O surgimento do
fundamentalismo islâmico tal como conhecemos hoje está diretamente ligado à
queda do império Turco Otomano em 1924. É fenômeno novo, portanto. Kemal
Ataturk, pai da Turquia moderna; Nasser, do Egito e Reza Pahlevi, no Irã,
caminharam em direção à separação entre a religião e o Estado, mas apenas a
Turquia se manteve como Estado secular democrático (o Líbano é outro exemplo
moderno). A maior parte das nações árabes (ou muçulmanas não–árabes, como a
Turquia e o Irã), perdidas no processo de fragmentação do império otomano do
qual faziam parte e sentindo-se humilhadas e exploradas pela Europa pós-guerra,
viram nas suas escrituras sagradas a única solução para restabelecer a ordem: a
instauração da Shari’a, a lei islâmica. A Irmandade Muçulmana, por exemplo,
fundada em 1928, criou um slogan bem conhecido na órbita islâmica: “o Corão é
nossa constituição”.
A expressão
“fundamentalismo” quando aplicada ao universo cristão é fenômeno do final do
século XIX. Nasce como tentativa de combater as transformações ocorridas na
sociedade europeia a partir do Renascimento. Como entre os muçulmanos, trata-se
de uma tentativa de manter as antigas tradições religiosas, morais e culturais,
entendidas como fundamentais para a manutenção da ordem. No século XVII,
pensadores como Spinosa e Voltaire começaram a questionar muitos dogmas da fé
cristã. Algum tempo depois, nos séculos XIX e XX surgiram novas ideias vistas
como ameaças à fé: a teoria da evolução, de Charles Darwin e o trabalho de
pensadores como Feuerbach, Nietzsche, Karl Marx e Freud (todos foram críticos
ferrenhos da religião).
Alarmados com a “ameaça
modernista” - movimento que tentava compatibilizar a fé cristã com as novas
descobertas científicas - foi criada, em 1846, a Aliança Evangélica. Em 1895
foram definidos cinco pontos fundamentais da fé cristã que estavam sendo
questionados (ou pelo menos vistos de maneira menos rígida) pelos chamados
“cristãos modernistas”: 1) Infalibilidade das Escrituras, 2) divindade de
Cristo, 3) seu nascimento virginal, 4) seu sacrifício expiatório e 5) sua
ressurreição física. Entre 1910 e 1915, com o financiamento de um milionário
do ramo do petróleo, foram publicados três milhões de exemplares de uma coleção
de livretos chamados “The fundamentals” (os fundamentos). O objetivo era apoiar
a luta conservadora contra as posições liberais adotadas por algumas igrejas.
Mas o termo
“fundamentalista” só surgiu em 1920, cunhado por um editor batista. Com o tempo
o movimento foi ganhando mais adeptos e adotando ideias cada vez mais radicais.
Grupos anti-aborto cristãos norte-americanos,
como o “Exército de Deus” e a ACLA, cometeram sequestros, ataques a clínicas de
aborto e até homicídios sob o manto de um discurso “pró-vida” e “pró-família”. As
duas guerras dos EUA contra o Iraque (1991/2003 – Bush pai e Bush filho) foram
justificadas com discursos com nítido teor religioso. Observe que o
fundamentalismo apoia seu discurso em textos religiosos como solução para algo
visto como uma ameaça iminente à ordem e à paz (imigrantes negros, terrorismo, mudança
nos costumes, etc,). Um judeu poderia justificar a guerra contra os palestinos
citando o livro bíblico de Josué (Js 6,21). Um árabe muçulmano poderia citar o
Corão justificando uma matança dos idólatras (Sura 9,5). Até mesmo um cristão
poderia citar textos do Novo Testamento justificando a dissolução da família
(Mt 10,35) ou a automutilação (Mt 5,29). Como se vê, tudo depende dos olhos e
das intenções de quem lê.
Hoje, no Brasil, o
fundamentalismo tem tomado conta do cenário político. O que é proibido pela
religião – argumentam – deve ser proibido por lei. Com um discurso como esse o
horizonte que se abre é tenebroso, muito tenebroso.
Jones F. Mendonça
Nenhum comentário:
Postar um comentário