Sofrência não se contentava em acumular memórias amargas. Suas dores
mais profundas eram cultivadas na mobília da casa. Na cômoda guardava em estojo estofado o anel de
um noivado acabado. Na parede o diploma de uma profissão que jamais exerceu. No porão o dileto gato, agora empalhado. Na estante o
retrato do pai que nunca a amou. Foi aconselhada a desintegrar tudo num rito
solene. A celebrar vida nova em fogo festivo. Mas optou pela agonia perpétua,
pela conservação da amargura. Insistia
em manter suas âncoras no passado sombrio. Mórbido desejo, aspiração doentia. Ao preservar nos cômodos do lar suas relíquias tóxicas mais sagradas, perdeu-se nos destroços do passado. Ao continuar derramando lágrimas nas subterrâneas
cisternas da alma, afogou-se em suas próprias recordações.
Jones F. Mendonça
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