quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O SINAL DA BESTA NA LEI E NOS PROFETAS


Ezequiel, de Duccio di  Buonin-
segna. O tav na mão e na testa
foram inseridos por mim.
Código, de barras, cartão de crédito, microchip subcutâneo... O que mais vão inventar como sendo o sinal da besta do Apocalipse? Todas essas especulações partem de uma leitura pouco atenta de Ap 14,9.10a. Eis o texto:
Seguiu-se a estes outro anjo, o terceiro, dizendo, em grande voz: Se alguém adora a besta e a sua imagem e recebe a sua marca (xaragma) na fronte (metopou) ou sobre a mão (xeira), também esse beberá do vinho da cólera de Deus...   
De acordo com o texto, a marca (ou selo) da besta deve aparecer na fronte ou sobre a mão. João, com certeza, está fazendo alusão a uma antiga fórmula repetida pelos hebreus:
Ex 13,9 E será como sinal (’ot) na tua mão (yad) e por memorial entre teus olhos (‘ayn); para que a lei do SENHOR esteja na tua boca; pois com mão forte o SENHOR te tirou do Egito.
Ex 13,16 E isto será como sinal na tua mão e por frontais entre os teus olhos; porque o SENHOR com mão forte nos tirou do Egito.
Dt 6,8 Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos.
Dt 11,18 Ponde, pois, estas minhas palavras no vosso coração e na vossa alma; atai-as por sinal na vossa mão, para que estejam por frontal entre os olhos.
Como se vê, era entre os olhos (na testa) e na mão que Yahweh “marcava” os seus fiéis súditos. Uma metáfora, não resta dúvida. O profeta Ezequiel retoma a fórmula (reduzida a apenas um sinal na testa) e a aplica aos israelitas que não se contaminaram com os ídolos estrangeiros:
Ez 9,4 e lhe disse: Passa pelo meio da cidade, pelo meio de Jerusalém, e marca com um sinal (um tav, última letra do alfabeto hebraico) a testa dos homens que suspiram e gemem por causa de todas as abominações que se cometem no meio dela.
Ez 9,6 mata a velhos, a moços e a virgens, a crianças e a mulheres, até exterminá-los; mas a todo homem que tiver o sinal não vos chegueis; começai pelo meu santuário.
A grande diferença entre Ezequiel e Apocalipse é que no primeiro livro a marca é dada aos que se conservam fiéis a Yahweh. Em Apocalipse, ao contrário, os marcados são os que se curvam diante da Besta. A intenção de João é mostrar que a besta busca de todas as maneiras imitar Deus. Há inclusive uma trindade malévola: dragão, besta, profeta da besta (cap. 12, 13, 16), dotada de impressionante poder, capaz de operar milagres, ressuscitar mortos e até mesmo ressuscitar a si própria (uma clara paródia à ressurreição de Cristo – Nero?).

João falava a pessoas reais, num tempo de perseguição real. É de se esperar que sua mensagem tivesse algum sentido para seus destinatários. Quem quer que tenha sido a besta, já veio e já se foi. Aliás, já foi tarde....


Jones F. Mendonça

6 comentários:

  1. Jones, não sei se entendi mas não há uma contemporaneidade na aplicação do Apocalipse? Não sei se é isto que o irmão quis dizer quando fala que a besta "já veio e já se foi..."?

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  2. Héber, se me permite: se a leitura for alegorizada, você pode aplicar ao que quiser. Em termos históricos, não. Bom para isso é ler Georg Fohrer, Estruturas Teológicas Fundamentais do AT. Contra Fohrer, indiretamente, C. H. Dodd, Segundo as Escrituras. Fico com Fohrer. Você, com quem achar mais adequado.

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  3. Héber,

    Há quem aceite que João estivesse falando do presente (ou até mesmo do passado), mas que os eventos narrados no seu livro também são aplicáveis ao futuro. A besta, ainda que fosse, no horizonte de João, um imperador romano, poderia ser entendida como qualquer pessoa/instituição que se opõe a Deus.

    Resta saber se esta é uma interpretação honesta. Como disse o Osvaldo, com a alegoria, tudo é possível.

    Um livro com excelente base histórica (mas que não descarta relação com eventos presentes)é "O Apocalipse", de Pierre Prigent. Concentre-se nos elementos históricos apresentados pelo livro. Depois você decide se é ou não possível aplicá-lo aos dias atuais.

    Um abraço!

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  4. No livro Digno é o Cordeiro, Ray summers, um conservador, veja só, defende a abordagem histórica do Apocalipse e afirma categoricamente que uma interpretação do Apocalipse que não leve em conta o contexto histórico do escritor incorre em erro. Pois a mensagem do Apocalipse seria para confortar os corações dos cristãos daquela época que estavam sob opressão do Império Romano. Então, todas as imagens fazem referência a eventos daquele momento histórico específico. Para Summers, a besta seria Domiciano, e o profeta seria a Concilia Romana responsável por fiscalizar o culto ao imperador, e o Dragão, é claro, é o bom e velho Diabo. Mas é claro, como bom conservador também defende que o livro tem uma mensagem para nós hoje.

    Um abraço!

    Robson Guerra

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    1. Robson,

      Acho que sempre será possível extrair mensagens de textos conservados pela sabedoria popular, até mesmo quando não possuem qualquer base histórica (como as fábulas de Esopo ou as parábolas de Jesus).

      No caso particular do Apocalipse, o grande problema é o concordismo, tentativa de estabelecer paralelos entre eventos (nitidamente) do passado, com acontecimentos do presente.

      Um abraço!

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  5. Prezado professor Jones.
    No meu entender de um leigo trazemos no sangue deste corpo o DNA sinal da Besta presente em todos descendentes do primeiro Adão. Em Deus, pelo "precioso sangue de Cristo, conhecido, ainda antes da fundação do mundo"(1Pedro 1.19,20)somos pela fé de novo gerados. A marca do sangue de Cristo é o diferencial IDENTIFICADOR nos salvos. Para quem é nascido de novo, realmente, "a besta já veio e já se foi..." Deus seja louvado!

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