quinta-feira, 30 de novembro de 2017

SUBTERRÂNEOS TENEBROSOS


Para responder à pergunta: “para onde foram os justos do Antigo Testamento?”, os teólogos católicos desenvolveram a ideia do limbo, lugar provisório para onde teriam ido, por exemplo, os patriarcas .  

Nesta tela, de Andrea Mantegna (1470-75), Cristo é retratado resgatando alguns indivíduos do limbo. No canto esquerdo, próximo à abertura da caverna, aparecem Adão e Eva. A crença no limbo dos patriarcas (limbus patrum) é um dogma entre os católicos. O limbo infantil (limbus puerorum), por outro lado, vigorou por muito tempo como hipótese teológica até que foi definitivamente rejeitado em 2007 no pontificado de Bento XVI.

Pessoalmente considero as imagens retratando a ida de Cristo ao mundo subterrâneo como as mais poderosas sob a perspectiva psicológica. Um exemplar particularmente interessante e belo é “A descida ao inferno” (1568), produzida por Tintoretto. Neste trabalho, cuja cena é apresentada numa perspectiva enviesada, Cristo ilumina o Hades, antes completamente tomado pelas trevas.


Jones F. Mendonça

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O MAR MORTO NO HAARETZ

O Haaretz (jornal de Israel) publicou nova matéria sobre o Mar Morto com fotos aéreas de tirar o fôlego.



Leia mais aqui.



Jones F. Mendonça

EXORCISMO COM CALÇA EXÓTICA (OU ERÓTICA?)


O exorcismo de uma mulher numa gravura do início do século XVI (autoria desconhecida). Como nas representações medievais, os diabinhos saem pela boca. Uma tira parece tentar impedir que a cabeça da mulher se projete para trás. Ah, o sujeito que sustenta o corpo da mulher possuída veste uma calça muito da escandalosa...



Jones F. Mendonça

ANTIJUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLÃ

1. A maior parte da comunidade judaica medieval - entre 800 e 1100 d.C. - vivia em território controlado pelos muçulmanos. Não eram vítimas regulares de violência religiosa ou exploração por parte da liderança islâmica. A narrativa que põe judeus e muçulmanos como inimigos históricos (“desde Ismael”) é mito, conversa fiada.

2. A população judaica em território cristão só começou a crescer a partir das conquistas cristãs dos territórios muçulmanos. Os judeus integrados aos territórios cristãos – habilidosos na atividade comercial e nos negócios – eram respeitados por uma razão muito simples: ajudavam a manter a economia aquecida.

3. De forma lenta e gradual um grupo de judeus foi se estabelecendo no norte da Europa (chamados de Askenazis). Embora apoiados pelas lideranças políticas cristãs, logo surgiram sentimentos antijudaicos. A razão: os cristãos, menos acostumados e viver num ambiente de diversidade religiosa, viam os judeus como um povo estranho.

4. A proibição da igreja aos empréstimos a juros feitos por cristãos a outros cristãos (considerado “pecado de usura”) abriu uma nova oportunidade aos judeus, acostumados a viver da atividade do comércio e dos negócios. O sucesso dos judeus nessa atividade favoreceu o desenvolvimento do ódio e do preconceito contra o povo do livro.

5. Na medida que a economia amadurecia, a contribuição judaica se tornava menos necessária e os governantes começaram a pesar os benefícios que poderiam obter com a expulsão dos judeus, medida que proporcionaria recursos econômicos através do confisco de propriedades judaicas, aprovação eclesiástica e aprovação popular.

6. Embora a crítica iluminista ao cristianismo medieval tenha se concentrado (com certo exagero) no maltrato dos judeus pelas Cruzadas e pela Inquisição, a violência e a perseguição aos judeus se deu por razões econômicas, alimentadas por razões religiosas (vistos como responsáveis pela crucificação de Cristo).

* Resumo em seis pontos de texto publicado no The Public Medievalist e escrito por Robert Chazan, professor de estudos hebraicos e judaicos na Universidade de Nova York. O texto faz parte da série: “Raça, racismo e Idade Média”.



Jones F. Mendonça

DOS DELÍRIOS NOTURNOS

O lamento de Jó, aqui, lembra a dor de um trabalhador assalariado que passa horas no transporte coletivo e é explorado por seus patrões: 
Jó 7,1 Não está o homem condenado a trabalhos forçados aqui na terra?
Não são seus dias os de um mercenário?
 Jó 7,2 Como o escravo suspira pela sombra,
como o mercenário espera o salário,
 Jó 7,3 assim tive por herança meses de decepção,
e couberam-me noites de pesar.
 Jó 7,4 Quando me deito, penso: “Quando virá o dia?”
Ao me levantar: “Quando chegará a noite?”
E pensamentos loucos invadem-me até ao crepúsculo.



Jones F. Mendonça

DAS ALMAS DESPEDAÇADAS


Há dois detalhes curiosos nesta tela representando o juízo final, de Hans Memling, de 1471.

Note que no canto superior esquerdo aparece um homem negro entre os ressuscitados (fenômeno raro na representação artística da época).

No centro da tela o corpo de um homem que acaba de ressuscitar é disputado entre um anjo e um demônio com asas de borboleta. Do jeito que puxa o cabelo do pobre infeliz, o capiroto parece bem decidido.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

AS ORIGENS DO MONOTEÍSMO ISRAELITA

Em seu livro “The Origins of Biblical Monotheism: Israel's Polytheistic” (Oxford / New York: Oxford University Press, 2001), indisponível em português, Mark S. Smith procura demonstrar como o politeísmo foi uma característica da religião israelita até o fim da Idade do Ferro e como surgiu o monoteísmo nos séculos VII e VI.

