Afundou-as no esconderijo da derme,
na confusão das memórias,
sob escudos impérvios,
em quietude abismal.
Mas era memória viva,
agonia explosiva,
lembrança ativa,
prisão em convulsão.
Ao toque do sino,
sob branda brisa,
expandiu fronteiras
com o vigor de mil sóis.
Jones F. Mendonça
terça-feira, 22 de setembro de 2015
quinta-feira, 17 de setembro de 2015
A HISTÓRIA POLITICAMENTE INCORRETA DA REFORMA PROTESTANTE
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Com os olhos estatalados e o dedo lambuzado de saliva vai
folheando páginas ao acaso. Percebe então que sob a pena de Lutero os nomes de seus desafetos
vão ganhando novas formas. O teólogo católico [John] Eck se transforma em Dreck (sujeira) ou Dr Sau (porca);
Muntzer é alterado para Murnarr (tolo); Cochlaeus converte-se em Rotslöffel
(colher de meleca); o duque de Braunschweig é tratado como Hanswerst (palhaço); papistas como “asnos” e a igreja romana como “prostituta”.
Ainda atordoado Bobinho apanha outra obra e se depara com esta confissão do reformador: “Nunca progrido melhor na
oração, pregação e redação do que quando me enfureço. De fato, a ira... aguça o
espírito e caça as tentações” (WA TR 2, 455, nº 2410).
Bobinho fecha o livro perplexo após se dar conta de que o "rapá", o "malandro" e o "funicar" de Malafaia são insignificantes perto das expressões ainda mais toscas empregadas pelo reformador alemão.
Bobinho fecha o livro perplexo após se dar conta de que o "rapá", o "malandro" e o "funicar" de Malafaia são insignificantes perto das expressões ainda mais toscas empregadas pelo reformador alemão.
Jones F. Mendonça
segunda-feira, 14 de setembro de 2015
TRIBALISMO E SECTARISMO NO ORIENTE MÉDIO
Khaleb Diab, escritor e jornalista belga-egípcio, contesta a tese de que a instabilidade no Oriente Médio deve-se às suas fronteiras
artificiais e aos diversos grupos sectários que os colonizadores foram
incapazes de conter. Ele explica:
Não há um país na Europa cujos limites não são artificiais, cujas fronteiras do passado não se sobrepõem com as de seus vizinhos e cuja população não é uma mistura confusa de povos.
E conclui: “O tribalismo é o sintoma, e não a causa, dos
males do Oriente Médio”. Dentre as diversas causas, estariam a incompetência dos governantes, a dominação estrangeira, a pobreza, etc. Ele destaca que a grande diferença é que a Europa têm
conseguido conter esse “tribalismo” (como o nacionalismo, as tensões raciais e
religiosas, etc.) e o Oriente Médio, ao contrário, tem, fracassado.
Leia o texto completo no Al-Jazeera:
Jones F. Mendonça
O EXEMPLO QUE VEM DO LÍBANO
Um quarto da população do Líbano - país com economia pequena
- é formada por refugiados sírios. Eu disse um quarto! O país recebeu mil vezes
mais refugiados que a Inglaterra. Então, como assim a Europa vai entrar em
colapso com a chegada de refugiados?
Informações oficiais sobre os refugiados no Líbano aqui:
Jones F. Mendonça
EM NOME DOS VALORES CRISTÃOS: MORTE AOS INFIÉIS
De acordo com o evangelho de Marcos (7,11) os fariseus encontraram
um bom argumento para negar um pouco de solidariedade aos pais. Diziam que seus
bens haviam sidos consagrados a Deus (corban). Ah, quanta piedade!
Parte da liderança europeia (e cristã brasileira) aprendeu a lição direitinho. Diz
que deve rejeitar os refugiados - em sua maioria muçulmanos - para preservar os
valores cristãos. Ao fechar suas portas revela que tais valores já se
esgotaram. Ou sequer existiram...
Jones F. Mendonça
ZÉ BOBINHO E OS REFUGIADOS
Zé Bobinho, desinformado que só, grita aos quatro ventos que
os refugiados sírios devem migrar para países do Oriente Médio e não para a Europa, "bastião dos mais nobres valores cristãos".
Mas o que Bobinho não sabe é que 95% dos 4 milhões de sírios
que deixaram o país estão justamente em apenas cinco países do Oriente
Médio: Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito. A informação é da Anistia Internacional.
Bobinho não aprende. Continua interpretando o mundo pelas
lentes blogs apologéticos cristãos como o Genizah, Júlio Severo e Braulia Ribeiro.
Jones F. Mendonça
JESUS FALAVA GREGO?
Boa parte dos estudiosos aceita o aramaico (língua aparentada com o hebraico) como sendo o idioma falado por Jesus. Mas para G. Scott
Gleaves, professor na Universidade Faulkner, Alabama, a língua mais falada e
escrita na Palestina do primeiro século era o grego:
Ao contrário dos estudos atuais, acho que o grego era mais amplamente utilizado, tanto na forma escrita como oral, por Jesus, seus discípulos e os judeus que habitavam Palestina do primeiro século.
