1. Na história da arte cristã, o Cristo crucificado foi retratado de duas formas elementares: o Christus Victor (Cristo vitorioso) e o Christus Patiens (Cristo sofredor). O primeiro foi moldado a partir da teologia dos chamados Pais da Igreja, e enfatizava a vitória de Cristo sobre a Cruz, o pecado, a morte e as forças destrutivas do mal. O segundo ganhou força a partir do final da Idade Média, influenciado pela teologia de Anselmo de Cantuária, teólogo do século XI. A ideia era apresentar Cristo como “homem de dores”, exaltando seu corpo flagelado e, portanto, o elevado preço que pagou para resgatar a humanidade do pecado.
2. Um exemplo do Christus Victor pode ser visto na tela “Ressurreição”, de Matthias Grünewald, exposta no Museu Unterlinden, França. A tela mostra na extremidade direita um colorido Cristo ressurreto em ascensão acima do túmulo. O esquife está aberto, os guardas desmaiados, a figura de Cristo aparece cercada por um grande halo resplandecente em contraste com a escuridão do céu noturno. Com os braços estendidos mostrando as feridas em suas mãos, Cristo parece esboçar um singelo e sereno sorriso em seu rosto. Uma visão gloriosa.
3. Ao lado do Christus Victor, o Christus Patiens fez e ainda faz muito mais sucesso nas representações artísticas e no imaginário religioso cristão. A ênfase, neste caso, recai sobre a dor, as chagas, o sofrimento, a violência sofrida na cruz, um dos mais cruéis e humilhantes instrumentos de execução romana. É um erro pensar que o Cristo sofredor só ganhou destaque na teologia católica. Lutero, no debate de Heidelberg, de 1518, propôs a sua “teologia da cruz”, buscando relacionar os sofrimentos de Cristo aos sofrimentos do cristão. O Cantor Cristão (p. ex. hinos 84 e 94) está repleto de canções que exaltam o sofrimento de Cristo na Cruz.
4. O exemplo mais notável de como a representação de Cristo como homem de dores ainda agrada fiéis pertencentes tanto ao ambiente católico como protestante é o sucesso do filme “A Paixão de Cristo” (Mel Gibson, 2004), obra se propôs a fazer uma reconstrução dramática dos sofrimentos de Jesus, desde a traição, até a crucificação. O principal crítico de cinema do New York Times, Anthony Oliver Scott, chegou a classificar a obra como “paradoxo sadomasoquista”. Para o filósofo, sociólogo, teórico crítico e cientista social esloveno Slavoj Žižek, o filme tem o sabor e as cores de uma obra fundamentalista e deixa de fora elementos de uma experiência cristã genuína.
5. Em sua obra “Christus Victor”, publicada em 1951, o teólogo sueco Gustaf Aulen critica a valorização da representação do Cristo sofredor, do “Cristo morto”, promovida por Anselmo, em detrimento da imagem do Cristo vitorioso. Aulen, como Anthony Oliver Scott e Slavoj Žižek, acharia o filme “A Paixão de cristo” um verdadeiro show de horrores (eu também acho). Quem estiver interessado em ler um pouco mais sobre o assunto, sugiro um artigo meu publicado em 2018 na revista UNITAS, publicação semestral eletrônica de acesso livre da Faculdade Unida de Vitória.
Jones F. Mendonça
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