1. De acordo com o livro do Gênesis, a aliança entre Yahweh e os descendentes de Abraão deveria ser indicada por uma pequena incisão no pingolim, na carne do prepúcio dos machos (Gn 17,9-14). Sabemos, graças a representações preservadas em gravuras, que os egípcios – ao menos parte deles – também praticavam a circuncisão. O livro do profeta Jeremias (9,25-26) indica que o costume era cultivado por amonitas, moabitas e edomitas. Incircuncisos – atestam diversos textos da Bíblia Hebraica – eram os filisteus.
2. Como marcadora de identidade, a circuncisão foi combatida severamente por Antioco IV Epifanes (175-164 a.C.), que desejava unificar culturalmente as regiões sob seu controle com a fim de que todos “fossem um só povo” (1Mc 1,41-48). A circuncisão judaica também incomodou imperadores romanos como Tibério (14-37), Antonino Pio (138-161) e Adriano. De acordo com a História Augusta, uma coleção de biografias de imperadores romanos iniciada em 117 d.C., os judeus se rebelaram contra Adriano “porque foram proibidos de mutilar seus órgãos genitais” (14.2).
3. Os romanos viam a circuncisão como “castração” ou “mutilação”, por isso eram por vezes severamente condenadas. A animosidade entre indivíduos inseridos na cultura greco-romana e os judeus não se dava por “antissemitismo”, mas devido à resistência dos judeus a se assimilarem à cultura dos dominadores. Mais tarde, com a ascensão do cristianismo à religião oficial do império, no final do século IV, ganhou força o antijudaísmo, percebido, por exemplo, nos escritos de Ambrósio, João Crisóstomo e Agostinho de Hipona.
4. O antissemitismo, tal como conhecemos hoje, é o resultado de uma lenta e contínua transformação que foi capaz de converter preconceito religioso em preconceito étnico-racial. Entre cristãos da Idade Média, pouco acostumados à diversidade religiosa, os judeus eram vistos como um povo estranho. Além disso, a proibição da igreja aos empréstimos a juros feitos por cristãos a outros cristãos (considerado “pecado de usura”) abriu uma nova oportunidade aos judeus, acostumados a viver da atividade do comércio e dos negócios. Esse sucesso despertou a inveja e o ódio de muitos cristãos.
5. Deixo aqui a indicação de três livros sobre o assunto, ambos escritos por Robert Chazan, Professor de Estudos Hebraicos e Judaicos na Universidade de Nova York: 1) From anti-judaism to anti-semitism; 2) Reassessing Jewish life in Medieval Europe; 3) Medieval stereotypes and modern antisemitism.
Jones F. Mendonça