segunda-feira, 12 de abril de 2021
SOBRE O "AMOR AO PRÓXIMO" EM LV 19,18
SOBRE AS RESTRIÇÕES ALIMENTARES NO LEVÍTICO
domingo, 4 de abril de 2021
CHRISTUS PARADOX: SOBRE REPRESENTAÇÕES DO CRISTO NA CRUZ
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021
AS TEOLOGIAS “DE CIMA” E AS TEOLOGIAS “DE BAIXO”
1. Por mais de dois mil anos predominou entre os teólogos cristãos – tanto católicos como [mais tarde] protestantes – o método dogmático-dedutivo de fazer teologia. Isso significa que toda reflexão partia do dogma, nascido como desdobramento da interpretação das Escrituras. No centro das reflexões apareciam temas como a Trindade, a eleição, a eucaristia, a soberania divina, etc. É o que se vê, por exemplo, na Suma Teológica de Tomás de Aquino e nas Institutas de Calvino.
2. A partir do século XX alguns teólogos desenvolveram um novo método de fazer teologia. Ao invés de tomar como ponto de partida o dogma, submeteram suas reflexões à exigência de uma teologia contextualizada, que parte de baixo, dos problemas humanos concretos. Na década de 60, por exemplo, os teólogos da libertação passaram a produzir uma teologia preocupada com a situação de indivíduos oprimidos, sobretudo os que viviam nos chamados países do Terceiro Mundo.
3. Assim, passaram a utilizar um método cujo foco não eram mais as formulações dogmáticas inspiradas nas Escrituras, mas ao contrário, a realidade histórica, a experiência concreta, interpretadas à luz das Escrituras não apenas para compreender a realidade, mas para mudá-la. Não veem o humano como uma alma encarcerada num corpo e que precisa ser salva, mas como um corpo que tem fome, frio e sede. E que também – é claro – se angustia com a finitude de sua existência.
Jones F. Mendonça
terça-feira, 19 de janeiro de 2021
O CRISTO, A CRUZ, AS MÃOS
sexta-feira, 15 de janeiro de 2021
SOBRE O "ÊXODO HISTÓRICO"
1. A ausência no nome “Israel” e referências ao Templo na Canção do Mar (a canção seria muito antiga, talvez pré-israelita, preservada por sacerdotes levitas oriundos do Egito);
2. Ausência da tribo de Levi na Canção de Débora (os levitas, nesse tempo, ainda não haviam chegado à terra ou eram apenas um grupo de sacerdotes);
3. Nomes egípcios dados a levitas, como Hophni, Hur, Merari, Mushi, Fineias e Moisés.
4. A tentativa, por parte das fontes atribuídas a sacerdotes levitas (E, P e D), de identificar divindades adoradas pelos patriarcas (sob o epíteto "El") com o recém-chegado YHWH (Cf. Ex 3; 6).
5. Paralelos arquitetônicos entre o Templo/arca da aliança e elementos do culto egípcio (a circuncisão também era praticada no Egito).
6. A ênfase das fontes levíticas E, P e D em ordenarem que não se deve maltratar estrangeiros.
Lei ao texto completo no TheTorah.
Jones F. Mendonça
sábado, 2 de janeiro de 2021
JOSÉ COMO CONTO SAPIENCIAL
1. Em seu comentário ao livro de Gênesis (1949), von Rad destacou o “notável parentesco” da história de José com a sabedoria antiga. José é representado na história como uma espécie de manifestação concreta das virtudes exaltadas no livro de Provérbios: é paciente, piedoso, sábio, foge da mulher estrangeira, não retribui o mal com o mal, etc. Seria a história de José um conto sapiencial?
2. Em ensaio publicado em “The Book of Genesis” (Brill, 2012, p. 232-261), Michael V. Fox acolhe parcialmente a tese de von Rad (vê afinidade entre o relato e a tradição sapiencial), mas entende que a história não tinha a finalidade de instruir discípulos nas diversas virtudes da sabedoria. Sua principal intenção seria enfatizar “a desgraça e a reabilitação de um servo”, ensinando que os sábios também estão sujeitos às vicissitudes da vida (cf, Ecl 9,11).
Jones F. Mendonça
sexta-feira, 25 de dezembro de 2020
JÓ E A TEOLOGIA DA RETRIBUIÇÃO
2. Desafiando a teologia da retribuição, segundo a qual o sofrimento só se explica como resultado de alguma falta, Jó respondeu: “Então por que os ímpios continuam a viver, e ao envelhecer se tornam ainda mais ricos?” (21,7).
Jó padecia do corpo, mas não do cérebro.