Jones F. Mendonça
quinta-feira, 10 de setembro de 2015
BRAULIA RIBEIRO E SUA TEOLOGIA DA INDIFERENÇA
Nas extremidades do cabo de força que atravessa a Síria há dois
pilares principais de potências militares: a) Russia e Irã apoiam o ditador Bashar al-Assad;
b) EUA e alguns países europeus depositam suas fichas nos rebeldes que querem
derrubá-lo. Esses dois principais grupos de interesse agem, de forma bastante simplificada, do seguinte modo:
Grupo 01 (Rússia/Irã) - Embora seja um ditador sanguinário, Assad mantém um governo
laico que sempre protegeu minorias religiosas, tais como cristãos, drusos, alawítas
e xiitas. A Rússia marca sua presença na Síria no porto de Tartus, sua única
base naval no Mediterrâneo. O Irã age no país armando o Hezbollah, grupo
paramilitar libanês.
Grupo 02 (EUA/Europa) - EUA e Europa, ávidos pela queda do ditador, estão dispostos
inclusive a apoiar rebeldes extremistas para alcançar seus interesses. A
pergunta é: sem Assad a vida na Síria será melhor ou seu destino será
semelhante ao da caótica Líbia depois da queda de Kaddafi pela intervenção
militar da NATO em 2011?
No meio dessa disputa está o povo, que atravessa desertos e mares
na esperança de encontrar uma terra segura para viver. Quem atribui a culpa
pelo conflito a apenas um país, religião, governante ou grupo armado ignora ou finge ignorar os diversos fatores que fizeram da Síria uma canoa à deriva num oceano em revolta.
Ontem, enquanto lia (com embrulho no estômago) texto escrito
pela missionária ex-presidente da missão JOCUM no Brasil, Braulia Ribeiro (Título: “Não tenho culpa pela tragédia do menino sírio”), deparei-me com esta frase referindo-se aos refugiados sírios: “vão
se entrincheirar em guetos culturais e exigir a prática legal da Lei Sharia” [para
quem não sabe, a Lei Sharia é a lei islâmica]. Mais adiante diz: “O culpado
único desta tragédia é o islamismo em todas as suas formas, radicais ou não”
(destaque para “radicais ou não”).
É claro, óbvio, que a Europa precisa ter cuidado com
refugiados que atravessam suas fronteiras, sejam eles muçulmanos,
cristãos, budistas, etc. Mas Braulia trata todos os fugitivos da guerra como se fossem
fundamentalistas defensores de um Estado governado pela lei islâmica. Enxerga o
conflito como se fosse o resultado de um agente apenas: o islamismo. Tem visão atomizante
e reducionista do mundo. Revela uma percepção manca da realidade.
Jones F. Mendonça
quarta-feira, 9 de setembro de 2015
SOBRE CRISTÃOS INCESTUOSOS E COMEDORES DE CRIANCINHAS
Nos primeiros séculos os cristãos foram acusados pelos
romanos de comer a carne e beber o sangue de criancinhas. Encontraram até texto
bíblico provando a prática: “se não comerdes a carne do filho do homem e não
beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6,53).
Os romanos, ignorantes (e com boa dose de maldade) a
respeito dos costumes cristãos, entenderam a expressão “filho do homem” como
sendo uma referência às crianças. Resultado: cristãos comem a carne e bebem o
sangue de crianças. Havia ainda outra acusação injusta: tratar a própria mulher
como “irmã” foi entendido como evidência de que praticavam incesto.
Ontem os cristãos foram vítimas da ignorância dos romanos. Hoje,
quando fazem declarações preconceituosas (e, em muitos casos, com boa dose de
maldade) a respeito de adeptos de outras religiões, agem com a mesma
perversidade de seus antigos algozes.
Ter um pouquinho de consciência histórica e bom senso não
faz mal a ninguém.
Jones F. Mendonça
segunda-feira, 7 de setembro de 2015
A PAIXÃO DE CRISTO EM QUATRO IMAGENS
Como pequeno
passatempo coleciono imagens do Cristo nos momentos mais dramáticos da paixão. Interessa-me o modo como como essas cenas foram sendo representadas ao longo da história. Abaixo quatro
imagens particularmente interessantes:
1. Amuleto com a
representação do Cristo crucificado numa gema de jaspe vermelha e verde datada
para o II-III século. A cena da crucificação é rara nos primeiros séculos do
cristianismo. Eram mais comuns as cenas mostrando seu triunfo sobre a morte.
2. Este Cristo
crucificado (Crucifixo Gero), do final do século X, retrata Cristo não como vencedor
da morte, mas como homem nas profundezas da humilhação, tema que se torna comum
apenas a partir do século XII. Foi talhado em madeira para o arcebispo Gero
(969-976).
