Em seu livro “The Origins of Biblical Monotheism: Israel's
Polytheistic” (Oxford / New York: Oxford University Press, 2001), indisponível
em português, Mark S. Smith procura demonstrar como o politeísmo foi uma
característica da religião israelita até o fim da Idade do Ferro e como surgiu
o monoteísmo nos séculos VII e VI.
De acordo com Mark Smith, declarações monoteístas claras somente
podem ser notadas a partir do século VII, em textos como Dt 4,35.39; 1Sm 2,2; 2Sm
7,22; 2Rs 19,15.19 (= Is 37,16, 20); Jr 16,19-20 e a porção do século VI de Is
43,10-11, 44,6-88; 45,5-7; 14,18.21 e 46,9. A pergunta que ele se propõe a
responder é: por que o século VII?
Smith inicia sua argumentação a partir da análise de textos
religiosos uragíticos (religião cananeia), cujo politeísmo estava estruturado
em quatro níveis: 1) El/Asherah (o deus principal e sua esposa); 2) Setenta filhos
divinos (Baal, Astarte, Anate, etc.); 3) Kothar wa-Hasis (o ajudante principal);
e 4) Os servos da casa divina (que a Bíblia trata como mensageiros).
De acordo com sua análise, inicialmente Javé teria sido
visto pelos israelitas como um dos setenta filhos de El, cada qual cumprindo o
papel de divindade patronal de setenta nações. Tal crença, destaca Smith, foi
preservada nos manuscritos hebraicos mais antigos de Dt 32,8-9 (Qumran). Nesta
passagem, El é apresentado como chefe da família divina, e cada membro dessa
família (os bney Elyim) recebe uma
nação sob sua tutela. Nessa partilha Israel é considerado “porção de Javé”
(32,9). Outro exemplo citado pelo autor é o Sl 82.
Em algum momento do período monárquico tardio Javé passou a
ser identificado com El e, por conseguinte, como marido de Asherah. Esta visão
religiosa aparece, por exemplo, no Salmo 29,1-2, texto que convida os “filhos
de Deus” (bney Elyim) a adorarem a
Javé, o Rei Divino. Os outros deuses/mensageiros tornaram-se simples expressões
do poder de Javé. Em outras palavras, o deus principal tornou-se a
divindade única. Mas por que neste momento?
Smith indica dois
conjuntos de mudanças. O primeiro
estaria ligado a uma série de transformações na estrutura social das famílias. A
“família extensa” como principal unidade social deu lugar a um “sistema de
linhagem menor”. A noção de responsabilidade também teria mudado de “coletiva”
(Acã em Js 8) para “individual” (Dt 26,16; Jr 31, 29-30; Ez 18). Ele conclui: “O
surgimento do indivíduo como uma unidade social ao lado da unidade familiar
tradicional proporcionou inteligibilidade ao surgimento de um deus único e não
de uma família divina”.
O segundo grande
conjunto de condições estaria relacionado ao surgimento de dois grandes
impérios: o neoassírio e o neobabilônico. A partir da queda se Samaria em 722
a.C. e de Jerusalém em 586 a.C., a ideia de do “deus patrono” não poderia mais se
sustentar, exceto se se admitisse que Javé não era um deus tão poderosos como
vinha sendo anunciado. O monoteísmo resolveu esse problema argumentando que,
apesar da fraqueza do povo, seu deus não era fraco, mas Senhor de tudo.
Os monoteístas de Israel agora raciocinavam que Javé estava
no topo do poder divino, e, correspondentemente, os deuses da Mesopotâmia não
eram nada. O exílio passou a ser visto como o plano de javé para punir e
purificar a única nação que o Senhor havia escolhido. Por conseguinte, passou
a ser difundida a ideia de um “ungido de Javé” não judeu (Ciro, o persa, cf. Is
44,28, 45,1), como tradicionalmente era pensado na literatura bíblica mais
antiga (ver Sl 2).
Jones F. Mendonça