Obra que influenciou os teólogos do processo |
Para
ilustrar o que [não] é o calvinismo elaborei uma pequena história:
Théo, rei que possui um vasto território sob seu domínio, enviou dois de seus súditos a uma cidade próxima a fim de que colhessem uma erva de poderes curativos. Antes de partirem, o bom e misericordioso Théo lhes deixou uma advertência: “não sigam pelo pântano, ainda que seja um caminho mais curto. Muitos já foram tragados pelo solo pantanoso daquele lugar”.
Os dois súditos, não dando crédito ao aviso do soberano, seguiram pelo território proibido e acabaram atolados até o pescoço. Os dois já estavam desmaiados quando Théo, que acompanhava ocultamente os dois descuidados súditos, chegou ao local. Ainda que Théo pudesse salvar os dois homens, ele misteriosamente escolheu apenas um para tirar do atoleiro. O outro, como era de se esperar, morreu tragado pela lama. A graça de Théo alcançou apenas um. O outro foi condenado por sua própria desobediência.
A
história acima poderia muito bem ser utilizada como ilustração para a doutrina calvinista, não fosse um
detalhe: na perspectiva de Calvino a queda dos dois súditos na areia movediça precisaria
necessariamente ter sido preordenada
(e não apenas prevista) por Théo. Neste caso, dizer que um dos homens foi
condenado por sua própria concupiscência não condiz com a lógica dos
fatos. Se o governo de Deus sobre o
mundo ocorre tal como Calvino supõe, somos todos personagens de um livro já
escrito e fechado, sem possibilidade de correções. Para Calvino Adão pecou
porque Deus preordenou. Até mesmo os criminosos cumprem os propósitos divinos. Fica a pergunta: se seus atos foram
preordenados, como podem ser responsabilizados por eles? É neste ponto de
Calvino apela ao mistério, recurso muito útil aos teólogos.
O
arminianismo apresenta uma saída
para este problema argumentando que Deus elege para a perdição e salvação
baseando-se em sua presciência e não em decretos. Na perspectiva arminiana,
indivíduos são salvos/condenados não porque Deus simplesmente quis assim, mas
porque já sabia de antemão quem iria aceitá-lo/rejeitá-lo. Ainda que insistam
que a salvação não pode ser alcançada sem a graça de Deus, os arminianos
defendem que o homem desempenha um papel ativo, cooperando com a graça (como na
teologia católica, respeitadas suas diferenças). O arminianismo tenta conciliar soberania
divina com liberdade humana.
Há
quem argumente que no fundo o arminianismo não é muito diferente do calvinismo.
Se Deus sabe que amanhã ao meio-dia serei atingido por um raio, não me torno,
como no calvinismo, um personagem de um livro fechado e selado, condenado a
seguir um roteiro cujas letras, escritas a ferro e a fogo, não se podem mover? Para
resolver este problema e afirmar a autonomia e liberdade humana, seria
necessário negar a onisciência divina. Assim nasce a teologia do processo.
Querendo
enfatizar a autonomia e liberdade humana, a teologia do processo passou a defender que Deus simplesmente não
conhece o amanhã. Para os teólogos do processo Deus é apenas persuasivo, nunca coercitivo.
Ele é imutável apenas no caráter e intenção, mas mutável quanto a experiência e
relações. Outra característica da teologia do processo é a ênfase na imanência
de Deus: Ele e o mundo estão intimamente envolvidos, e se afetam mutuamente. Percebe-se
nesta teologia certa tendência ao panenteísmo
(Deus está no mundo, todavia, é mais que o mundo). Há quem acuse o teísmo
aberto de ser uma adequação ao pensamento moderno sobre a natureza do mundo ou
de buscar conexões com a filosofia. Mas é preciso lembrar que a teologia
cristã, principalmente a partir de Paulo, foi fortemente influenciada pela
filosofia platônica. O próprio Calvino
(como Lutero), que se diz essencialmente bíblico, bebeu em Agostinho, que por
sua vez bebeu em Platão.
É,
todo mundo bebe em algum lugar. Eu não sou diferente, confesso. O que eu acho
sobre a relação entre liberdade humana/soberania divina? Ah, tenho mais o que
fazer...
