terça-feira, 31 de março de 2015
FOGO, FEIJÃO E EXEGESE
Ela escreve:
“Délcio, coloque o feijão no fogo.
Maria”.
O
pequeno bilhete é fixado na geladeira. Passam-se mil anos e é achado nas ruínas
de uma construção. Surgem interpretações diferentes:
A exegese
fundamentalista:
“é para por a semente de feijão no calor de uma chama. Feijão talvez seja uma
espécie de milho que estoura quando aquecido”.
A exegese alegórica: “o feijão representa
nossas imperfeições; o fogo, a chama de nossa auto-avaliação”.
A exegese tipo PARDES: “o texto possui quatro
sentidos: 1) a semente de feijão deve ser colocada na chama (peshat); 2) toda a 'semente' dos animais deve ser cozida antes de ser consumida (remez); 3) A semente, para
brotar, precisa do calor, ou seja, do cuidado humano, o que nos ensina que devemos amar
nossos filhos (Drash); 4) A soma das consoantes das palavras 'feijão' e 'semente',
em hebraico, resulta em nove, que é o número dos leprosos que não agradeceram
a Jesus pela cura (Sod)".
A exegese confessional: “Embora num primeiro momento o texto pareça ter sido escrito por uma mulher, é mais provável que tenha vindo pelas mãos de um homem, afinal, mulheres não devem dar ordens aos homens (Cl 3,18).
Não é impossível o uso do nome 'Maria' para homens no início do século XXI”.
Pode
parecer inacreditável, mas há pessoas muito bem instruídas que interpretam a
Bíblia com tais métodos.
domingo, 29 de março de 2015
PARA ALÉM DA BÍBLIA, DE MÁRIO LIVERANI - PARTE V [APONTAMENTOS]
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"Beyt David" (Casa de Davi) - Estela de Tel Dan |
...Continuação (leia o post anterior aqui).
Mário Liverani considera o século XII a.C. um período de transição na Palestina. Uma série de migrações impulsionadas por mudanças climáticas mudou o cenário político e social da região. Egito (norte da África) e Khati (Anatólia) perderam o controle da Palestina; a Assíria e a Babilônia, ocupadas com as invasões arameias, permitiram que a Palestina ficasse livre de interferências estrangeiras pela primeira vez depois de meio milênio. As cidades ganharam uma dimensão reduzida, cercadas por muros, revelando o maior interesse pela autodefesa.
Mário Liverani considera o século XII a.C. um período de transição na Palestina. Uma série de migrações impulsionadas por mudanças climáticas mudou o cenário político e social da região. Egito (norte da África) e Khati (Anatólia) perderam o controle da Palestina; a Assíria e a Babilônia, ocupadas com as invasões arameias, permitiram que a Palestina ficasse livre de interferências estrangeiras pela primeira vez depois de meio milênio. As cidades ganharam uma dimensão reduzida, cercadas por muros, revelando o maior interesse pela autodefesa.
O
crescimento do elemento tribal
A configuração de uma nova
ordem na Palestina foi acentuada pela ação de grupos pastoris. Liverani
considera plausível – após rejeitar certos exageros - “uma contribuição de
marginalizados e de debandados para o reforço de grupos pastoris e para o
crescimento de sua autoconsciência” (p. 70). A gravitação das vilas
agropastoris deslocou-se dos palácios para as tribos, que absorviam foragidos
(habiru), com reivindicações socioeconômicas “antipalatinas”, dando às tribos (unidas
pela comunhão parental) uma dimensão e uma força nova. Como em populações aramaicas da Síria (Bit
Adini, Bit Agushi, onde
Bit significa “casa de” no sentido de estirpe), em Israel aparecem as
expressões “estirpe de Davi” (Judá) e “estirpe de Omri (Israel).
Mudança
tecnológica
A ruptura de tradições
culturais, o surgimento de novos ambientes sociopolíticos e de novas ordens
econômicas facilitaram a adoção de algumas inovações tecnológicas (vindas de
dentro e de fora). Liverani dá destaque: 1) À metalurgia do ferro (lâminas de trabalho e de
combate); 2) Ao alfabeto (o
cuneiforme babilônico era acessível a poucos especialistas); 3) À domesticação do dromedário (área arábica) e do camelo
(área iraniana), com capacidade de transporte muito maior que a do asno,
permitido que os comerciantes atravessassem grandes espaços desérticos
(surgimento das primeiras cidades na trilha das caravanas); 4) Às inovações
técnicas da navegação, permitindo a
exploração dos tráfegos mediterrâneos pelos fenícios “pré-coloniais” e gregos “homéricos”;
e 5) Às inovações técnicas no campo da agricultura
e das infra estruturas agrícolas, especialmente nos planaltos centrais da
Palestina. Uma famosa passagem bíblica alude ao desmatamento nas montanhas:
“Receberás a montanha, embora seja uma floresta, desmatá-la-ás e será tua até as extremidades” (Js 17,18).
Além de todos esses itens,
Liverani também dá destaque às inovações hídricas: obras de canalização, poços
mais profundos, cisternas com rebocos mais à prova d’água e canais subterrâneos.
