terça-feira, 13 de maio de 2025

CONEXÕES ENTRE O JARDIM E O APRISCO NO EVANGELHO DE JOÃO


1. O ambiente que compõe o cenário da prisão de Jesus, tal como registrado no capítulo 18 do evangelho de João, é um jardim localizado no Monte das Oliveiras. De acordo com o evangelista, Jesus entra nele com seus discípulos e logo é assaltado por um destacamento de guardas armados, conduzidos por Judas (18,3). Jesus não foge deles. Pelo contrário, ele os enfrenta, revela sua identidade e pede para que não importunem seus discípulos (18,8). Pedro tenta reagir violentamente contra os algozes, mas Jesus o detém. A razão alegada: "deixarei eu de beber o cálice que o Pai me deu?" (18,11).

2. James Resseguie percebeu uma notável semelhança entre o que acontece em Jo 18 e a parábola preservada no capítulo 10 de João. Na parábola Jesus se coloca com o “bom pastor”, como aquele que “enfrenta o lobo” (10,12), como aquele que “dá a vida por suas ovelhas” (10,11). Não é, portanto, como o “ladrão”, o “assaltante”, o “mercenário” (10,1; 10,12). O ladrão – ele enfatiza – veio para “roubar, matar e destruir” (10,10). Seu objetivo é assaltar as ovelhas e dispersá-las (10,12). Não se importa com elas.

3. James Resseguie supõe que o jardim de Jo 18 está de alguma maneira conectado ao aprisco de Jo 10. No jardim, acompanhado de seus discípulos, Jesus “enfrenta os lobos”, os “ladrões”, os “mercenários”. Não foge, não se acovarda, não permite que suas ovelhas sejam feridas, devoradas, dispersadas. Judas, os fariseus e os guardas desejam entrar pela “porta do jardim”, mas são detidos por Jesus, que avança para proteger suas ovelhas. O jardim de Jo 18 funciona como um aprisco. Jesus é o bom pastor, seus discípulos as ovelhas, Judas o líder dos lobos-ladrões-mercenários (Judas é chamado de “ladrão” – κλεπτης – em 12,6).

4. A leitura desatenta de Jo 10 converteu o “ladrão”, o “mercenário”, o “lobo”, ou seja, aquele que “veio para roubar, matar e destruir”, em “diabo”. Mas não se trata disso. O texto na verdade fala de “falsos pastores”, de líderes que “apascentam a si mesmos” (Ez 34,8), que abandonam suas ovelhas em “dias de nuvem e de escuridão” (Ez 34,12). O episódio narrado em Jo 18 está conectado a Jo 10, que por sua vez se conecta a Ez 34. A Bíblia, em sua forma final, acabada, canonizada, é o resultado de um processo contínuo de leitura, releitura e ressignificação.

5. Quem estiver interessado neste tipo análise textual deve se debruçar sobre os trabalhos de James Resseguie (NT), Robert Alter (AT) e tantos outros dedicados à chamada “leitura atenta”, “narratologia”, “interpretação bíblica formalista” ou “neocrítica”.



Jones F. Mendonça

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