Jones
F. Mendonça
Teologicamente falando, penso que, no Cristianismo, a única teologia coerente e honesta é o Calvinismo, e na sua versão dortiana: Deus criou uns para o céu e outros para o inferno. Ponto. As demais teologias apenas tentam ou dourar a pílula ou tornar o discurso mais adequado ao crescente humanismo que acompanha a história da Igreja.
ResponderExcluirTeologicaqmente falando, ainda, se eu entrar no céu, e ele for calvinista, saio, abandono, vou pro inferno, se preciso. Se eu não puder, por forçado ser a ficar, direi ao deus-calvinista que eu não fico ali por bem, só por mal, e ele terá de saber disso.
A um deus que cria alguns para arder no inferno, eu não teria nada de bom a dizer. Sobre ele, pensar. Pensar em felicidade no céu, tendo esse deus criado o inferno, os homens que o habitam e os anjos maus, idem, é de um cinismo inigualável, de uma perversidade inatingível.
Assim, o que há de mais coerente é, também, o mais degradante.
E se o sujeito é calvinista, e disso tem consciência, isto é, do que acabei de dizer, não posso, igualmente, pensar boa coisa da alma desse sujeito. É muita crueldade cogitar a felicidade no céu, à custa de homens a fritar no inferno - por obra e graça da soberania de um tirano.
Osvaldo Luiz Ribeiro
Osvaldo,
ResponderExcluirCalvino é o campeão da coerência, contudo, eis sua grande falha lógica:
"o homem cai porque assim o ordenou a providência de Deus; no entanto, cai por falha sua"(Livro III, cap. XXIII, sessão 8).
Seria muito mais honesto admitir que Deus é também responsável pela queda. Se tivesse reconhecido isso seu sistema seria 100% coerente.
O arminianismo é um calvinismo disfarçado. A teologia do processo é elegante, bem elaborada, mas no fundo não resolve o problema do mal.
O que sobra é um mundo caótico, governado pelo acaso. Einstein estaria enganado (como parece demonstrar a física quântica): "Deus joga dados".
Oi, Jones
ResponderExcluirCalvinismo, Arminianismo e Teologia do Processo não passam de racionalizações. Abstrações de um mundo de sonhos da Teologia Ontológica.
Um abraço.
Robson Guerra
Jones, nesse particular, você está certo - mas, quando penso calvinismo, corrijo eu mesmo essa desavergonhada restrição lógica. E todo bom calvinista o sabe. Ou não?
ResponderExcluirRobson,
ResponderExcluirPor mais que muitos religiosos insistam em criticar a filosofia ou o uso da lógica na sistematização de suas doutrinas, todos fazem uso de ambas. Neste ponto Bultmann foi honesto ao admitir ter recebido influência do existencialismo de Heidegger.
Um abraço!
Osvaldo,
ResponderExcluirJamais encontrei um calvinista disposto a discutir esse ponto. Um calvinista inteligente sabe, mas insiste em afirmar o paradoxo de uma maneira obstinada.
Um calvinista ousado a ponto de levar ás últimas consequências o pensamento de Calvino. Gostaria de conhecer esse sujeito.
Um abraço!
Já ouviu falar de vincent cheung?
ExcluirNão, não há esse sujeito. Os que sabem, se calam. O mais cômico desse silêncio é que esse ponto é o ápice da lógica teológica, mas é o que desmonta toda a culpa humana. Mas há tempos que eu deixei de me importar com essas teologias. Na base delas está o templo de Jerusalém e sua teologia má e perversa - por isso toda a teologia permaneceu assim, má e perversa.
ResponderExcluirTenho a sistemática do Cheung. Tenho também a do Grudem.
ResponderExcluiro decreto em calvino é antes da pre-ciência ,logicamente, , logo Deus fica refém do seu próprio ato. Ele se auto "engessa".
ResponderExcluirCalvinismo: Deus Exerce Misericordia para alguns e Justiça para outros. Logo Deus nunca é injusto ou engessado... Mas logo cumpri seus príncipios.
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