3. Esta tela
medieval (“Cristo coroado de espinhos”, por Fra Angelico, 1438-1439.), ao invés de
destacar a dor física, valoriza a angústia do Crucificado. Os olhos avermelhados
e a expressão facial transmitem com extrema intensidade o horror e a agonia da
crucificação. Remete um observador familiarizado com os Evangelhos ao texto de Mc
13,34: “minha alma está triste até a morte”.
4. A última imagem
é uma escultura, “O Cristo torturado” (1975), do artista brasileiro Guido Rocha. Sua
história como perseguido político na época das ditaduras latino americanas
certamente deixou marcas na obra.
Jones F. Mendonça
sábado, 5 de setembro de 2015
40 MAPAS QUE EXPLICAM O ORIENTE MÉDIO
Está com dificuldade para entender todos os conflitos no Oriente Médio? Que tal esta página recheada de mapas e informações:
Jones F. Mendonça
OS HEBREUS E O PINGOLIM
![]() |
Por Marc Chagall |
Algo curioso no universo linguístico hebraico é o uso de eufemismos para designar o órgão sexual masculino.
Em Ex 28,42 o “pingolim” é chamado de “carne” (basar); em Lv 18,6 é tratado de forma genérica como “partes íntimas” (ervah); em 2Rs 18,28 aparece como “pé” ou “perna” (reguel); em Dt 23,1 vem como “tubo” (shofkha); em Is 57,8 como “mão” (yad) e em Hb 2,15 como “me’or (nudez).
Em Ex 28,42 o “pingolim” é chamado de “carne” (basar); em Lv 18,6 é tratado de forma genérica como “partes íntimas” (ervah); em 2Rs 18,28 aparece como “pé” ou “perna” (reguel); em Dt 23,1 vem como “tubo” (shofkha); em Is 57,8 como “mão” (yad) e em Hb 2,15 como “me’or (nudez).
No judaísmo tardio (era cristã) surgiram novos eufemismos, tais como “face interior” (panin mata shel); “órgão” (evar); “dedo médio” (ama) ou simplesmente “dedo” (etzba).
No que diz
respeito a palavra reguel (pé)
com sentido de “pênis”,
é possível
que Rute, quando chega de mansinho perto do Boaz embriagado e “descobre seus pés”
tenha na verdade tirado a roupa dele e se deitado. Outra possibilidade é que Rute tenha "se descoberto"
aos pés dele (e não "os pés
dele") e deitado (neste caso não
haveria eufemismo). O verso 8 parece reforçar
a segunda tese. A versão
tradicional "descobriu os pés
dele e se deitou" não
faz qualquer sentido.
Jones F. Mendonça
sexta-feira, 4 de setembro de 2015
SANDICE NO BAILE DE MÁSCARAS
A guerra na Síria já matou, por baixo, 200 mil pessoas desde
seu início em 2011. Imagine o monte de tripas e sangue que já mancharam aquela
terra. Então a mídia mostra o corpo de um menino morto. Um apenas. E o mundo
acorda.
Zé Bobinho está indignado. Resolveu escrever uma carta ao
presidente dos EUA. Exige que o governo envie tropas à Síria e acabe com Bashar
al-Assad, aquele “ditador sanguinário”.
Tolice, sua esposa, também faz intensa campanha. Quer que os
marines americanos destruam com suas poderosas bombas o Estado Islâmico, aquele
grupo de fanáticos religiosos ensandecidos.
De Zé Bobinho e Tolice nem sabem onde fica a Síria. Nunca
leram com profundidade sobre as razões do conflito. Não entendem absolutamente nada a respeito de
como funciona o mundo.
É sandice travestida de compaixão.
Jones F. Mendonça
quarta-feira, 2 de setembro de 2015
O ALEGORISTA, A HIENA E O PEDERASTA
Pseudo-Barnabé, autor cristão de uma epístola escrita no
final do século I, tenta explicar as razões da restrição à carne de lebre e de
hiena, como prevista (apenas a da lebre) nos livros bíblicos de Levítico e Deuteronômio
(Lv 11,6; Dt 14,7). Saiu-se com esta:
Também "não comerás a lebre". Por que razão? Isso quer dizer: não serás pederasta, nem imitarás aqueles que são assim. Porque a lebre, a cada ano, multiplica seu ânus. Ela tem tantos orifícios quanto o número de seus anos. Também "não comerás a hiena". Isso quer dizer: não serás nem adúltero, nem homossexual, e não te assemelharás àqueles que são assim. Por que razão? Porque esse animal muda de sexo todos os anos e torna-se ora macho, ora fêmea (Epístola de Barnabé, X).
Ao final vem a explicação de seu método de interpretação: “Moisés,
tendo recebido tríplice ensinamento sobre os alimentos, usou linguagem
simbólica. Eles [os judeus], porém, o entenderam sobre os alimentos materiais,
por causa do desejo carnal”.
A história da dupla sexualidade das hienas é conhecida desde a antiguidade. Aristóteles (alguns séculos antes do pseudo-Barnabé) já havia demonstrado em De generatione animalium e Historia animalium (Arist. Ga 3.6, 757a7-12) que tal percepção não passa de uma ilusão de ótica.
Jones F. Mendonça