Jones F. Mendonça
O BEIJO NA BÍBLIA
1. Faço investigações a respeito das demonstrações de afeto no Antigo Testamento, particularmente do beijo. É possível encontrar beijos paternos (Gn 31,55), beijos ardentes (Ct 1,2), beijos de reconciliação entre irmãos (Gn 34,4), beijos de despedida no leito de morte (Gn 50,1), beijos entre sogra e noras (Rt 1,9.14) e até beijos entre homens guerreiros (1Sm 20,41).
2. Em minha pesquisa também procurei saber como as versões traduzem tais textos. Para minha surpresa a Bíblia de Jerusalém troca “nashaq” (beijo, em hebraico) por “abraço” quando Jônatas beija Davi (1Sm 20,41 – além de se beijarem, choram copiosamente) e quando Noemi beija suas noras (Rt 1,9.14). Faz isso certamente para evitar que o leitor veja nos versos qualquer indício de relação homoafetiva.
3. Na epopeia de Gilgamesh, uma das histórias mais antigas da terra, o herói Gilgamesh chora amargamente enquanto se despede de seu inseparável amigo Enkidu, morto por derrotar o touro celeste enviado pela deusa Ishtar. Não seria prudente dizer, de forma precipitada, que Enkidu e Gilgamesh (e Davi e Jônatas) desenvolveram uma relação homoerótica. Ao mesmo tempo não é honesto torcer o texto com finalidade moralizante.
4. Quem estiver interessado em ler a história de Enkidu e Gilgamesh em formato HQ, pode encontrar duas obras muito bem ilustradas: “Cânone Gráfico 1” (autores diversos) e “Os melhores inimigos” (Jean-Pierre Filiu). Aos interessados em uma análise da relação entre Enkidu/Gilgamesh; Davi/Jônatas, sugiro: "When Heroes Love: The Ambiguity of Eros in the Stories of Gilgamesh and David", escrito por Susan Ackerman.
Jones F. Mendonça
APOCALIPSES E ANIMAIS FANTÁSTICOS
A CAPTURA DE SANÇÃO EM GUERCINO
JESUS COMO “NOVO MOISÉS” E “NOVO DAVI”
2. O terceiro evangelho está repleto de referências ao livro de Samuel, personagem que prepara o caminho de Davi, o ungido (messias) de Javé. Note que em Lucas, a história de João Batista se relaciona com a de Samuel: os dois pertencem a uma família de levitas, tanto a mãe de Samuel com de João Batista são estéreis; Ana e Isabel entoam um cântico com vários elementos em comum.
3. Mas as semelhanças não param por aí: Davi nasce em Belém e é ungido por Samuel; Jesus nasce em Belém e é batizado por João Batista. Assim, João Batista funciona como um “novo Samuel” e Jesus como um “novo Davi” (ou um “novo Samuel”, compare 1Sm 2,26 com Lc 2,40). Caso você tenha interesse em conhecer mais paralelos entre o relato da natividade e histórias do AT, visite o site da Biblical Archaeology Society clicando aqui.
Jones F. Mendonça
sexta-feira, 13 de novembro de 2020
O "DEDO MÍNIMO" DE ROBOÃO
EXEGESE FUNDAMENTALISTA
Tontinho não perde tempo e também apanha sua Bíblia. Abre na Carta de Paulo aos Coríntios e contesta Bobinho: “Na verdade, as ARMAS com que combatemos não são carnais (2 Co 10,4). E então cita o Eclesiastes: “Mais vale sabedoria do que ARMAS” (Ecl 9,18).
Parece piada, mas é a partir de leituras assim que muitos debates se desenvolvem no ambiente religioso de matriz fundamentalista. Aqui posso citar dois nomes: Yago Martins e Augustus Nicodemus.
Jones F. Mendonça
A NEGRITUDE EM CANTARES
terça-feira, 10 de novembro de 2020
PROFETAS, IMPÉRIOS E MILÍCIAS
INDULGÊNCIAS
MALAQUIAS E O DISCO SOLAR ALADO
SOBRE PRESSUPOSTOS
ANACRONISMOS REFORMADOS
SOBRE TEOLOGIAS FRÁGEIS
sábado, 7 de novembro de 2020
WAYNE GRUDEM: "OS BENS SÃO PARA GLORIFICAR A DEUS" (SEI...)
REBECA NÃO CAI DO CAMELO
LUTHER KING: LA FUERZA DE AMAR
O colonialismo não teria se perpetuado se a Igreja Cristã o tivesse confrontado diretamente. Um dos defensores do sistema vicioso de apartheid na África do Sul é atualmente a Igreja Reformada Protestante Holandesa [1].
