Quem lê o evangelho de Mateus com atenção percebe os inúmeros paralelos que o livro estabelece entre Moisés e Jesus: matança dos recém nascidos, fuga do/para o Egito, 40 anos/dias no deserto, etc.).
John Dominic Crossan, em seu livro “Jesus, uma biografia revolucionária”, destaca cinco notáveis paralelos existentes entre Jesus e João Batista descritos no evangelho de Lucas. Como numa peça teatral, ele divide o paralelismo em cinco atos:
1) Os anúncios angélicos:
- Zacarias, pai de João, recebe a visita dos anjos para tratar a respeito do nascimento de João (Lc 1,5-25);
- Maria recebe a visita dos anjos anunciando o nascimento de Jesus (Lc 1,26-38).
- Zacarias questiona o anjo: “donde terei certeza disto, pois sou velho, e minha mulher é de idade avançada (1,18).
- Maria questiona o anjo: “Como se fará isso, pois sou virgem” (1,34).
- Gabriel diz de João: “ele será grande diante do Senhor” (1,15);
- Gabriel diz de Jesus: “ele será grande e se chamará Filho do Altíssimo” (1,32).
De acordo com Crossan o objetivo de Lucas seria exaltar Jesus acima de João. O segundo nasceu de pais velhos e estéreis, o primeiro, de uma virgem!
2) O nascimento divulgado:
- O nascimento de João é relatado primeiro, mas de modo mais sucinto, em Lc 1,57-58. Quando João nasce, em 1,58, somente “vizinhos e parentes” se congratulam com Isabel.
- O nascimento de Jesus é relatado de modo mais minucioso, em 2,7-14. Quando Jesus nasce em 2,13, há “uma multidão da hoste celeste louvando a Deus”.
Há neste caso um claro contraste entre “vizinhos e parentes” celebrando o nascimento de João e “uma multidão da hoste celeste” no nascimento de Jesus.
3) A circuncisão e nomeação das crianças:
- No oitavo dia o filho de Isabel é circuncidado e seu pai, Zacarias, escolhe o seu nome, João.
- No oitavo dia o filho de Maria é circuncidado e recebe de um anjo o nome “Jesus”, que foi escolhido “antes de ser concebido no ventre”.
Note que o nome de João vem da terra (Zacarias) e o nome de Jesus vem dos céus (anjos).
4) A apresentação pública e a profecia do destino:
- A apresentação pública de João ocorre na cada de seus pais e o seu nascimento foi divulgado num espaço geográfico delimitado: “todas as montanhas da Judéia” (1,65). Zacarias profetiza sobre o destino de João.
- A apresentação pública de Jesus ocorre no templo e o relato do seu nascimento tem uma repercussão muito maior: “todos os que esperavam a redenção de Jerusalém” (2,38). Simeão e Ana profetizam sobre o futuro de Jesus.
Há mais uma vez claros contrastes entre as duas passagens. João é apresentado numa casa, Jesus no Templo. A repercussão do nascimento de João é limitada geograficamente (montanhas da Judéia), a de Jesus não possui fronteiras geográficas (todos os que esperavam a redenção de Jerusalém). Uma só pessoa profetiza sobre João (Zacarias) e duas profetizam sobre Jesus (Simeão e Ana).
5) A descrição do crescimento do menino:
- João crescia e se fortalecia no espírito e habitava nos desertos.
- Jesus “crescia em “sabedoria”, “em estatura” e “em graça, diante de Deus e dos homens”. Ao invés do deserto, como João, Jesus crescia surpreendendo os mestres no Templo.
Por fim temos dois novos pólos: o deserto, lugar de desolação, e o Templo, símbolo da presença de Deus. João e Jesus, dois profetas com destinos completamente diferentes. Na opinião de Crossan, Lucas quer enfatizar que “João é a condensação e a consumação do passado de seu povo, mas Jesus é muito maior, muito maior que João” (CROSSAN, Dominic. Jesus, uma biografia revolucionária, p. 27).
Nenhum comentário:
Postar um comentário