Ele finaliza explicando que todas essas inovações (ferro, alfabeto,
domesticação do dromedário/camelo, navegação, agricultura, inovações hídricas) não
se desenvolveram de repente nem ao mesmo tempo. Todas juntas caracterizaram o
período do Ferro em relação ao período do Bronze e devem ser levadas em conta
para compreender a diferente ordem territorial e a diferente cultura material.
Horizontes
ampliados
A nova ocupação territorial
da Palestina estendeu-se aos planaltos e às estepes semi-áridas, situação bem
diferente da ocupação no Bronze recente, concentrada nas áreas facilmente
utilizáveis. A dimensão dos assentamentos nas cidades diminuiu, mas nas vilas
cresceram e se fortificaram. Todo o território foi ocupado de maneira mais
homogênea e a zona habitada dilatou-se de modo extraordinário. A Palestina,
terra marginal e fraco anel da “meia lua fértil”, acabou se vendo no centro de
uma vasta rede de vias e trocas comerciais. Ainda assim, destaca Liverani: “a
marginalidade da Palestina muda nas circunstâncias, mas permanece na substância” (p. 80).
Jones F. Mendonça
sábado, 28 de março de 2015
PARA ALÉM DA BÍBLIA, DE MARIO LIVERANI - PARTE IV [APONTAMENTOS]
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Preparei este mapa seguindo o modelo da figura 6, pg. 61. Clique para ampliar |
Continuação (leia o post anterior clicando aqui).
Crise
multifatorial
No segundo capítulo de seu “Para
além da Bíblia”, Mário Liverani discorre sobre a sociedade palestina do
primeiro período do Ferro (século XII a.C.). Essa nova fase, quando
confrontada com o período do Bronze Recente (séculos XIV e XIII), destaca-se
pelo desenvolvimento de grande inovação tecnológica e de assentamentos.
Fatores
climáticos e migrações
Além da crise socioeconômica
de longa data, da crise demográfica em curso, da indiferença da população
camponesa pela sorte dos palácios reais e das recentes carestias, a crise final
do Bronze Recente e seu colapso veio pela presença de movimentos de caráter
migratório impulsionado pelo processo de mudança climática: 1) na zona árida do
deserto do Saara e do deserto da Arábia; 2) Na parte norte do mediterrâneo,
particularmente na região da Anatólia.
Somado a essas migrações
aparecem os chamados “Povos do mar”, que se espalharam por toda a costa do
Mediterrâneo oriental, sendo detidos no Egito. No túmulo do faraó Ramsés III aparece
o registro da chegada dos invasores:
Os setentrionais em suas ilhas estavam em dificuldade e se moveram em massa, todos ao mesmo tempo. Ninguém resistiu perante eles; de Khati (império Hitita) a Qode (Cilícia), Karkemish (cidade do Eufrates, no norte da Síria), Arzawa (reino da Ásia Menor), Alashiya (Chipre) foram devastadas. Dirigiram-se enfim para o Egito [...]. A força deles era constituída de filisteus de Zeker, de Shekelesh, de Danuna e de Weshesh, países que se uniram para pôr a mão no Egito, até o último confim. Os ânimos deles eram de confiança, cheios de projetos (ARE IV 64 = ANET, p. 262).
Bloqueados no delta do Nilo,
os Povos do mar estabeleceram-se em grande número na costa meridional da
Palestina ou no interior próximo. O povo mais importante, os filisteus, formou
uma aliança política de cinco cidades, uma pentápole: Gaza, Ascalom, Ashdod,
Gat e Eqron.
Queda
do sistema regional
A invasão dos Povos do mar repercutiu
em vários níveis no destino histórico da Palestina. Houve uma mudança no quadro
político regional, provocando o desmoronamento de duas potências
que dividiam a soberania da faixa siro-palestina: Egito e Khati (cidade hitita,
conhecidos na Bíblia como heteus, cf. 2Rs 7,6).
A Assíria e a Babilônia,
limitadas a seus núcleos mínimos possíveis devido às invasões dos arameus,
permitiram que a Palestina ficasse livre de intervenções estrangeiras pela
primeira vez depois de meio milênio, situação que durará até o surgimento do império
neo-assírio. A partir desse novo cenário, Liverani destaca:
Os pequenos reis palestinos, habituados a uma relação de vassalagem em relação ao senhor estrangeiro, não terão mais outra entidade superior de referência senão suas divindades, e readaptarão toda a fraseologia, a inocografia e as cerimônias construídas para exprimir suas relações com o faraó para exprimir agora sua relação com a divindade citadina ou nacional (p.68).
Crise
dos palácios
Muitos palácios reais e
cidades palestinas foram destruídos durante as invasões ou depois delas,
podendo ser atribuídas tanto aos Povos do mar como às tribos “proto israelitas”,
intervenções egípcias, guerras locais ou revoltas de camponeses. Sem seu núcleo
paladino, as cidades se reduziram em dimensão e complexidade organizativa. O
maior interesse na autodefesa impulsionou a construção de muros nas pequenas
cidades sobreviventes.
