repete a ideia presente na linha de cima com palavras diferentes. Assim, podemos deduzir que o termo hápax “aresheth” possui sentido bem próximo do termo "ta’avah", traduzido por “desejo” na linha superior.

6. Uma tradução possível é:
“Concedeste o desejo do seu coração,
não negaste a súplica de seus lábios” (desejo verbalizado).


Jones F. Mendonça

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