terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

PAULO, AS MULHERES E O COPISTA SEXISTA


São Paulo, de Marco Zoppo (1468)
Em sua primeira carta aos coríntios (ou segunda, cf. 1Co 5,9), a partir do capítulo XII, Paulo deixa orientações acerca de alguns problemas que estavam impedindo a comunhão da igreja local.

No capítulo XII ele trata sobre os dons (ou carismas, como gostam os católicos). Em seguida, no XIII, enfatiza a superioridade do amor sobre os dons. No XIV o “apóstolo dos gentios” destaca a superioridade da profecia sobre as línguas (glossolalia). Quando sua carta chega ao verso 33, parte “b”, deste último capítulo, algo estranho acontece. Leia:

33b Como em todas as congregações dos santos, 34 permaneçam as mulheres em silêncio nas igrejas, pois não lhes é permitido falar; antes permaneçam em submissão, como diz a lei. 35 Se quiserem aprender alguma coisa, que perguntem a seus maridos em casa; pois é vergonhoso uma mulher falar na igreja.

Há neste trecho uma interrupção na sequência temática que chama a atenção do leitor mais atento. O tema do capítulo é “profecia x línguas”, mas inesperadamente Paulo começa a falar sobre o comportamento das mulheres nas ecclesias (“não lhes é permitido falar”, v. 34). Mas não é só isso. Caso a recomendação presente no texto seja levada a sério (“perguntem a seus maridos”, v. 35), como ficariam as mulheres solteiras e viúvas? Outro detalhe. A expressão “como diz a lei” parece supor que a Torá ensine o silêncio das mulheres num culto público, mas tal orientação não existe! Além do mais Paulo tinha o costume de citar o texto ao qual fazia alusão. O trecho torna-se ainda mais estranho quando confrontado com o verso 5 do capítulo 11: “Mas toda mulher que ora ou profetiza...”. Ora, como poderiam profetizar nas eclesias se não lhes era permitido falar?

Alguns códices latinos e gregos, entendendo ser este trecho um adendo, puseram-no no final do capítulo, depois do verso 40, como um apêndice. Os versos 33b; 34 e 35 teriam sido inseridos por um copista, preocupado em enfatizar que as mulheres não deviam ter função pública na igreja (o mesmo teria sido feito com Júnia, a “apóstola eminente”, transformada em homem em Rm 16). A tese do "copista sexista" é defendida por Barth Ehrman e Gottfried Brakemeier.

Jones F. Mendonça 

4 comentários:

  1. Só vejo um problema nos argumentos: se eles são irrazoáveis para "Paulo" os ter usado, por que se pode imaginar que um "copista" os pudesse empregar em sua aventada glosa?

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  2. Osvaldo,

    Não acho que sejam irrazoáveis para Paulo. Talvez o trecho em questão reflita a opinião de Paulo (ou de seus seguidores, como na primeira carta deuteropaulina(?) de 1Tm 2,11) e tenha sido inserida mais tarde.

    Tens outra opinião?

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  3. Há hermeneutas que afirmam ser esta prescrição de Paulo quanto ao comportamento das mulheres, especificamente para a Igreja de Corinto, já que ali determinadas mulheres estariam tumultuando o andamento dos trabalhos religiosos com constantes brigas e discussões. Será? (Fabiane - fabianebpereira@hotmail.com)

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  4. Mas em 11,5 (falando à mesma igreja de Corinto) Paulo parece autorizar as mulheres a falarem no culto público. Teu argumento não cai por terra?

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