Continua aqui.
Jones F. Mendonça
ZÉ DIREITINHO E ARISTÓTELES
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Tá, é até possível que surjam
opiniões diferentes quanto ao “onde” e ao “quando” o tratamento desigual de
desiguais deve ser dado. Mas ignorar esse princípio revela uma definição caduca
de justiça.
Jones F. Mendonça
quarta-feira, 25 de março de 2015
APEDREJAMENTO, INFIDELIDADE, ALEGORIA E TOQUE DE SHOFAR
Yossef, um judeu do século
III a.C., desconfia que sua esposa não é virgem. Orientado por seus pais ele leva
o caso aos anciãos da cidade. Ele sabe que se a acusação for tomada como falsa será açoitado, multado em cem ciclos de prata e proibido de repudiar sua mulher (Dt 22,19). Mas se a acusação for confirmada o que acontece é o seguinte:
Se, porém, esta acusação for confirmada, não se achando na moça os sinais da virgindade, 21 levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão até que morra; porque fez loucura em Israel, prostituindo-se na casa de seu pai. Assim exterminarás o mal do meio de ti (Dt 22,20-21).
E pensar que muitas mulheres
foram salvas do apedrejamento graças a indivíduos como Fílon de Alexandria (†50 d.C.), um dos pioneiros na alegorização das
Escrituras. Acontece que numa leitura alegórica “apedrejar” pode significar
simplesmente “fazer um furo no coração petrificado pelo pecado com o toque do
shofar”. Na exegese judaica medieval, além do sentido simples ou literal (peshat), o texto podia ter até três sentidos (remez, drash e sod). Em suma, a "interpretação criativa" é um péssimo método de interpretação, mas pelo
menos pode salvar vidas.
Jones F. Mendonça
segunda-feira, 23 de março de 2015
PALESTINA 2015
Com
as negociações paralisadas entre palestinos e israelenses o número de colonos
israelenses na Cisjordânia já ultrapassa 350.000. O crescimento constante de
assentamentos em todo o território ocupado da Cisjordânia e de
Jerusalém Oriental é considerado uma violação do direito internacional pela
maioria dos líderes mundiais. A solução para o conflito parece ter se tornado
mais distante após declarações feitas pelo primeiro ministro israelense
Benjamin Netanyahu, que afirmou que se eleito não permitirá a criação de um Estado palestino.
Veja
muitas fotos em alta resolução, mapas e informações sobre os assentamentos no
New York Times.
Jones
F. Mendonça
sábado, 21 de março de 2015
terça-feira, 17 de março de 2015
HISTÓRIA SOCIAL DO ANTIGO TESTAMENTO
Aos interessados no tema “história social do
AT”, sugiro uma lida no texto de Rainer Kessler (Escribir una historia social del antiguo Israel?), publicado em 2004 e disponível no site da Pontificia
Universidad Xaveriana, Bogotá. Segue um breve resumo:
O projeto de uma história social do Antigo Israel tem a intenção de superar as limitações da exegese tradicional em métodos literários e o entendimento da história de Israel como história de acontecimentos. Seu sujeito é a história social do Antigo Testamento em sua mudança histórica. Suas fontes são a geografia, a arqueologia, a epigrafia, os textos bíblicos, a sociologia e a antropologia. Com a ajuda dessas fontes buscam-se reconstruir a história social do povo de Israel para entender melhor os textos da Bíblia.
Jones F. Mendonça
sábado, 7 de março de 2015
OVOS OCOS
Sobre os pilares do mundo,
rei Sensatez declinou.
Trono vazio, Tolice fez ninho.
No alto cume, sobre alvas
nuvens,
estulta ave chocando o caos.
Jones F. Mendonça
ZÉ BOBINHO E O LEVÍTICO
Zé Bobinho está evangelizando
um jovem homossexual e manda um verso tomado do Levítico:
O jovem não perde tempo:
-Tá, e se eu deitar como se
fosse homem?
Jones F. Mendonça
quinta-feira, 5 de março de 2015
BOATO
Na
fila do banco e um sujeito dispara: “Olha, o Exército está pronto para tomar o
poder!”. Começa um ti-ti-ti.
Saio
do banco, paro para comer um pastel e um senhor de terno diz em tom preocupado:
“Estamos às portas de uma guerra civil”. Rostos assustados discutem táticas
para estocar alimentos.
Sem
paciência, afasto-me e sento-me para comer: “Andam dizendo que Dilma vai
confiscar a poupança!”, afirma uma mulher descabelada. O desespero é geral.
Uma
madame de vestido vermelho não perde tempo: “Olha, acabo de ler na Veja que o
irmão do cunhado do Lula está financiando o Daesh, grupo terrorista que degola
pessoas sem piedade”. E continua: “dizem que virão ao Brasil lutar pelo PT contra
os caminhoneiros grevistas”.
Zé
Bobinho, meio perdido e pronto para repassar os boatos, sai correndo para
postar tudo no ZapZap.
É,
está realmente difícil viver no Brasil...
Jones
F. Mendonça