LUTHER KING E A TEOLOGIA LIBERAL
SOFONIAS E AMÓS: ORÁCULOS INVERTIDOS
Eles construíram casas, mas NÃO as habitarão,Plantaram vinhas, mas NÃO beberão do seu vinho” (Sf 1,13).RECONSTRUIRÃO as cidades devastadas e as habitarão,Plantarão vinhas e BEBERÃO o seu vinho (Am 9,14).
BRUXAS, INQUISIÇÃO E MISOGINIA
Seja qual for o castigo que ordenemos contra as bruxas, assá-las ou cozê-las ao fogo lento não é realmente demais e não tão ruim quanto [...] as agonias eternas que lhes estão preparadas no inferno, porque o fogo aqui não pode demorar muito mais do que ao redor de uma hora até que a bruxa morra (BODIN, Jean. On Demon-mania of witches. Toronto: CRRS publications, 2001, p.173).
Jones F. Mendonça
terça-feira, 15 de setembro de 2020
INVOLUÇÃO COGNITIVA
2. Na Antiga Grécia, buscando
respostas fundamentadas na razão, os primeiros filósofos dedicaram-se a
localizar um princípio originário único capaz de explicar do mundo. A partir dessa
nova orientação investigativa nasceu a ciência moderna: a astronomia, a
zoologia, a química, a biologia, etc. Mas a sede, a busca incessante pelas
origens não parou por aí.
3. O psicólogo canadense Merlin
Donald propôs recentemente uma interessante teoria para explicar a origem do
sistema cognitivo humano. Ele diz que o desenvolvimento da capacidade de
externalização da memória, pela escrita, age diretamente em nosso sistema
cognitivo, promovendo uma relação dialética entre cérebro e cultura.
4. Focando nessa “externalização
da memória”, podemos pensar em três grandes revoluções dos nossos sistemas
culturais para armazenar conhecimento: a) a invenção da escrita; b) da prensa
tipográfica, e c) das novas tecnologias digitais. Eis aqui o grande paradoxo.
5. Ao mesmo tempo em que apontam
para o avanço do sistema cognitivo humano e grande capacidade de
desenvolvimento tecnológico, as tecnologias digitais têm sido usadas para
disseminar o terraplanismo, teorias conspiracionistas, ideologias antivacina,
fundamentalismos religiosos e obscurantismos científicos.
6. Se a gente não segurar esse
pessoal, em breve estaremos de volta à Idade da Pedra.
Jones F. Mendonça
quinta-feira, 10 de setembro de 2020
OS LÁBIOS NA BÍBLIA
DIVAGAÇÕES
LUTERO E CALVINO NAS ONDAS DO HUMANISMO
2. No texto irônico produzido por Erasmo, intitulado “O elogio da loucura”, o Papa da época (Júlio II) é barrado por São Pedro nas portas do céu e é tratado pelo apóstolo como “Júlio, o imperador que voltou do inferno”. Que ousadia, não! Uma das razões da recusa de Pedro era o gosto de Júlio pela espada, daí sua fala: “Batina de padre, mas armadura ensanguentada por baixo”. Para quem não sabe este Papa aparece no filme “Lutero” (2004, direção de Eric Till). Na cena ele surge todo imponente vestindo uma armadura. Lutero faz cara de quem viu e não gostou.
3. O Renascimento e o humanismo tiveram influência direta sobre a Reforma. Foi a partir dos trabalhos de Lourenzo Valla, um famoso humanista, que Lutero pôde elaborar críticas severas à tradição católica. Bem, mas embora tenha sido instruído a partir de uma formação humanista, nunca foi humanista. Enfim, surfou nas ondas do humanismo, mas não mergulhou em suas águas. Uma pena...
Jones F. Mendonça
A MORTE EM SEIS PERSONAGENS BÍBLICOS
1. Sete personagens bíblicos pedem sua própria morte em momentos de grande angústia: 1) Moisés sentindo-se impotente diante da fome do povo 2) Jeremias açoitado pelo sacerdote Pasur (20,14); 3) Jó moribundo, diante de três amigos, após ter perdido tudo (3,3); 4) Elias, à sombra de uma árvore, perseguido pela rainha Jezabel (1Rs 19,4); 5) Tobias humilhado e cego (3,6); e 6) Matatias indignado pela profanação do Templo (1Mac 2,13).
