Por Jones Mendonça
O padre jesuíta Antônio Vieira destacou-se por seus belos sermões e pela forte oposição à escravidão indígena. Suas virtudes são inúmeras, não há como negar. Mas num de seus sermões há uma tentativa de justificar a escravidão dos negros fazendo uma comparação com os filhos de Corá. A comparação que ele faz é a seguinte: assim como os filhos de Corá foram poupados do juízo divino em decorrência da desobediência de seu pai (Nm 26,11), os negros também foram poupados do inferno ao serem trazidos para o Brasil. Os pecados do seu povo seriam expiados aqui, por meio da escravidão. Em suma, é melhor padecer no Brasil e obter a salvação do que deleitar-se na África e ser lançado no inferno.
Leia este trecho de um sermão realizado na Bahia, à irmandade dos negros de um engenho em dia de São João Evangelista, em 1633:
“Vede se é grande milagre de Providência e Misericórdia divina [...]. Os filhos de Datã e Abirão pereceram com seus pais, porque seguiram com ele a mesma rebelião e cegueira. [...] Pelo contrário os filhos de Coré, perecendo ele, salvaram-se, porque reconheceram, veneraram e obedeceram a Deus: e esta é a singular felicidade do vosso estado, verdadeiramente milagroso” (VIEIRA, Antônio, 2001, pp. 648).
[...]
“Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado: Imitaturibus Christi crucifixi, porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz, e em toda a sua paixão. A sua cruz foi composta de dois madeiros, e a vossa, em um engenho, é de três. Também ali não faltaram as canas, porque duas vezes entraram na Paixão: uma vez servindo como cetro de escárnio, e outra vez para a esponja em que lhe deram o fel. [...] Cristo despido, e vós despidos: Cristo sem comer, e vós famintos: Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isto se compõe a vossa imitação, que se for acompanhada de paciência, também terá merecimento de martírio” (VIEIRA, Antônio, 2001, pp. 651).
Se com os negros o padre Antonio Vieira não foi tão benevolente, com os índios não mediu esforços para impedir que fossem escravizados. Numa carta ao rei D. João IV, em 06 de abril de 1654, o padre defende com veemência o direito do índio à remuneração por seu trabalho:
“que os índios sejam pagos de seu trabalho, nenhum índio irá servir a morador algum, nem ainda nas obras públicas...” (HANSEN, João Adolfo (Org.), 2003, p. 449).
Como se vê, o padre Antônio Vieira não é nem santo e nem demônio. Tinha lá suas virtudes e defeitos como qualquer ser humano. De qualquer forma era alguém que estava à frente do seu tempo.
Referências bibliográficas:
VIEIRA, Antônio. Sermões (Tomo I). São Paulo: Hedra, 2001.
HANSEN, João Adolfo (Org.). Cartas do Brasil: 1626-1697, do padre Antônio Vieira. São Paulo: Hedra, 2003.
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