Por Jones Mendonça
O livro de Cantares é cheio de metáforas sexuais. Infelizmente já no primeiro século os judeus começaram a alegorizá-lo como sendo uma referência ao amor de Yahweh por Israel. No mesmo caminho seguiram os primeiros cristãos, que sem perder tempo deram a ele um caráter pedagógico. O livro seria uma referência ao amor de Cristo pela Igreja. Será?
As metáforas sexuais são inúmeras no livro, mas há uma que me chama atenção. Trata-se do texto de Ct 5,4:
O meu amado pôs a mão por uma aberturada tranca; meu coração começou a palpitar por causa dele” (NVI).
O meu amado meteu a mão por uma fresta, e o meu coração se comoveu por amor dele (JFA).
A NVI acrescenta a expressão “da tranca” ao texto original. Mas como você pode ver, no texto hebraico original ela não existe (veja a figura acima). Esta versão também substituiu um intestino gemendo, por um coração palpitando. Eu diria que ficou mais poético.
A JFA, por outro lado, não explica que fresta é esta. O texto parece ter menos sentido, apesar disso é mais fiel ao original. A fim de adequar o versículo à nossa cultura, esta versão também substitui a palavra intestino (órgão ligado aos sentimentos na cultura semita) pela palavra coração. Na NVI o coração palpita, na JFA o coração se comove. Como sempre, a JFA é mais formal.
Permanece a dúvida, por que Sulamita ficou tão excitada (sim, excitada!) com o simples fato de o seu amado ter posto a mão numa fresta? E que fresta é esta?
Sei que corro o risco de ser chamado de “malicioso” ou de termos piores, mas a grande verdade é que a palavra yad, traduzida por “mão” no texto, também pode ser traduzida por “pênis”, como ocorre, por exemplo, em Is 57,8.10.
Bem, caso tenha sido esta a intenção do autor, o versículo teria um duplo sentido. Sulamita estaria ansiosa pela chegada do seu amado (que anuncia sua presença pondo a mão na abertura da porta) e excitada por seu toque.
Deixo para você, leitor, a decisão para esta inquietante questão!
Primo, estou chocada, não sabia dessas metáforas...
ResponderExcluirAdorei o blog, beijos nas crianças
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirRenata,
ResponderExcluirEntre os judeus este livro era lido em festas. É uma bela celebração do amor entre um homem e uma mulher. A partir do primeiro século um rabino (rabi Akiva) viu no livro uma referência ao amor divino por Israel. A moda pegou e os primeiros cristãos seguiram pelo mesmo caminho aplicando-o a Jesus.
Uma pena... o livro perdeu muito de sua beleza.
Obrigado pelo comentário. Abraço em todos!
Olá Jones! Sobre a expressão 'intestino gemendo' como similar à nossa 'coração palpitando' me faz lembrar algo que vi relativamente ao Japão. Enquando que no ocidente as pessoas dizem: 'ele tem um coraão negro' ou 'ele tem um coração bom', lá no Japão a expressão similar à 'coração' é 'barriga'. Daí por exemplo se poder dizer (pelo menos era assim na época dos samurais), que uma pessoa tinha uma 'barriga negra' ou 'uma boa barriga'. Pergunto-me se a expressão usada no Israel antigo não se coneta em parte com aquilo que o Japão conheceu, porque de 'intestino' para 'barriga' a expressão quase se iguala. Só uma curiosidade. Fica na Paz!
ResponderExcluirSeu comentário é interessante. Fiz uma rápida pesquisa e descobri que ao cometer suicídio, o japonês não crava a faca no coração, mas faz o hara-kiri. E hara significa barriga. De fato, “amar de toda a barriga” é uma expressão típica no Japão e em Bali. Na cultura japonesa a barriga é o centro de gravidade, carregando um significado singular em meditações e nas artes marciais.
ResponderExcluirMas na cultura semita o significado parece ser um pouco diferente. É preciso notar que o coração não é o único órgão afetado (palpitações) quando nossos sentimentos estão aflorados. Nossos intestinos literalmente se contorcem (ou gemem) quando somos comovidos por algo. Digno de nota são os casos de pessoas que perdem o controle das vias excretoras quando submetidas a emoções extremas. Os semitas tinham muita dificuldade com abstrações, por causa disso associavam sentimentos com elementos concretos do seu cotidiano. A palavra “alma”, por exemplo, em hebraico é “garganta”. Uma tradução literal de Gn 2,7 seria “o homem tornou-se garganta [hb. néfesh] vivente”, ou seja, um ser que respira. Jônatas amava a Davi com toda a sua “garganta”, ou seja, “com toda a sua vida”. A idéia de uma alma como conceito abstrato só ganha espaço nas especulações filosóficas dos gregos. Os livros do Novo Testamento, por terem sido escritos num contexto helenístico, dão à “alma” (psiquê) uma conotação abstrata, diferentemente do que faziam os hebreus. Tudo isso gera muita confusão entre os cristãos.
Seu comentário me inspirou a criar uma postagem sobre o assunto. Quem sabe não publico algo em breve. Sua participação em muito me acrescentou. Obrigado!
Fico feliz por ter contribuído. Paz!!
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ResponderExcluirRoberto,
ResponderExcluirRecibí tu comentario en mi correo electrónico (aunque usted lo tiene apagado). Gracias por comentar.
¡Salud!
CÂNTICO DOS CÂNTICOS - NOTAS ERÓTICO-EXEGÉTICAS. Carlos Eduardo B. Calvani
ResponderExcluirMais aqui:
www.centroestudosanglicanos.com.br/.../cantico_dos_canticos_notas_erotico _exegeticas_calvani.pdf
e aqui também:
www.centroestudosanglicanos.com.br/biblio_pdf/biblio_biblia.pdf
Fiquei de boca aberta :O
ResponderExcluirGostei pra caramba do texto e das metáforas. Sobre o assunto do Intestino ou barriga... sempre achei o mais certo. Eu quando sinto algo, alguma emoção eu sinto na barriga mesmo... no máximo no estômago. Isso sempre foi fato pra mim.
Tenho amigos judeus e adoro conversar com eles sobre a Torá. Uma amiga me disse que em certas famílias judaicas, o livro de Cantares só poder ser lido depois de um certa idade, porque ele é erótico demais para as crianças. Parabéns pelo blog ... vou voltar sempre, quero ser desafiado mais e mais na leitura Santa :D