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Viu Occam escrever tratados
sobre a separação entre o Estado e a Igreja. Riu dos textos sarcásticos de
Erasmo contra o papa. Viu Lutero divulgar suas 95 teses contra as indulgências
e leu seus textos anunciando a tão sonhada liberdade. Examinou as Institutas,
as confissões doutrinárias, o catecismo da Reforma, a guerra religiosa que queimou
hereges que não seguiam a cartilha protestante. Lamentou a morte de camponeses, de judeus, de huguenotes, de
católicos, de Servetto. Tudo igual.
Viu nascer pietistas e puritanos zelando pela simplicidade e pureza. Batistas e presbiterianos cultivando um espírito democrático. Estava lá, quando Pentecostais, portando o
fogo do Espírito, reuniram multidões num gozo celeste. Frequentou cultos
neopentecostais, prometendo dinheiro no bolso e carro novo. Acompanhou o
crescimento dos “sem igreja”, decepcionados com a institucionalização da fé.
Observou tudo isso sentado em seu trono celeste. Após cerca de dois mil anos viu-se abatido por
um profundo tédio. Pediu a São Jerônimo uma folha de papel, uma caneta, e
tratou de escrever poemas. Multiplicou-os
com seu poder e lançou-os na terra sob o estrondo de raios e trovões. Mas era
tarde demais. Não conseguiam ler poesia. Foram cegados pela ortodoxia.
Jones F. Mendonça