A torre de Babel (1563) Pieter Bruegel, o Velho |
Desde
que Teodósio I tornou o cristianismo
religião oficial do Estado, no final do século
IV, o clero romano foi ganhando cada vez mais poder para controlar a interpretação da Bíblia. As chaves de
Pedro permitiam acesso não apenas ao céu, mas também à mensagem divina contida
no Livro Sagrado. A palavra final em questões de fé era dada pela cúpula da Igreja: Roma locuta, causa finita!
Lutero
rompeu (rompeu?) com esse paradigma ao proclamar o livre exame das Escrituras. Mas livre exame, dirá um “bom”
protestante, não é o mesmo que livre
interpretação. O exame é livre, a interpretação não! O fruto pode ser
tocado, jamais comido. Ora o que temos então? Houve alguma mudança? O poder de
interpretar continuou nas mãos de quem sempre esteve: dos sacerdotes. Antes, sacerdotes católicos, depois sacerdotes protestantes.
Mas
na prática ninguém se contentou em apenas manusear o fruto proibido. Zwínglio, Calvino, Thomas Müntzer, Thomas Cranmer e tantos
outros, em sua ânsia de “tocar os céus”, não resistiram à tentação e
abocanharam o suculento fruto. E que gosto tem? Para um, amora, para outro,
framboesa, para outro, ameixa, para outro, morango. Cada qual, a seu modo,
passou a construir altas torres
doutrinárias sustentadas pela sensibilidade do seu paladar. Não demorou
muito para que uns não entendessem mais a língua dos outros. Guerras foram travadas, cidades foram
saqueadas, reinos foram divididos e as opiniões sobre o sabor do fruto se multiplicaram:
melancia, melão, cereja, uva, groselha, kiwi, limão, cajá, seriguela, jaca...
Em
pleno século XXI alguns grupos
insistem em dizer que o problema do cristianismo é que algumas pessoas interpretam
a Bíblia de maneira equivocada. Alegam que a leitura da Bíblia é manca quando
não busca apoio na teologia. Só assim, esbravejam, poderemos, de novo, falar o
mesmo idioma, tal como ocorreu em Pentecostes. Ora, se a “teologia” já é (em
tese) o resultado de uma leitura da Bíblia, como pode ser usada como parâmetro
para sua interpretação? O argumento,
como se vê, é circular.
Fica
a pergunta ao caro leitor: Ingenuidade
ou astúcia?
Jones
F. Mendonça
Bravo...
ResponderExcluirResposta: pode ser pura cegueira mesmo...
Ótimo post! Creio que vale lembrar que nem todo mundo foi com roma, vide as igrejas não calcedônicas.
ResponderExcluirE sobre a resposta, talvez um pouco dos dois.
Davi,
ResponderExcluirSem dúvida Lutero não foi o primeiro, mas com certeza foi o mais radical do ponto de vista hermenêutico.
De qualquer forma, fica registrado esse dado importante.
Abraço!