De acordo com Mark Smith, declarações monoteístas claras somente podem ser notadas a partir do século VII, em textos como Dt 4,35.39; 1Sm 2,2; 2Sm 7,22; 2Rs 19,15.19 (= Is 37,16, 20); Jr 16,19-20 e a porção do século VI de Is 43,10-11, 44,6-88; 45,5-7; 14,18.21 e 46,9. A pergunta que ele se propõe a responder é: por que o século VII?

Smith inicia sua argumentação a partir da análise de textos religiosos uragíticos (religião cananeia), cujo politeísmo estava estruturado em quatro níveis: 1) El/Asherah (o deus principal e sua esposa); 2) Setenta filhos divinos (Baal, Astarte, Anate, etc.); 3) Kothar wa-Hasis (o ajudante principal); e 4) Os servos da casa divina (que a Bíblia trata como mensageiros).

De acordo com sua análise, inicialmente Javé teria sido visto pelos israelitas como um dos setenta filhos de El, cada qual cumprindo o papel de divindade patronal de setenta nações. Tal crença, destaca Smith, foi preservada nos manuscritos hebraicos mais antigos de Dt 32,8-9 (Qumran). Nesta passagem, El é apresentado como chefe da família divina, e cada membro dessa família (os bney Elyim) recebe uma nação sob sua tutela. Nessa partilha Israel é considerado “porção de Javé” (32,9). Outro exemplo citado pelo autor é o Sl 82.

Em algum momento do período monárquico tardio Javé passou a ser identificado com El e, por conseguinte, como marido de Asherah. Esta visão religiosa aparece, por exemplo, no Salmo 29,1-2, texto que convida os “filhos de Deus” (bney Elyim) a adorarem a Javé, o Rei Divino. Os outros deuses/mensageiros tornaram-se simples expressões do poder de Javé. Em outras palavras, o deus principal tornou-se a divindade única. Mas por que neste momento? 

Smith indica dois conjuntos de mudanças. O primeiro estaria ligado a uma série de transformações na estrutura social das famílias. A “família extensa” como principal unidade social deu lugar a um “sistema de linhagem menor”. A noção de responsabilidade também teria mudado de “coletiva” (Acã em Js 8) para “individual” (Dt 26,16; Jr 31, 29-30; Ez 18). Ele conclui: “O surgimento do indivíduo como uma unidade social ao lado da unidade familiar tradicional proporcionou inteligibilidade ao surgimento de um deus único e não de uma família divina”. 

O segundo grande conjunto de condições estaria relacionado ao surgimento de dois grandes impérios: o neoassírio e o neobabilônico. A partir da queda se Samaria em 722 a.C. e de Jerusalém em 586 a.C., a ideia de do “deus patrono” não poderia mais se sustentar, exceto se se admitisse que Javé não era um deus tão poderosos como vinha sendo anunciado. O monoteísmo resolveu esse problema argumentando que, apesar da fraqueza do povo, seu deus não era fraco, mas Senhor de tudo.

Os monoteístas de Israel agora raciocinavam que Javé estava no topo do poder divino, e, correspondentemente, os deuses da Mesopotâmia não eram nada. O exílio passou a ser visto como o plano de javé para punir e purificar a única nação que o Senhor havia escolhido. Por conseguinte, passou a ser difundida a ideia de um “ungido de Javé” não judeu (Ciro, o persa, cf. Is 44,28, 45,1), como tradicionalmente era pensado na literatura bíblica mais antiga (ver Sl 2). 

*Resumo feito a partir de artigo publicado em inglês no The Bible and Interpretation.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 7 de novembro de 2017

PIEDADE E POLÍTICA

As 95 teses nascem da piedade, da indignação do monge rebelde. O termo "protestante" nasce da política, do protesto dos príncipes contra a Dieta de Espira, 12 anos após a publicação das teses. Sem a política Lutero teria terminado como Jan Hus: na fogueira.


Jones F. Mendonça


PAIXÃO, POLÍTICA E REFORMA

A dobradinha "piedade" (95 teses, 1517) e "política" (protesto dos príncipes, 1529) funcionou muito bem nas terras de Lutero. Na Inglaterra de Henrique VIII os termos foram outros.

Henrique VIII amava Ana Bolena, mas já era casado. Roma se negava a aprovar tal tropeço. Ao mesmo tempo Henrique estava de olho nas terras da Igreja. Alguém dirá: isso não vai acabar bem.

Eis como resolveu essa pendenga: 1) Criou sua própria igreja, a igreja Anglicana; 2) Essa igreja, liderada por ele mesmo, aprovou seu casamento com Ana; 3) De quebra confiscou as terras da Igreja no território sob seu domínio.

Malandro esse Henrique...



Jones F. Mendonça

PODERES CELESTES, PODERES TERRESTRES

Neste artigo, publicado no Jewish Link, Mitchel First discute a respeito do que ele chama de “o parágrafo perdido do livro de Samuel”.

Nos textos hebraicos mais recentes (massoréticos, século X e XI d.C.), o início de 1Sm 11 aparece de uma maneira; nos manuscritos mais antigos (Manuscritos do Mar Morto, séc. III a.C. a I d.C.) o texto aparece de outra forma.

Outra famosa diferença entre o texto massorético e os Manuscritos do Mar Morto (MMM) aparece em Dt 32,8. No texto massorético Javé fixa as fronteiras para os povos segundo “os filhos de Israel”. Nos MMM elas são fixadas segundo “os filhos de Elohim” (“filhos dos deuses”).

A crença na existência de poderes celestes associados a nações reaparece em Dn 10,13: 
Tenho de voltar para combater o Príncipe da Pérsia: quando eu tiver partido, deverá vir o Príncipe de Javã (=Grécia).


Jones F. Mendonça