quarta-feira, 1 de junho de 2011

APONTAMENTOS DE HERMENÊUTICA: SANTO AGOSTINHO E SÃO JERÔNIMO

São Jerônimo (1605-06) - Caravaggio
Monastery, Montserrat
... anterior (apontamentos de hermenêutica: Alexandria e antioquia).

Duas figuras que viveram no final da Idade Antiga tiveram forte influência na interpretação bíblica na era medieval: Agostinho de Hipona (345-430 d.C.) e São Jerônimo (347-420 d.C.).  

1.1 Agostinho de Hipona - Apesar de enfatizar a importância da interpretação histórico-gramatical, como fazia a escola de Antioquia, Agostinho nunca abandonou o método alegórico. Como justificação para suas interpretações alegóricas, ele citava o texto de 2 Co 3,6: “Porque a letra mata, mas o espírito vivifica”[7].  

·        A letra  - interpretação literal;
·        O espírito - interpretação alegórica  

Agostinho acreditava que as Escrituras tinham um sentido quádruplo:  

·        Literal (ou histórico) – é o sentido simples, histórico;
·        Alegórico – sentido oculto, velado;
·        Moral (ou tropológico) – ensinamento de caráter moral presente no texto,
·        Escatológico (ou anagógico) – sentido que aponta para o futuro.  

Essa divisão é criação de João Cassiano (360-435), monge da Cítia (atual Romênia). Cassiano compôs uma cantiga de quatro versos que se tornou famosa na Idade Média:  
“Littera gesta docet, quid credas allegoria, moralis quid agas, quo tendas anagogia”[8].

[A letra ensina o que aconteceu, a alegoria, o que deve crer, o sentido moral , o que deves fazer, o sentido anagógico, que esperança deves ter]. 
Um exemplo de como esses quatro sentidos das Escrituras podem ser aplicados a um mesmo elemento do texto pode ser visto num comentário de Cassiano:  
“no sentido histórico [Jerusalém] será a cidade ou metrópole dos judeus; no alegórico, a Igreja de Cristo; no anagógico, a cidade celeste, que é a ‘nossa mãe’, de acordo com a crença paulina; no sentido tropológico, será a alma humana, que vemos louvar ou repreender ao Senhor, com este mesmo nome de Jerusalém”[9].  
1.2 Jerônimo - foi o autor da Vulgata Latina (latim vulgar), versão da Bíblia traduzida para o latim, considerada versão oficial pela Igreja Católica até 1995, quando foi substituída pela Nova Vulgata.  

Jerônimo tentou combinar razoavelmente a exegese literal dos hebreus e as alegorias dos doutores da igreja. Apesar disso, o recurso da alegoria continuou sendo utilizado para explicar passagens difíceis:  
A primeira coisa deverá ser o conhecimento do sentido literal, isto é, saber o que o hagiógrafo procura dizer. Esse sentido quase sempre é possível, constituindo ponto de partida para outros. Quando não existe essa possibilidade, o que raras vezes ocorre, deve-se reconhecer o fato e admitir que a passagem é um recurso alegórico para revelar verdades mais profundas e espirituais não expressas nas letras do texto[10]. 
Notas:
[7] AGOSTINHO, A doutrina cristã, III, cap.  V.9, pp. 159-160 apud SCHOLZ, Vilson. Princípios de interpretação cristã, p. 46.
[8] VV. AA. Catecismo da Igreja Católica: edição típica vaticana, p.42.
[9] João Cassiano, Colaciones, Conferencia XIV, sobre la ciencia espiritual, Rialp. Madri, 1962, t. II. pp. 95-97 apud RAGUER, Hilari; SUÑER, Hilari Raguer. Para compreender os Salmos, p. 158.
[10] MORENO, Francisco. São Jerônimo, p. 161.

Próximo (apontamentos de hermenêutica: a interpretação bíblica na era medieval). 

3 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, Jones.

    Estava procurando a origem desta hermenêutica quadrupla e você me agraciou com este texto de Cassiano.

    Muito obrigado pela ajuda. Adicionei o seu blog à lista do biblioblogs do AD CUMMULUS - www.adcummulus.blogspot.com

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  2. Flávio,

    Quando fui convidado para lecionar hermenêutica bíblica tive um baita trabalho para conseguir citações que dessem sentido ao desenvolvimento da hermenêutica ao longo da história. Pensei: por que não disponibilizá-los para outras pessoas?

    Que bom que a citação te ajudou. Ah, o AD CUMMULUS também já foi adicionado no Numinosum. Coisa rara é encontrar Blogs dedicados ao estudo científico da religião, Bíblia, etc.

    Abraços!

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  3. Olá Jones! O espírito é este mesmo! Para q guardarmos coisas a 7 chaves e privar os demais do conhecimento?

    O importante é publicizarmos todas estas descobertas interessantes que vamos fazendo ao longo da caminha. Fiquei feliz de ter encontrado o seu blog. É realmente difícil encontrar biblioblogs em terras tupiniquins. De qualquer forma, dê uma explorada nas listas de blogs do AD CUMMULUS. Encontrará umas boas pérolas.

    Vou fazer um rápido texto sobre essa fórmula quadrupla e te citarei por lá!

    Grande Abraço! Se tiver facebook, me adicione por lá "Flávio Souza Cruz"

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