Acho interessante como a maioria dos líderes da igreja cristã (seja ela católica ou protestante) fazem de tudo para esconder dos fiéis formulações teológicas que já são praticamente consenso entre os teólogos. Admiro a coragem do biblista e teólogo Ariel Alvarez Valdés em renunciar ao sacerdócio por se recusar a negar suas idéias. Ele é mais um na lista dos teólogos católicos perseguidos pelo Vaticano, tais como Edward Schillebeeckx (a favor da ordenação feminina e de homens casados), Hans Küng (criticou a hierarquia da igreja), Eugen Drewermann (crítica ao celibato), Charles Curran (a favor de métodos contraceptivos), Jacques Dupuis (universalista) e Leonardo Boff (questionou a hierarquia e o papel da igreja). Alguns desses homens foram chamados de hereges, mas como dizia Rubem Alves: “heresia e ortodoxia são palavras criadas pelos ortodoxos. Mas [...] ortodoxos são aqueles que tiveram o poder para impor suas idéias”.
Transcrevo abaixo parte da entrevista feita com Ariel Valdés publicada pelo IHU.
O que o senhor defende acerca do relato de Adão e Eva?
Que não é um relato histórico. O autor que o escreveu não sabia nem pretendia ensinar como o homem apareceu sobre a Terra. O que a Bíblia sabe é de onde o homem veio: das mãos de Deus. Como ele apareceu, se foi ou não como a teoria da evolução propõe, é assunto dos cientistas. O relato de Adão e Eva procura destacar a grandeza de um homem e de uma mulher criados por Deus: ninguém pode abusar de outra pessoa, por mais humilde que seja, já que em todo o ser humano reside a imagem de Deus.
E qual é a doutrina oficial da Igreja a respeito?
A imensa maioria dos teólogos defendem o que eu acabo de dizer. De fato, o Vaticano me enviou uma carta em que reconhecia que minha posição era correta, mas questionavam o fato de divulgá-la ao grande público, em vez de circunscrevê-la a livros técnicos de difícil acesso.
Outros pontos de discrepância se referiam à figura de Maria.
Não é verdade que o anjo Gabriel tenha "aparecido" a Maria, como um senhor que entrou voando pela janela: se tivesse sido assim, Maria não teria tido oportunidade para expressar sua fé. Se realmente tivesse visto o anjo, não se trataria de fé. Na realidade, o anjo simboliza a voz de Deus no coração de Maria.
Outro ponto era a sua negativa em admitir "aparições" da Virgem Maria.
Os mortos, segundo a Bíblia, não podem voltar à Terra. Aquele que morreu não volta, e o que voltou nunca morreu. Essas histórias que Víctor Sueyro recompilava, de túneis, luzes e música, correspondem ao aquém: ninguém volta do além. Então, a Virgem Maria não pode "aparecer", não pode se apresentar fisicamente a ninguém. Alguém pode ter uma visão da Virgem Maria, que ocorre na retina da pessoa, mas não no exterior.
O senhor também propôs que os chamados estigmas não são sinais de santidade, nem provêm de Deus.
Lamentavelmente, muitos acreditam que são sinais de santidade enviados por Deus. Mas não podem vir de Deus, porque doem muito. Um estigma é terrivelmente doloroso, é uma fenda na mão. Deus é amor e bondade e não pode mandar feridas às pessoas. Os estigmas vêm dos desequilíbrios mentais das pessoas: cientificamente, a mente humana pode ter um poder despótico sobre o organismo. Da mesma forma, muitas pessoas continuam pensando que Jesus nos salvou com a sua morte na cruz e que, senão, não teria nos salvado. Quer dizer que Ele contratou Pilatos para que o condenasse, a Pedro para que o negasse, a Judas para que o traísse? Se Judas não o tivesse entregue, Ele não teria nos salvado? Jesus teria nos salvado da mesma forma, mesmo que tivesse morrido velhinho em sua cama. Porque ele nos salva por meio do amor, não da dor.