2. O sétimo personagem pede a morte por uma razão bem estranha: “eu sabia que tu és um Deus de piedade e de ternura... é melhor para mim a morte do que a vida” (Jn 4,3). O tema principal de Jonas não é a Providência Divina, que move céus e mares para que seus planos se concretizem. É sobre um religioso, que se via como membro de um povo escolhido, e que não aceitava o perdão divino estendido aos "não eleitos".
Jones F. Mendonça
quinta-feira, 3 de setembro de 2020
COLUNAS DO PERÍODO DO SEGUNDO TEMPLO DESENTERRADAS EM JERUSALÉM
Arqueólogos descobriram em Jerusalém os capiteis de uma construção do século VIII, tempo do reinado de Ezequias. A datação foi feita a partir do modelo arquitetônico proto-eólico das colunas. Até o momento permanece desconhecida a identidade do dono da propriedade e a razão que levou alguém a enterrar cuidadosamente os capiteis. Os motivos curvos esculpidos nas rochas representam uma tamareira, associada à "árvore da vida", símbolo comum no Antigo Oriente Próximo. Leia mais sobre a descoberta aqui. Caso esteja interessado nos capiteis, clique aqui.
Jones F. Mendonça
sexta-feira, 28 de agosto de 2020
COLONIALIDADES CONSERVADORAS
domingo, 16 de agosto de 2020
HÁ RACISMO EM LAMENTAÇÕES DE JEREMIAS?
1. O livro bíblico de Lamentações
expõe poeticamente dois momentos vividos pelos jovens de Jerusalém: antes da
invasão babilônica eram “mais alvos que o neve” e “mais brancos que o leite”
(assim é traduzido na maioria das versões). Depois da invasão ganharam aspecto
“escuro” (4,18). É possível que alguém veja aqui evidência de racismo. Será?
2. Duas razões para rejeitar essa visão: a palavra hebraica traduzida por “alvo” (zakakh) não indica cor, mas “pureza”. Veja: “nem os céus são zakakh aos seus olhos” (Jó 15,15). A palavra traduzida por “branco” é tzahah, termo que aparece uma única vez na Bíblia Hebraica. Seu significado é obscuro. No texto surge como sinônimo de zakakh. É provável que indique a natureza ofuscante do branco e não a cor em si.
3. Repare, ainda no verso 7, que os mesmos jovens são apresentados como “vermelhos como os corais” e “brilhantes como safira”. Como podem ser simultaneamente “brancos” e “vermelhos”? Bem, o que se tem em vista aqui não é a cor, mas o brilho, o aspecto reluzente, a pureza, o valor. Caso retornemos ao verso 2 veremos outra comparação: os nobres eram “como ouro” (reluzentes), agora “são como barro” (ressequidos e sem brilho).
4. Para compreender um texto escrito há mais de dois mil anos é preciso entrar na cabeça dos seus escritores. É claro que essa tarefa não é fácil e que não é possível reconstruir todo o universo do autor do texto. Uma boa dose de humildade diante do texto é sempre importante. Mas não precisamos radicalizar e achar que a tarefa é difícil a ponto de embarcarmos nessa conversa de “leitura criativa”. Isso Malafaia e Feliciano já fazem com muita maestria.
Jones F. Mendonça
sexta-feira, 14 de agosto de 2020
CONSIDERAÇÕES SOBRE A POESIA HEBRAICA
Cerca de 30% do Antigo Testamento foi escrito em forma poética. Ela aparece nos oráculos proféticos, nas orações, nos cantos fúnebres, nas celebrações de vitória, etc. Assim como a poesia mesopotâmica a poesia hebraica não trabalha com rimas, mas com paralelismos: o verso “b” reforça a ideia presente no verso “a”.
Veja como a compreensão do paralelismo ajuda a interpretar um verso de Cantares. Eis o verso (tradução NVI):
e o ciúme é tão inflexível quanto a sepultura” (Ct 8,6).
Destaco dois problemas com esta tradução: 1) algumas palavras estão mal traduzidas; 2) O tradutor não levou em conta o paralelismo. Abaixo proponho minha tradução. Veja que dispus os versos em paralelo:
B – ATROZ (1’) como o SHEOL (2’) é a PAIXÃO (3’).
Veja como agora tudo faz sentido: forte/atroz; amor/paixão; morte/sheol.
Algumas considerações: 1) sheol
não é “sepultura”, mas “mundo dos mortos”. Nos poemas o sheol era quase que
personificado como uma força impetuosa, sempre disposta a tragar vidas. 2) a
palavra hebraica que traduzi por “paixão” indica simplesmente uma pulsão:
dependendo do contexto pode indicar ciúme, inveja ou amor ardente (paixão ou
zelo). Aqui escolhi paixão por uma razão muito simples: o paralelismo exige que
seja um sinônimo de “amor”. “Ciúme”, neste caso, não faz qualquer sentido.
