São evidentes as relações entre o substantivo e o verbo em
nosso idioma: O verbo “comer”, por exemplo, está para o substantivo “comida”,
assim como o verbo “escovar” para o substantivo “escova”. Em diversos idiomas a
coisa funciona assim.
Com o hebraico bíblico não é diferente. Mas algumas dessas
relações causam certa estranheza. Um exemplo: o substantivo “vestido” (= “pano
para cobrir”) e o verbo “falsear” vêm de uma mesma raiz (BGD). “Vestido” é
grafado como BeGeD e “falsear” como BaGaD. Mas que ligação poderia haver entre
as duas palavras?
Uma boa pista aparece em Jr 12,1: “Por que prosperam
tranquilamente todas as VESTES (beged) DE FALSIDADE?” (bagad).
A relação parece ser a seguinte:
- O verbo BaGaD indica uma “ação de cobrir com tecido” (ou
de ocultar, e, por conseguinte, de falsear, enganar, etc.).
- O substantivo BeGeD indica “aquilo que serve para cobrir”
(ou simplesmente, “tecido”, “veste”, “roupa”, etc.).
A questão foi levantada ontem, em salada de aula pelo Lucas
Bernardes, enquanto discutíamos o que seriam as “vestes sujas” do sacerdote
Josué em Zc 3,3. O dicionário Strong traduz - em sua primeira opção - BeGeD
como “engano” e não como “vestes”. Caso seguíssemos o conselho do Strong, o
texto seria traduzido assim: “Josué estava vestido de ENGANOS SUJOS”!
Moral da história: traduzir textos, sobretudo textos
antigos, jamais poder ser uma atividade mecânica. É preciso compreender a
cabeça, o mundo no qual estava inserido o escritor do texto.
Jones F. Mendonça