domingo, 4 de agosto de 2024

SOBRE O MAL METAFÍSICO-ONTOLÓGICO NA BÍBLIA HEBRAICA

1. Inexiste na Bíblia Hebraica uma palavra capaz de exprimir a ideia de algum tipo de mal metafísico-ontológico. Uma das palavras hebraicas comumente traduzidas por “mal” é רע (ra’), que significa simplesmente “ruim” (como oposição àquilo que é considerado bom, agradável, belo ou aprazível).

2. As vacas “magras e feias” (Gn 41,3) que aparecem no sonho de José, por exemplo, são na verdade “magras e ruins (רע)”, em oposição às vacas “gordas e formosas” (41,2). “Ruins”, neste caso específico, indica uma “aparência ruim”, ou seja, “feia”. Is 45,7 apresenta Yahweh como uma divindade que faz a shalom (bem estar pleno) e cria o “mal” (רע). Mas essa tradução não é boa.

3. Veja que o termo hebraico רע (ra’), neste caso, atua em oposição à shalom, ao estado de pleno bem estar. O que o texto quer dizer é: Yahweh é plenamente soberano, ele produz tanto aquilo que nos parece bom, prazeroso e belo (como a videira que brota da terra), como aquilo que nos parece ruim, doloroso e feio (como a criança dilacerada pela guerra).

4. Não é “bem” e “mal”, mas “bom” e “ruim”. Percepções mais complexas e desenvolvidas a respeito da existência de um “bem” ou de um “mal” intrínseco aos seres só é perceptível na tradição literária dos hebreus a partir do seu contato com a cultura grega. A árvore do conhecimento do “bem” e do “mal” é, na verdade, árvore do conhecimento do “certo” e do “errado”.

5. Mas qual seria o parâmetro para esse “certo” e esse “errado”? Ora, a Lei, a Torah. “Certo” é aquilo que a Torah estabelece como “certo”. “Errado” é aquilo que a Torah estabelece como “errado”. Alguém poderia perguntar: “mas Jones, não existia Torah no Éden!”. Ora, não existia para os personagens da narrativa, mas existia para quem redigiu a narrativa. E isso faz toda a diferença.



Jones F. Mendonça

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