sexta-feira, 22 de março de 2024

SEMINÁRIO TEOLÓGICO BATISTA CARIOCA: AULAS


1. De modo geral, são classificados como “literatura sapiencial” os livros de Provérbios, Jó e Eclesiastes. O primeiro, formado por uma coletânea de sentenças curtas, é assertivo, direto, repleto de declarações imperativas: “escuta, meu filho”, “inclina teu ouvido…” (1,8; 22,17). Os dois últimos possuem natureza bem distinta: expõem muitas perguntas e oferecem poucas respostas. Jó expressa um sentimento de crise diante da dor e da perda material e afetiva. Eclesiastes também é uma literatura de crise, mas a crise, neste caso, é existencial, uma vez que a vida humana parece subsistir meramente como “névoa” e “doença ruim” (6,2).

2. Um leitor atento perceberá que a história de José, em Gn 37,39-50, preserva muitos elementos comuns à chamada literatura sapiencial, por isso foi classificada por von Rad como “romance literário didático” (um conto sapiencial). Inspirado no trabalho de von Rad, Shemaryahu Talmon sugeriu que a história de Ester igualmente revela a influência de uma “mão” sapiencial. R. N. Whybray, nas mesmas pegadas de von Rad, viu na narrativa de sucessão (2Sm 9-20; 1Rs 1-2) as marcas de uma tradição sapiencial. Também parecem preservar traços sapienciais os livros de Jonas, Rute, Daniel e alguns Salmos (como o 39 e 104), dentre outros.

3. Mas será que não estaríamos sendo seduzidos por uma espécie de “pan sapiencialismo”, como sugeriu Will Kynes? Existiu de fato, no Antigo Israel, um grupo de escribas palacianos conhecidos como “sábios” (חכם), atuando ao lado (e muitas vezes em conflito) de figuras bem conhecidas, como os sacerdotes e profetas? Será que a literatura sapiencial expressa a percepção de mundo de um grupo específico? É mesmo possível falar em uma “tradição sapiencial”? Que relação ela possui com os demais livros que compõem a Bíblia Hebraica? E, por fim: quais os limites desse suposto corpus literario?

4. A tentativa de responder a esta e a outras perguntas relacionadas à literatura sapiencial você encontra em “Was There a Wisdom Tradition? New Prospects in Israelite Wisdom Studies”, editado por Mark S. Sneed (Atlanta, SBL, 2015). Esta e outras questões também serão abordadas no curso "Livros Poéticos e Sapienciais da Bíblia Hebraica" do Seminário Teológico Batista Carioca. Espero você em nossa sala virtual. Procure a Viviane, nossa secretária: (21) 96536-9181.


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 8 de março de 2024

LUTERO, BEAUVOIR E OS BEBÊS


1. Quando Lutero diz, em suas Preleções sobre o Gênesis, que a mulher possui uma habilidade especial para acalentar bebês, em contraste com o homem, inapto para a tarefa, está naturalizando algo que é aprendido, e não implantado no DNA da fêmea.

2. Em "O segundo sexo", ao declarar que "ninguém nasce mulher, torna-se mulher", Simone de Beauvoir está dizendo exatamente isso: ser fêmea é algo dado pela natureza, ser "mulher" é uma construção social.

3. Assim, quando alguém diz: "isso não é coisa de mulher", está dizendo, "isso não é coisa que a sociedade [patriarcal] consolidou como papel reservado à fêmea". Mas Beauvoir não é tonta a ponto de dizer que tudo é construção social.

4. Quem faz isso é a chamada "esquerda identitária", que nada tem a ver com Marx ou com o socialismo. A direita conservadora, por outro lado, milita pela naturalização daquilo que é construído. Como se os edifícios dos costumes tivessem caído do céu.


Jones F. Memdonça