sexta-feira, 1 de outubro de 2021

SOB A SOMBRA DE SHADDAY

Na linguagem do Antigo Oriente Próximo, estar sob a sombra de uma divindade equivalia a estar sob sua guarda. O rei assírio Esarhaddon (680-669), certo da proteção recebida dos deuses, declara o seguinte:
[Os deuses] puseram-me em um esconderijo diante dessas maquinações malignas, espalhando sua doce sombra protetora sobre mim, preservando-me para a realeza (ANET, 289).
Na Bíblia Hebraica a sombra tem o mesmo sentido: “Não tenhais medo do povo daquela terra, [...] pois foi removida a sua sombra (צל)” (Nm 14,9). A metáfora reaparece no Sl 121,5, desta vez em relação ao deus de Israel: “Javé é teu guarda, Javé é tua sombra (צל)”. O texto mais famoso, no entanto, surge no Sl 91,1:
Aquele que se assenta no esconderijo de Elyon,
pernoita à sombra (צל) de Shadday.
No caso do Sl 91 esse “esconderijo”, essa “sombra” evocam a imagem de uma ave protegendo seus filhotes sob suas asas, como fica claro no v.4:
Ele te esconde com suas penas,
sob suas asas encontras um abrigo.
A mesma imagem aparece em Dt 32,11, texto que apresenta Javé como uma águia velando por seu ninho. Há quem sugira, como Alonso Schökel (Comentário aos Salmos II), que o as “asas” mencionadas no v. 4 fazem alusão aos querubins com suas asas estendidas sobre a arca da aliança. Ocorre que os querubins não protegiam os fiéis, mas a santidade de Javé. Assim, parece que faz mais sentido pensar em alusões mais evidentes, já presentes em outros textos, como estar sob a sombra (Nm 14,9; Sl 121,5; 91,1) ou, de maneira mais visual, sob as asas de uma ave (Dt 32,11; Sl 91,4).

 

Jones F. Mendonça

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