quinta-feira, 21 de maio de 2015

MONOTEÍSMO E MONOGAMIA

Mulheres com o rosto borrado no jor-
nal ultra ortodoxo B'Hadrei Haredim.
O cristianismo já nasceu monogâmico. A razão é simples: como a poligamia não era aceita no mundo greco-romano, “ser marido de uma só mulher” passou a ser o modelo adequado de relação conjugal (orientação aos epískopos, cf. 1Tm 3,2). Numa perspectiva econômica (romana) a monogamia concentrou a riqueza e diminuiu o número de herdeiros. Cabia à mãe gerar filhos (matrimonium = mater, mãe + monium, ofício) e ao marido gerar bens (patrimonium = pater, pai + monium, ofício). Numa perspectiva religiosa (cristã), passou a ser vista como mandamento divino e o sexo – já bem cedo - tido como exclusivo à procriação (p. ex. Justino Mártir, Apol I, 29; Clemente de Alexandria, Pedágoge II, 10).

Embora muita gente não se dê conta, o abandono da poligamia no judaísmo foi um processo lento. Joachim Jeremias, em seu “Jerusalém no tempo de Jesus” (pp. 131-136 e 486) registra - citando diversos documentos judaicos - a prática da poligamia entre judeus na Palestina do primeiro século (e até mesmo no início do século XX!). Mas a vida na Europa forçou muitos judeus a se adequarem ao modelo familiar monogâmico cristão. A poligamia foi sendo abandonada gradativamente até que foi definitivamente condenada num "sínodo" realizado em Worms, no século XI. Nessa assembleia, dirigida pelo erudito talmúdico Gershon ben Yehudah (960-1028) e constituída por cem rabinos, foi proferida uma anátema contra todo o israelita que, no futuro, tivesse mais de uma esposa (um pouco mais sobre o assunto aqui).

A crença na “superioridade moral” do judaísmo sobre o islamismo no que diz respeito ao trato dispensado às mulheres parece-me um equívoco, principalmente quando a fonte de comparação baseia-se no contraste entre o Estado de Israel (tradição judaica) e os demais países do Oriente Médio (tradição muçulmana). Ora, Israel foi povoado por imigrantes pertencentes a duas categorias principais: 1) judeus desejosos por criar uma nova cultura judaica em bases seculares; 2) judeus de base religiosa tradicional. A difusão de valores ocidentais baseados em princípios de liberdade, igualdade e fraternidade ganharam espaço graças a esses imigrantes de base secular. Isso torna Israel um país singular no Oriente Médio, mas essa singularidade não tem sua origem na religião. No Estado judeu a mulher goza de um status mais elevado que nos países vizinhos não por causa da religião judaica, mas devido à influência das ideias iluministas importadas do solo europeu.

Em religiões nas quais Deus é Uno e é Pai, o que resta às mulheres senão um papel secundário?


Jones F. Mendonça

3 comentários:

  1. Interessante... Eu imaginava que só não importamos uma relevância maior para as mulheres da cultura grega por conta do histórico machismo judaico. Afinal é sempre a mulher que é adultera, estéril, rixosa, etc.

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  2. Interessante... Eu imaginava que só não importamos uma relevância maior para as mulheres da cultura grega por conta do histórico machismo judaico. Afinal é sempre a mulher que é adultera, estéril, rixosa, etc.

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  3. Você já encontra em filósofos gregos como Aristóteles certo desdém para com as mulheres. O cristianismo herda do judaísmo e do mundo grego certa tendência de dar à mulher um papel secundário. Os Pais da igreja, inspirando-se também nos filósofos, insistem em condenar os excessos (maquiagem, ardor sexual mesmo entre marido e mulher, riso excessivo, etc,). Deu no que deu...

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