Jones F. Mendonça
VERDE É PODER
Na Bíblia, a palavra hebraica “eytan” é traduzida simultaneamente por “poderoso” (Jó 12,19), “caudaloso” (Sl 74,15), “verde” (Jr 49,19) e “seguro” (Nm 24,21). Como pode ser isso? Explico: seu sentido primário indica algo que é permanente. Por desdobramento serve para classificar pessoas “poderosas” (permanentes em sua posição), cursos d’água “caudalosos” (rios permanentes, que não se esgotam com a seca), a vegetação “verde” (que permanece viçosa nos períodos de estiagem) ou “segurança” (algo que permanece, apesar da instabilidade).
terça-feira, 4 de agosto de 2020
O VERDE NA BÍBLIA
A palavra “verde”, em nosso
idioma, não serve apenas para indicar uma cor. Dou um exemplo: “na carroça
havia mato SECO e mato VERDE”. Verde, aí, indica um mato viçoso, contrário de
seco. Não é cor.
Uma palavra hebraica geralmente traduzida por “verde” é “yereq”. Eis um exemplo: “tenho dado todas as ervas VERDES como mantimento” (Gn 1,30). Não é difícil perceber que “yereq”, ao menos aí, não indica a cor, mas outro tipo de qualidade da erva: sua viçosidade.
Rastreei todas as ocorrências de “yereq” na Bíblia Hebraica. Sempre aparece associada aos vegetais. Nunca indica uma característica visual de um tecido, de uma pedra, de um objeto qualquer. Então fico pensando se os hebreus tinham ou não uma palavra para designar a cor verde. Acho que não.
Certamente tinham palavras específicas para o preto (qadar, shahor), para o branco (laban), para o azul (tekelet) e para algumas variações do vermelho (adom, shaniy, argaman). Mas para o verde, parece que não.
Um fundamentalista poderia me indagar: “ora, mas no que esse tipo de análise vai contribuir para minha salvação”. Eu diria: nenhuma. Até porque não estou falando de religião, mas de idiomas, de cores e de como os hebreus percebiam o mundo.
Jones F. Mendonça
O CORAÇÃO DO REI DAVI
No texto hebraico do Antigo
Testamento há uma expressão cujo sentido não é claro e que só aparece associada
a Davi: “golpear o coração”. São dois os episódios em que aparecem: Davi
“golpeia o [seu] coração” após cortar a orla do manto de Saul (1Sm 24,5) e, de
novo, “golpeia [seu] coração” após ordenar o recenseamento do povo (2Sm 24,10).
Qual seria o sentido disso? Os tradutores se dividem. Ele teria sofrido uma
“dor no coração”, ou sentido “o coração bater forte”, ou um “descompasso no
coração” ou até mesmo “remorso”. Quer saber a verdade? Ninguém sabe com certeza
o que significa. Talvez indique remorso, medo, pavor, arrependimento... Não é
fácil a vida do tradutor.
Jones F. Mendonça
quinta-feira, 9 de julho de 2020
DAVI E ABISAG: DUAS TESES
3. Para “aquecer” Davi, seus servos saem em busca de uma bela jovem virgem e escolhem Abisag. Mas nem a beleza de Abisag é capaz de despertar Davi, afinal – diz-nos do texto – “ele não a conheceu” (v. 5). E por que não a “conheceu”? O texto sugere que estava definitivamente impotente. Esta é a explicação nr 1. Há uma explicação alternativa ao texto, mais tradicional.
4. Pela perspectiva nr 2, a “falta de aquecimento” de Davi teria a ver com alguma enfermidade física. O rei estaria acometido de uma doença que alterava sua temperatura corporal. Para aquecê-lo o cobriam com vestes, tal como diz o v. 1. A finalidade desta bela donzela também seria livrá-lo do frio, deitando-se ao seu lado durante a noite. O fato de não ter se relacionado sexualmente com a bela “enfermeira” indicaria o alto grau de moralidade do rei.
5. Não sei o que você acha, mas pessoalmente custo a acreditar na tese da “enfermeira formosa” e do “rei respeitador”. Ao que parece, o trecho “por mais que lhe pusessem cobertas” foi um acréscimo. Veja como ficaria o v.1 sem as "cobertas": "O rei Davi estava velho, com idade avançada [por mais que lhe pusessem cobertas], por isso não conseguia se aquecer". O problema era a impotência, mas alguém tentou sugerir que era frio.